Quando decidiu se tornar um músico de jazz, depois de anos trabalhando em bandas de baile e grupos de rap, Jonathan Ferr quis fazer músicas que seus amigos pudessem ouvir. "Eu me lembro deles falando que jazz era 'coisa de velho' ou música de sala de espera de dentista. Eles diziam coisas assim porque era um tipo de música que parecia muito distante deles. A partir do momento em que eu me entendi como artista de jazz, comecei a questionar esse lugar elitista que o gênero ocupa", diz o pianista e compositor carioca, de 34 anos.
No trabalho de Ferr, esse questionamento ganha vida na medida em que o músico adiciona ao jazz suas próprias referências pessoais, que vão desde outros gêneros, como funk, R&B e hip-hop, até grandes nomes da música brasileira, como Milton Nascimento. Foi assim que nasceu seu primeiro disco, o elogiado "Trilogia do amor" (2019), que o colocou no mapa da música instrumental nacional.
Depois de somar passagens por festivais de jazz e colecionar elogios da crítica especializada no Brasil e no mundo, Jonathan Ferr chegou em 2020 confiante em que o ano seria agitado. Seus planos foram interrompidos pela pandemia da COVID-19 e, em meio a crises de ansiedade, ele compôs um inesperado segundo disco, que não por acaso se chama "Cura" (2021).
Agora, o pianista se prepara para retomar a rotina de shows pelo Brasil. A abertura da agenda será em Belo Horizonte, onde ele participa do Savassi Festival, que começa nesta quinta-feira (21/10), às 21h, com o show da banda Delicatessen, no Cine Theatro Brasil, e vai até o próximo dia 31. A apresentação de Jonathan Ferr ocorre no dia 30, no teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas.
ALENTO
"Durante a pandemia, fiz muito show on-line. Foi um alento para nós, artistas, e também para o público. Cheguei a fazer um show de lançamento do 'Cura' presencial no Rio de Janeiro, mas a sensação que tenho é de que agora é que será o primeiro show de fato. As pessoas estão vacinadas, mais tranquilas. A arte é a celebração da vida. Quando você coloca o público em risco de alguma maneira, essa celebração não acontece."
O show que ele realiza em BH está programado para ter duração de 1h15min e terá um repertório formado por músicas de seus dois discos. No palco, Ferr estará acompanhado de Alex Sá (saxofone), Caio Oica (bateria) e Harrison Luz (contrabaixo).
"Mais do que nunca, estou preparando uma celebração ao amor", ele afirma. "Não o amor romântico, mas o amor como uma energia de cura e reconexão. O meu show é uma passagem sem volta para você mesmo", ele afirma.
Jonathan Ferr define o seu trabalho como "urban jazz" em razão da mistura com outros gêneros musicais associados ao pop. Ao vivo, ele pretende acentuar ainda mais essa fusão, apresentando uma experiência musical imersiva, "diferente de tudo o que o público já ouviu".
"Faço música para democratizar, para que mais pessoas cheguem e compreendam a força da música instrumental. Para ir ao meu show, o cara não precisa ser ouvinte de jazz, por exemplo. Ele pode ser um superfã de pagode e decidir ir ao meu show que ele vai se surpreender e vai se conectar. Mais do que entreter, o meu objetivo é promover uma conexão com quem está assistindo aos shows", ele explica.
Numa carreira solo iniciada há pouquíssimo tempo, ele já colhe provas de que esse objetivo tem sido alcançado. Uma delas ocorreu no Rio de Janeiro. Após uma apresentação numa casa de shows da cidade, ele foi abordado por uma senhora.
"Ela veio até mim, me deu um abraço superapertado e disse: 'Meu filho, é a primeira vez que eu venho em um show de jazz. Eu achava que jazz fosse outra coisa. Sempre achei que era algo muito distante de mim. Agora, toda vez que alguém me chamar para um show de jazz, eu vou'. Eu marquei a vida dela e ela marcou a minha", diz.
Defender a democratização do gênero é algo que ele faz de forma consciente e esclarecida. Para não ser mal-interpretado, o pianista e compositor faz questão de dizer que democratizar o jazz não quer dizer que ele acredita que esse tipo de música seja o melhor.
