Realizador do projeto Sempre um Papo, há 35 anos em atividade, e do Festival Literário de Araxá (Fliaraxá), cuja nona edição ocorreu em 2020, Afonso Borges diz que chega à sua nova empreitada na esfera da literatura, o Festival Literário Internacional de Itabira (Flitabira), com a expectativa de colocar em prática tudo o que aprendeu durante a pandemia.
Isso quer dizer que a programação que começa nesta quarta-feira (27/10) e segue até domingo (31/10), será ofertada de forma híbrida, presencial e virtual, 24 horas por dia, durante todos os dias do evento.
O mote do festival é “A pedra e o sino” – em alusão ao poema “No meio do caminho”, de Drummond, e ao icônico sino Elias, também presente na obra do poeta e hoje instalado na matriz do Rosário.
Entre os participantes estão Mia Couto, Ailton Krenak, Antônio Fagundes, João Paulo Cuenca, Frei Betto, Zuenir Ventura, Gilberto Gil, Valter Hugo Mãe, José Eduardo Agualusa, Bruna Lombardi, Zeca Camargo, Marina Colasanti, Conceição Evaristo, Tatiana Salem Levy, Itamar Vieira Júnior, Padre Fábio de Melo, Tony Bellotto, Gregório Duvivier, Lilia Schwarcz e José Miguel Wisnik, que colaborou na formatação do festival. Dezenas de outros escritores e artistas de áreas diversas se somam a essa lista.
BATE-PAPOS
Os artistas citados participam de bate-papos presenciais e virtuais em diferentes formatos. “A partir da chegada da pandemia, nós fizemos quase 90 lives, isso partindo de uma situação em que a gente mal sabia lidar com o Zoom até o ponto em que estamos realizando transmissão simultânea em diferentes canais. Tenho a possibilidade de dividir o digital entre o ao vivo, o pré-gravado inédito e o material de acervo”, diz Afonso, citando o aprendizado que acumulou durante a crise sanitária, em que o Sempre um Papo se transferiu para o ambiente digital.
O produtor exemplifica sua ideia de um festival em camadas: “Às 19h, estou no palco da abertura, saio, vou para o estúdio e faço uma live até as 20h. Retorno para a abertura, que não será transmitida, porque não faz sentido. Ao mesmo tempo, estará rodando a conversa pré-gravada inédita que fiz com Mia Couto. Acabou a conversa, continuamos com ele no virtual com mais dois ou três programas que gravamos anteriormente, material de arquivo que vem do Sempre um Papo e do Fliaraxá”.
Ele destaca que o desafio de compor uma programação 24 horas foi contornado usando o que chama de horários mortos, das 23h às 5h, para exibir o acervo do Sempre um Papo e do Fiaraxá. “No presencial, vão estar rolando as atividades culturais no espaço lítero-gastronômico montado na rua em frente à Casa de Drummond, um show ou até um debate, tudo simultâneo. Posso estar lá participando de uma mesa e de uma live ao mesmo tempo.”
PRESENÇA EM ITABIRA
Bruna Lombardi, que participa de duas mesas – uma ao lado de Mia Couto e outra falando de seu livro “Clímax” – e atua como mediadora, ao lado de Afonso, em outras duas – com Itamar Vieira Júnior e com a dupla formada por Allan Dias Castro e Monja Coen –, diz que optou por estar em Itabira presencialmente pela oportunidade de conhecer a cidade e pela grandeza do evento.
“Eu acho que o Afonso juntou gente muito legal, gente que vale a pena ouvir, cujas ideias devem ser compartilhadas. Ele tem relacionamentos ótimos. É um privilégio mediar a conversa com Itamar Vieira Júnior, por exemplo, que escreveu um dos livros mais premiados dos últimos tempos, o ‘Torto arado’, que é um romance maravilhoso”, comenta.
Sobre a mesa de que participa hoje, com o tema “Língua, leitura e utopia”, ao lado de Mia Couto, que interage remotamente, às 20h – mesmo horário em que ocorre a cerimônia oficial de abertura –, ela acredita que a energia local do instante é que vai determinar os rumos da conversa.
