Maestro, compositor, arranjador, saxofonista, flautista, percussionista, produtor, professor, o
baiano Letieres Leite
, morto nesta quarta (27/10), aos 61 anos, atuou em todas as frentes da música.
Tanto que sua morte súbita, em decorrência da COVID-19, segundo o jornal “A Tarde” – ele sofria de asma crônica e seu quadro foi afetado com a doença – foi lamentada por um número igualmente grande e diverso de profissionais do meio.
Foi o músico que acompanhou
Ivete Sangalo
por 12 anos: “Meu amigo genial. Só aprendi coisas maravilhosas com você”. Foi o produtor e arranjador que trabalhou nos mais recentes álbuns, incluindo “Noturno”, lançado em julho. Foi também quem orquestrou a canção “Pardo”, de “Meu coco”, novo álbum de
Caetano Veloso
(que revelou que foi ainda Letieres quem ensinou seu filho Zeca a surfar). Foi ainda quem fez Ed Motta chorar – ontem, sob o impacto da notícia, o músico disse, durante live, que “nós precisamos honrar esse cara”.
A palavra “rumpilezz” já explica muito: ela junta o nome dos três principais atabaques do candomblé (ru, o tom grave; rumpi, o médio; e lé, o agudo) mais os dois zes do jazz.
''Acabo de receber a notícia inaceitável: Letieres Leite faleceu. Formado pela prática nos trios elétricos, autodidatismo, cursos específicos na UFBA e por estudos em Viena, esse portento da música, há anos à frente da Orkestra Rumpilezz, aquele deslumbramento de sopros e percussão, e do requintado Quinteto que leva seu nome, Letieres teve diálogo com as mais densas expressões da música brasileira, de Moa do Catendê a Toninho Horta, passando por Hermeto Paschoal, Daniela Mercury e Lulu Santos - além de ter sido, por anos, a base do trabalho de Ivete Sangalo. Arranjou o álbum recente de Bethânia e também o show que o antecedeu. Orquestrou a faixa 'Pardo' do 'Meu coco'. Conversar com ele era ganhar uma aula sobre claves rítmicas e gostos harmônicos. Estou arrasado com a notícia de sua morte''
Caetano Veloso
A orquestra acabou gerando um projeto social, também em Salvador. Rumpilezzinho é um
laboratório musical
que ensinar a música de matriz afro-baiana e jovens de 15 a 25 anos. O método foi criado pelo próprio Letieres que lançou, em 2017, um livro sobre ele. Para um músico que atuou em tantas e diversas frentes, Letieres teve um início de carreira incomum.
Tinha 13 anos quando expôs, na Biblioteca Central de Salvador, pinturas e gravuras. Também já tocava – foi integrante da orquestra afro-brasileira do Colégio Severino Vieira – mas ao entrar na faculdade, escolheu
artes plásticas
na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Ainda que tenha sido o “universo
percussivo
baiano” o norte de sua música, foi no Sul do país que viveu na juventude. Morou em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, onde fundou bandas e atuou ao lado de músicos como Nei Lisboa, Renato Borghetti e Antônio Villeroy. Foi para a Europa nos anos 1980.
Em Viena, Áustria, estudou no Conservatório Franz Schubert. Tocou com muitos grandes do jazz como
Paulo Moura, Hermeto Pascoal, Raul de Souza
. Depois de uma década fora do país, retornou à Bahia, onde passou a dividir sua agenda entre aulas de música, shows e gravações de vários artistas.
Com uma relação próxima com a música (e os músicos) de Belo Horizonte, Letieres presidiu, em julho, o júri do 20º Prêmio
BDMG Instrumenta
l. Entre os quatro vencedores está o contrabaixista belo-horizontino Pedro Gomes, que encantou o mestre baiano. Um dos prêmios do concurso é a produção de um show no CCBB. O de Gomes será em 10 de novembro. Letieres já havia confirmado o convite para participar da apresentação.