"Tenho cuidado para não parecer que eu quero levar música 'boa' para as pessoas. Levar cultura para a favela. A favela já tem cultura. A cultura está acontecendo e existe, independentemente de qualquer coisa, não tem a ver com classe social. Para mim, democratizar é possibilitar novos olhares", ele afirma.
A própria trajetória de Jonathan Ferr é um exemplo da democratização que ele defende. Quando o músico diz querer aproximar o jazz de seus amigos que moram no Bairro de Madureira, onde cresceu, ele não está se referindo somente a trazer o gênero para o cotidiano deles, mas também apontar para o quanto os redutos dedicados ao gênero normalmente estão em bairros nobres das cidades.
Quando era mais jovem, Ferr tinha que ir até a Zona Sul do Rio de Janeiro para assistir a apresentações de jazz. Desde pequeno, ele é incentivado pelo pai a explorar seu lado musical. Por isso, recorreu a uma formação em piano na Escola de Música Villa-Lobos, também no Rio. Depois que descobriu a possibilidade de ser um artista autoral de música instrumental, Jonathan Ferr começou a construir a estética que hoje define seus trabalhos.
"A música instrumental é completamente subjetiva. Uma canção te indica uma direção, se trata de amor ou é sobre algum tema triste. A música instrumental é o contrário: ela mexe com a subjetividade. Duas pessoas podem ouvir a mesma música e ter uma experiência completamente diferente. O jazz toca nesse lugar. O poder do jazz e da música instrumental está nisso", ele analisa.
"Tenho cuidado para não parecer que eu quero levar música 'boa' para as pessoas. Levar cultura para a favela. A favela já tem cultura. A cultura está acontecendo e existe, independentemente de qualquer coisa, não tem a ver com classe social. Para mim, democratizar é possibilitar novos olhares"
Jonathan Ferr, pianista e compositor
Em "Cura", Jonathan Ferr realiza esse movimento por meio de nove faixas minimalistas, cujo objetivo está explícito no título do álbum. O trabalho conta com sete temas totalmente instrumentais – um deles, "Sensível", tem participação do arranjador Jaques Morelenbaum –, e duas músicas com voz, mas que não se enquadram como canções.
Em "Esperança", o ator, cantor, comediante e compositor Serjão Loroza recita um texto que chama a atenção para o racismo. "Caminho" conta com a voz da filósofa Viviane Mosé. Já a faixa "Nascimento" é uma homenagem a Milton.
"Com a agenda de shows parada, fiquei em casa sozinho criando e, de repente, esse trabalho ganhou vida a partir do momento em que comecei a fazer viagens dentro de mim mesmo. Pude tratar de coisas para as quais eu não tinha tempo de olhar, porque estava sempre viajando e fazendo shows. Eu não conseguia tempo para esse auto-olhar. Foi o momento que eu encontrei de observar novas possibilidades de existência", ele afirma.
Segundo Jonathan Ferr, "Cura" pode ser, sim, associado à COVID-19, mas não para por aí. "É para além da doença física. Não é só sobre ter COVID ou não ter COVID. É sobre estar curado de traumas, cuidar do nosso emocional e espiritual. Dentro dessas reflexões, comecei o que eu chamo de pianoterapia. Eu acordava triste e ia tocar."
Para ele, após a cura vem a libertação, fase que ele pretende transformar em álbum, com previsão de lançamento para o início de 2022. "Liberdade" será um disco formado por samples das faixas do "Cura" e contará com participações especiais de artistas da cena musical brasileira que Jonathan Ferr prefere manter em segredo por enquanto. O que ele pode adiantar é que essa libertação tem voz e o registro – que já está em produção – também será formado por canções.
JONATHAN FERR NO SAVASSI FESTIVAL
Em 30 de outubro próximo, às 20h, no teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Ingressos: R$ 25 (inteira) e R$ 12,50 (meia). Vendas pelo site Eventim. Mais
informações no site
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SAVASSI FESTIVAL
A edição 2021 do Savassi Festival começa nesta quinta-feira (21/10), com o show presencial da banda Delicatessen. O evento contará com shows presenciais do compositor e violonista Guinga, do pianista norte-americano Aaron Goldberg, da pianista e cantora mineira Carla Sceno e da compositora, cantora e instrumentista Jennifer Souza. Programação
completa no site do evento
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