É a história de um confinamento. Mas não há nenhuma relação com a pandemia de COVID-19. No longa francês “Os tradutores”, que estreia nesta quinta-feira (28/10) em Belo Horizonte (Cine UNA Belas Artes, Sala 1, 16h10 e 20h10), uma alemã (Ana Maria Sturm), um britânico (Alex Lawther), um chinês (Frédéric Chau), uma dinamarquesa (Sidse Babett Knudsen), um espanhol (Eduardo Noriega), um grego (Manolis Mavromatakis), um italiano (Riccardo Scamarcio), uma portuguesa (Maria Leite) e uma russa (Olga Kurylenko) são convocados a traduzir para seus respectivos idiomas, simultaneamente, o volume final de uma trilogia best-seller cujo autor oculta sua identidade sob um pseudônimo.
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Mostra de São Paulo terá sessões de filmes on-line e gratuitasDiretor argentino consegue 1.963 sócios para rodar filmeCEC faz 70 anos e digitaliza acervo que revela a história do cinema em MGBaixo Centro de Belo Horizonte é o palco da Festa da LuzProduções dirigidas por indígenas são destaque do festival FilmambienteO diretor Régis Roinsard teve a ideia de desenvolver essa trama quando leu reportagens sobre o confinamento de 12 tradutores na Itália, em condições semelhantes, para realizar a tradução de “Inferno” (2013), de Dan Brown.
Em seu longa, enquanto o trabalho de tradução está em andamento, as 10 primeiras páginas do livro inédito são publicadas na internet, e Angstrom passa a ser chantageado pelo hacker, que ameaça publicar todo o conteúdo restante caso não veja suas condições atendidas.
Avesso a ceder e ávido por identificar quem é o hacker entre os tradutores, Angstrom lança mão de violência física e tortura psicológica, desequilibrando as relações do grupo, que basculam da camaradagem para a desconfiança mútua.
Até que o enigma seja resolvido, o espectador descobrirá que há mais mistérios por trás do vazamento de “Dedalus” do que suspeita a vã economia de um editor mercenário.
Na entrevista a seguir, o cineasta Régis Roinsard (“A datilógrafa”) explica as razões que o levaram a filmar “Os tradutores”, seu segundo longa-metragem.
O episódio do “encarceramento” dos tradutores do livro de Dan Brown, que o inspirou a escrever seu filme, lhe pareceu uma boa oportunidade para fazer uma crítica ao mercado de arte?
Quando li que havia 12 tradutores num porão da editora de “Inferno”, em Milão, trabalhando em tempo recorde e sendo vigiados por guardas armados, para garantir que o romance saísse ao mesmo tempo no mundo todo e fizesse o máximo de dinheiro possível, evitando a pirataria, achei aquilo muito louco. Essa condição de trabalho é uma forma de escravidão e choca sobretudo porque se tratava de um livro. Ainda que a literatura de Dan Brown não tenha um valor enorme, em todo caso, ainda é um livro. Achei que havia ali uma base excelente para fazer um huis clos (uma trama que se desenrola a portas fechadas). Quanto à crítica à mercantilização da arte, efetivamente há ali uma sátira, nas entrelinhas dos discursos.
Num país que valoriza tanto o cinema de autor, como a França, o senhor abraçou o cinema de gênero, filmando um romance (“A datilógrafa”) e um suspense (“Os tradutores”). Como encara a questão cinema de autor x cinema de gênero?
Adoro cinema de gênero. Para mim, é o cinema democrático. Cresci vendo cinema de gênero. Um faroeste de Sergio Leone foi dos primeiros filmes que vi. Havia ali uma relação com o espectador emocionalmente muito forte e, ao mesmo tempo, um conteúdo artístico. Quando criança, meu pai me levou para ver os filmes de Hitchcock colorizados. Isso me deixou completamente maluco. Hoje, o cinema que mais aprecio é o sul-coreano.
Dizer isso tornou-se quase um clichê, mas é o cinema que consegue ser, ao mesmo tempo, de gênero e completamente sensível, tratando de questões profundas. Meu primeiro filme, “A datilógrafa”, é uma comédia romântica e esportiva, como certos filmes coreanos. “Os tradutores” é, mas não é um whodunit. Vejo-o como um thriller romântico e sentimental. Meu terceiro filme (“En attendant Bojangles”, previsto para janeiro de 2022) é uma comédia melodramática. Faço cinema de gênero e espero que o espectador encontre nos meus filmes a mesma sensação que tive quando descobri os filmes com os quais fui criado.
Dizer isso tornou-se quase um clichê, mas é o cinema que consegue ser, ao mesmo tempo, de gênero e completamente sensível, tratando de questões profundas. Meu primeiro filme, “A datilógrafa”, é uma comédia romântica e esportiva, como certos filmes coreanos. “Os tradutores” é, mas não é um whodunit. Vejo-o como um thriller romântico e sentimental. Meu terceiro filme (“En attendant Bojangles”, previsto para janeiro de 2022) é uma comédia melodramática. Faço cinema de gênero e espero que o espectador encontre nos meus filmes a mesma sensação que tive quando descobri os filmes com os quais fui criado.
Além de ser bons atores, os intérpretes dos tradutores teriam de ser fluentes em francês. Como foi o processo de escalação do elenco?
