Com a canção “Alouette”, a cantora, compositora, poeta e instrumentista carioca Denise Emmer ganhou o Disco de Ouro, na década de 1970, pela venda de milhares de álbuns. Cantada em francês, a música se tornou trilha sonora da novela “Pai herói” (1979). Agora, a filha dos novelistas Janete Clair (1925-1983) e Dias Gomes (1922-1999) se volta para o streaming e lança nas plataformas digitais o álbum inédito “Cantiga do verso avesso”. Gravado em 1992, o álbum não chegou a ser lançado na época em que foi concluído.
Com influência da música renascentista e ibérica, “Cantigas do verso avesso” traz, além das faixas autorais, nas quais se incluem “Casa da infância”, “Cantiga da estrela barca”, “Cantiga da noite mágica”, “Canção do inverno”, “Gira noite” e “Cavaleiro do rio seco”, uma homenagem ao compositor e cantor baiano Elomar; uma escrita em português do século 15, “Aquestas manhãnas frias”, cujo instrumental conta com viola da gamba, flauta doce, alaúde, violões e vocais que remetem aos madrigais.
O registro de 1992 “não tinha nenhum vínculo com gravadoras”, conta a artista. “Gravei e prensei como bolacha (vinil). Podia até ter feito CD dele, mas não o fiz. O LP saiu com 12 músicas, mas tiramos duas, porque não conseguimos recuperá-las tecnicamente. É o lançamento de um disco muito bonito, e suas canções são bastante inspiradas.”
Ela chegou à conclusão de que o seu estilo é pop-renascença. “Isso por causa da minha influência da música renascentista, principalmente a ibérica. Não é a música renascentista pura, é claro, pois estou no século 21. Mas a influência da música renascentista em mim é muito forte, por formação e também pelo meu gosto musical. Ao mesmo tempo, há bastante pop”, diz.
SINGLE-CLIPE
Juntamente com o álbum, Denise Emmer lançou o single-clipe “Setembro antigo”, que é uma música nova e está disponível no YouTube. “Comigo as coisas acontecem de forma espontânea. Deixo a música acontecer, como deixo o poema. Não programo nada”, comenta.
“Essa música surgiu de um poema de Álvaro Alves de Faria. Ele me dedicou os versos e, quando os li, fui logo musicando. Aconteceu a mágica da inspiração, do momento musical único. À medida que fui lendo os versos, fui criando a melodia”, conta.
Trata-se de uma canção de alegria e esperança, segundo a artista. “Isso em meio a esse momento sombrio de tanto desalento e perdas. O setembro como uma metáfora de bonança e jardins, após um grande período de escuridão e descrença.”
A cantora conta que também decidiu lançar seus outros discos no streaming. São sete no total. Denise se define sobretudo como compositora. “Não sou uma cantora como aquela que canta todos os compositores, que sai por aí cantando todo mundo. Canto as minhas músicas e sou uma boa intérprete das minhas canções. Aliás, nem todo compositor é um grande intérprete. Por acaso tenho o dom do canto também e interpreto bem as minhas próprias músicas.”
Logo após o lançamento de “Alouette”, as gravadoras e os produtores sugeriam que Denise seguisse uma linha de música francesa. “Diziam que ‘em time que está ganhando não se mexe’. Aí falei: Não vou continuar cantando em francês, porque não é meu idioma e, além disso, tenho outras composições.”
Originalmente, “Alouette” foi composta em português e se chamava “Romeu e Julieta”. “Era baseada na história de Shakespeare. Naquela época, ficava cantando em casa o dia inteiro e a toda hora aparecia com uma música nova. Minha mãe até me apelidou de cigarra. Minha família é cheia de artistas, com cada um no seu quadrado, o Alfredo na bateria, o Guilherme no trompete e eu no violão e voz, cantando as minhas músicas.”
Ela lembra que sua casa era muito frequentada por diretores e produtores de novelas. “Eles me ouviam cantando e diziam: ‘Venha cantar aqui pra nós’. Quando cantei ‘Alouette’, elogiaram muito e disseram que ela tinha algo de música francesa. Na época, as gravadoras faziam dois LPs, sendo um nacional e outro internacional. Aí me disseram: ‘Faça uma versão em inglês ou espanhol’.”
Denise estava com 18 anos. “Disse a eles que poderia fazer em francês, já que sei falar a língua. Fiz a versão, gravamos com orquestra e cantei daquele jeito, interpretando legal, pois já tinha esse pique, essa tendência mesmo. E a música aconteceu, coisa que não imaginava. As pessoas até achavam que eu era francesa, porque falo francês desde menininha. Minha avó e meu pai também falavam a língua em casa.”
A canção virou o tema de amor do casal principal da novela e explodiu. “Fiquei famosa da noite para o dia”, comenta Denise. “Mas isso, em vez de me fazer bem, me fez sentir um pouco mal, porque não estava pronta e não era aquilo que queria. Sempre fui tímida, gostava mesmo era de compor, cantar e escrever poesias. Minha trajetória também de poeta é grande e importante. Publiquei meu primeiro livro antes mesmo de gravar ‘Alouette’.”
LITERATURA
Como escritora, Denise tem 22 livros publicados, sendo 18 de poesia, três romances e um de contos.“A escrita, a poesia não exige um show, como o disco. É muito mais simples. Nunca parei de escrever, porque bastava uma caneta, um caderno, um quarto fechado e aquela solidão secreta dos poetas. Escrevia, e a editora publicava. E o máximo que eu tinha que fazer era uma noite de autógrafos. O livro mesmo caminha sozinho, tem asas próprias. É como um filho no mundo que vai voar.”
Na esfera da literatura, ela destaca sua boa relação com a crítica. “Ela me acolheu muito bem, e eu também comecei a ganhar prêmios importantes com meus livros. A poesia sempre foi o meu porto seguro, a minha casa. Ao contrário do sucesso com a música ‘Alouette’, no meio literário a crítica especializada não me colocava tanto como filha de pais famosos. Isso era só um acréscimo. O que importava realmente ali era a minha obra.”
“CANTIGA DO VERSO AVESSO” E “SETEMBRO ANTIGO”
• Denise Emmer
• Álbum e single-clipe
• Disponíveis nas plataformas digitais