“Tô em casa, tô na causa/ Tô sem nada/ Longe de tudo/ E sem tirar os olhos do mundo.” Zélia Duncan canta em “Pelespírito”, canção-título que abre seu novo álbum, o que milhões de pessoas passaram mundo afora com a pandemia. Ainda que o pior tenha ficado para trás – esperamos –, a hora do reencontro e da celebração é também o momento do consolo.
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“São quase dois anos sem olhar na cara da plateia, sem ouvir aplauso. Falo isso não só pelo aplauso simplesmente, mas pelo que ele significa. Nós, artistas, fomos atingidos na alma, pois o que fazemos prevê o encontro. Sem ele, sempre falta um pedaço. Então, estar no palco, sentir a presença da plateia, já me deixa emocionada”, afirma a cantora.Primeiro show com público desde o início da pandemia e também o primeiro em que vai comemorar sua estreia nos palcos, em 1981, Zélia apresentará o novo álbum na íntegra. Composto entre abril e junho de 2020, “Pelespírito” reúne 15 canções dela com o poeta e músico pernambucano Juliano Holanda, que estará com ela no show, assim como Webster Santos, o produtor do disco.
As canções de cunho folk falam sobre os tempos difíceis, um misto de afeto (“Nossas coisinhas”), perdas (“O que se perdeu?”), esperança (“Vai melhorar”) e estranhamento (“Onde é que isso vai dar?”). “Me consolou fazer esse disco, senti que ele consola os outros. Ainda estamos em um momento difícil, então estou indo consolar delivery”, continua ela.
“Pelespírito” nasceu da necessidade de Zélia de se expressar. Via WhatsApp, ela começou a compor com Juliano. Em junho de 2020, viu que tinha de registrar o material. A dupla procurou Webster, que, na hora, avisou que o projeto teria que ser feito remotamente.
“Coloquei um programa no meu laptop e aprendi a gravar voz. Gravava as vozes e violões e mandava para eles, que faziam pequenos complementos”, diz ela.
O novo álbum poderia ter cordas, coro, baixo, piano e bateria, conta Zélia Duncan. “Isso tudo poderia ter entrado, mesmo gravado à distância. Mas queria que ele, sonoramente, refletisse o momento, fosse um disco cru, ainda que tocado com extrema sensibilidade.”
Não há como negar que a voz de Zélia preenche qualquer vazio. “É uma sorte. Independentemente de gostarem ou não da minha voz, ela é muito característica. Às vezes, só falo bom-dia e já sabem que sou eu”, comenta.
No palco, o cenário de Flávia Pedras mostra o trio acompanhado por 15 plantas, que representam os 15 álbuns de Zélia. No fundo, um desenho abstrato, o mesmo que estampa a capa do disco, criado pela própria cantora durante a quarentena. O tom celebratório será também traduzido pelos sucessos de carreira, que vão entremear o novo repertório.
BRASÍLIA
Cada artista tem seu próprio marco para determinar o início da carreira. Para Zélia, essa estreia se deu na Sala Funarte de Brasília, atual Sala Cássia Eller, em 1981. Menina de 16 anos, ela tirou o primeiro lugar em um concurso para jovens intérpretes. Havia enviado gravações caseiras em fita cassete. A premiação foi seu primeiro show com quatro músicos profissionais.“Abri aquele show com ‘Fazenda’, do Milton Nascimento. Era um repertório todo MPB, nada apropriado para a minha idade. Na verdade, era mais velha do que hoje. Só mais tarde fui conhecer folk, rock, Beatles. Ali era o repertório que a minha mãe tinha em casa, que acabou sendo um repertório afetivo brasileiro”, relembra a artista
Com 16 anos, ninguém sabe nada. E Zélia, sem artistas na família, partiu para a luta muito cedo. “Cantei na noite, fiz jingle, locução, até encontrar o Christiaan Oyens, parceiro dos meus primeiros sucessos. Foram várias pessoas, você vai juntando uma peça com a outra, tudo soma para um momento que chega na sua vida”, acrescenta.
Este momento, de acordo com Zélia, chegou quando a (empresária) Ivone Kassu levou o produtor Guto Graça Mello para vê-la em um show com “palco mínimo”. Na época, ela cantava “Nos lençóis desse reggae”.
“No final, o Guto subiu no palco e me falou que alguém tinha de fazer alguma coisa. Eu disse: ‘Esse alguém poderia ser você’”. Os dois passaram a se encontrar, e, um ano mais tarde, ela lançou o álbum “Zélia Duncan” (1994), que explodiu Brasil afora com a música “Catedral”, versão dela e de Christiaan para a canção de Tanita Tikaram.
POLÍTICA
Sem se acomodar, a despeito das conquistas, Zélia é bastante convicta de seu posicionamento como pessoa pública. “No começo desse processo violento pelo qual estamos passando, achava que cada um faz o que pode, temos de respeitar as pessoas. Continuo achando isso, mas neste momento radical, depois da multidão de mortes, acho muito importante que o artista emita opiniões. Se você se omite, está se tornando cúmplice com o seu silêncio. Decididamente, não vou olhar para trás e pensar que podia ter feito o que não fiz. Estou tentando aprender com o que estou vendo, ter mais consciência, informações, ser uma artista do meu tempo. Isso me parece urgente”, finaliza.ZÉLIA DUNCAN
Show “Pelespírito”. Estreia nacional nesta sexta-feira (22/10), às 21h, no Cine-Theatro Brasil Vallourec, Praça Sete, Centro, (31) 3201-5211. Plateia 1: R$ 160 (inteira) e R$ 80 (meia). Plateia 2: R$ 140 e R$ 70 (meia). Vendas no local e no site Eventim.