Foi a coisa mais difícil do filme. Além de serem muito bons atores e falar francês muito bem, alguns tinham que corresponder fisicamente ao papel. O processo de casting durou um ano. Às vezes conseguíamos um ‘sim’ na mesma semana; às vezes levávamos três, quatro meses para encontrar o ator, como foi o caso do grego. Achei que seria mais fácil, porque há muitos francófilos na Grécia. O mesmo se deu com Portugal. Foi duro, muito mais difícil do que pensei.
E com os ingleses era ainda pior, porque nenhum ator inglês fala francês. Até que, um dia, minha diretora de elenco me mandou um vídeo de Alex Lawther (“O jogo da imitação”). Ele ainda não tinha feito “The end of the fucking world”, essa série da Netflix que o tornou muito famoso. Quando o vi, achei grandioso. Era necessário também que o grupo se desse bem, porque eu ia formar uma trupe de teatro. Isso é o que me dava certo receio, mas funcionou perfeitamente. Eles se tornaram amigos nas filmagens e ainda hoje são amigos íntimos.
E com os ingleses era ainda pior, porque nenhum ator inglês fala francês. Até que, um dia, minha diretora de elenco me mandou um vídeo de Alex Lawther (“O jogo da imitação”). Ele ainda não tinha feito “The end of the fucking world”, essa série da Netflix que o tornou muito famoso. Quando o vi, achei grandioso. Era necessário também que o grupo se desse bem, porque eu ia formar uma trupe de teatro. Isso é o que me dava certo receio, mas funcionou perfeitamente. Eles se tornaram amigos nas filmagens e ainda hoje são amigos íntimos.
Retrospectivamente, o senhor considera irônico que o filme tenha sido lançado nos cinemas na França em janeiro de 2020, dois meses antes do confinamento pela pandemia do novo coronavírus?
A pandemia fez mal ao meu filme. Ele estreou em 29 de janeiro, e a exploração nas salas não havia terminado quando tivemos que nos confinar, no começo de março. No entanto, assim que ele saiu em vídeo sob demanda, foi um estrondo. Agora, quando as salas reabrem pouco a pouco no mundo, ele está indo muito bem em todo lugar.
Como o senhor enfrentou a pandemia?
Eu comecei a rodar em 14 de janeiro (de 2020) a adaptação do romance francês “En attendant Bojangles”, que conta uma história de amor bem louca. Acabamos de rodar dois dias antes do confinamento. Fiz a montagem a distância. Incrivelmente, achei mais fácil. O tempo de concentração era diferente. Quase diria que trabalhei melhor desse jeito. Tive sorte, porque a pandemia não me impediu de trabalhar e criar. Foi o contrário para a maior parte dos meus amigos.
O senhor acredita no futuro das salas de cinema num cenário pós-pandêmico?
Acredito imensamente no cinema. Mesmo que você tenha em casa a maior tela e o melhor som possíveis, eles não serão equivalentes à qualidade de difusão do cinema. Além disso, somos seres sociais, temos necessidade de nos comunicar. Ver um filme juntos numa sala não é a mesma coisa que enviar comentários pelo telefone. O cinema é um lugar onde olhamos todos na mesma direção durante duas horas, e eu considero isso muito importante.
Na França, estamos começando a ter o mesmo patamar de espectadores que tínhamos antes da pandemia. O dado curioso é que o público jovem, que antes estava na Netflix, agora está de volta ao cinema. O cinema não vai desaparecer, e isso não é uma questão de nostalgia. Pode até acontecer como foi com o disco, que desapareceu por um tempo e agora está voltando, porque todo mundo se deu conta de que o som do vinil é o melhor.
Na França, estamos começando a ter o mesmo patamar de espectadores que tínhamos antes da pandemia. O dado curioso é que o público jovem, que antes estava na Netflix, agora está de volta ao cinema. O cinema não vai desaparecer, e isso não é uma questão de nostalgia. Pode até acontecer como foi com o disco, que desapareceu por um tempo e agora está voltando, porque todo mundo se deu conta de que o som do vinil é o melhor.
O senhor tem algum arrependimento em relação a “Os tradutores”?
É da minha natureza tentar não ter arrependimentos. Quando faço um filme, sou obsessivo, um verdadeiro control freak. Controlo tudo o que posso – cenário, figurinos, som. Trabalho o máximo possível e raramente tenho arrependimentos, a não ser em microdetalhes, e aí eu faço de conta que não tenho.
O que o senhor conhece do cinema brasileiro?
Infelizmente, não conhecemos o suficiente o cinema da América do Sul e da África. Conheço algo do cinema brasileiro recente, mas nada do patrimônio cinematográfico do país. “Cidade de Deus” (Fernando Meirelles, 2002) é um filme cult na França, eu diria que é o mais conhecido do Brasil. Conheço também os filmes de Kleber Mendonça Filho “Aquarius” e “Bacurau”.
“OS TRADUTORES”
(“Les traducteurs”, França, 2019, 118min) Direção: Régis Roinsard, com Lambert Wilson, Alex Lawther, Ana Maria Sturm, Frédéric Chau, Eduardo Noriega, Maria Leite. Em cartaz a partir desta quinta-feira (28/10), no Cine UNA Belas Artes (Sala 1, 16h10 e 20h10)