“Penso que vamos discutir sobre aquilo que a gente quer preservar, a poesia, a prosa, a ideia da leitura mesmo, esse desejo de que o Brasil tenha um estímulo para a educação, para a formação, para as pessoas voltarem a pensar. E poesia é um fator essencial, que salva a alma da gente, faz um bem danado quando a gente mais precisa. Quem lida com poesia, escreve, lê, não vive sem”, ressalta.
A programação de abertura do 1º Flitabira prevê ainda, a partir das 17h, cortejo de marujadas e congado; concerto no sino Elias, executado pelo mestre sineiro Nilson José dos Santos, de Ouro Preto; recital com Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay; Antonio Fagundes falando do tema “Amor aos livros e à literatura” e recitando seus poemas; Mia Couto se desdobrando em três debates – com Bruna Lombardi, com Ailton Krenak e sozinho, falando de seu mais recente livro, “O mapeador de ausências” – e a apresentação do espetáculo de dança “Sem lugar”, do grupo Primeiro Ato, inspirado na vida e na obra de Drummond.
“Em função da pandemia e por todo o clima anticultura que a gente vive atualmente no Brasil, muitos eventos literários estão penando, sendo cancelados ou adiados, então é uma notícia muito bem-vinda o surgimento de um novo festival”, afirma Léo Cunha, que é autor da letra do hino do Flitabira, composto juntamente com o músico e escritor cearense Tino Freitas. Cunha tem mais de 60 títulos de literatura infantojuvenil lançados.
Ele comenta que “o momento é muito oportuno, porque está para ser lançada uma grande biografia do Drummond, escrita pelo Humberto Werneck, que está há uma década trabalhando nisso”. Cunha participa amanhã da mesa Literatura infantil e música, ao lado de Tino Freitas. Werneck, por sua vez, integra mesa digital também amanhã, às 20h, na qual falará a respeito da biografia de Drummond.
Afonso Borges afirma ter “um projeto de 10 anos de trabalho em Itabira”. Para o ano que vem, ele diz já estar “combinado com Pilar del Rio (viúva do escritor português) de fazermos uma comemoração conjunta no Flitabira” do centenário de José Saramago e dos 120 anos de nascimento de Drummond.
NOS PASSOS
DE DRUMMOND
A coreógrafa Suely Machado, diretora do Primeiro Ato, diz que ficou muito animada e emocionada com o convite para participar da abertura do Flitabira. Ela destaca que o espetáculo que será apresentado foi criado em 2002, a convite de Pedro Drummond, neto do poeta, e exigiu um mergulho profundo na obra e na vida do homenageado.
“A gente não queria se basear só nos poemas, mas também na pessoa de Drummond, que falava que quando estava na roça pensava no elevador e quando estava no elevador pensava na roça, daí o título ‘Sem lugar’. A criação desse espetáculo foi um processo que demandou nove meses, uma gestação, de muita leitura e muita entrega”, afirma.
Ela destaca que “Sem lugar” estreou em Itabira, mas que, passados quase 20 anos, ele agora poderá ser visto por um público completamente renovado. “Itabira é a terra de Drummond, então tem um significado muito grande para a gente. Fazer um festival de literatura no Brasil é sempre uma coisa muito importante, mobilizar crianças, adolescentes e adultos em torno do hábito da leitura, com uma programação que reúne pessoas tão importantes. E nós temos esse histórico de trabalhar a dança junto com a literatura”, diz.
Além de Drummond, o Primeiro Ato já produziu espetáculos baseados em obras de Hilda Hilst, Guimarães Rosa e Nelson Rodrigues. “Abrir esse festival é muito emocionante, e faço questão de que isso apareça, essa emoção de trazer para a cidade do poeta, num primeiro festival de literatura, um mergulho na obra dele.”
1º Flitabira – Festival Literário Internacional de Itabira
Desta quarta-feira (27/10) a domingo (31/10). Presencial Flitabira: Praça do Centenário, Itabira/MG. Digital Flitabira: Redes do @Flitabira – Youtube, Facebook e Instagram