A pandemia do novo coronavírus obrigou muita gente a se reinventar e desenvolver novos trabalhos, principalmente no campo das artes cênicas. No caso do ator Diogo Vilela, esse movimento foi, na verdade, um reencontro com um de seus projetos de maior sucesso no teatro, o musical biográfico "Cauby, Cauby", no qual ele interpreta o célebre cantor Cauby Peixoto (1931-2016).
Em novembro de 2020, Vilela foi convidado para transformar a peça – encenada originalmente em 2006 e 2018 – em uma live. Como ele não podia contracenar com outros atores por uma questão de segurança sanitária, o texto virou o monólogo "Cauby, uma paixão", que, instantaneamente, conquistou os fãs saudosos do cantor.
Agora, quase um ano após a transmissão on-line, a montagem estreia presencialmente nesta sexta-feira (29/10), no palco do Cine Theatro Brasil Vallourec, em Belo Horizonte, onde também será encenada no sábado (30/10), em formato híbrido.
"Estávamos naquele terror que a gente viveu e aí recebi o convite para fazer o ‘Cauby’. Na época, a gente estava tentando retomar os trabalhos. Depois de pensar um pouco, eu disse: 'Tudo bem, eu vou fazer'. A partir daí, foi o trabalho de reunir as músicas do Cauby e conversar com o Flávio Marinho, que assina o roteiro", conta o ator.
No palco, acompanhado por uma banda composta por três músicos, ele recompõe parte da trajetória de Cauby Peixoto e canta clássicos eternizados pela voz do cantor, como "Conceição", "A pérola e o rubi", "Molambo", "Samba do avião" e "Eu e a brisa". Ao todo, são 17 canções que integram o repertório do espetáculo, permeadas por depoimentos de Cauby, interpretado por Diogo Vilela.
TEXTOS
"Estamos há dois meses ensaiando para esse retorno presencial. Quando recebemos o convite para encenar a peça ao vivo, diante do público, fizemos alguns ajustes em relação ao que foi apresentado na internet. A gente fez um levante no show, acrescentamos duas músicas e também incluímos bateria na banda", ele conta.Entrelaçados aos números musicais, os textos reproduzidos no palco foram proferidos pelo próprio Cauby em diferentes épocas. A maioria deles versa sobre características e curiosidades sobre o artista, como lembranças de passagens da infância, em Niterói, onde ele nasceu, e momentos decisivos do estrelato.
"As pessoas gostam do Cauby porque, além de cantor, ele tem uma energia maravilhosa", afirma Diogo Vilela. E ele fala com a propriedade de quem conheceu o cantor pessoalmente. Nas primeiras sessões da peça, em 2006, Cauby Peixoto fez questão de prestigiar a montagem e aprovou a interpretação do ator.
"Quando nos conhecemos, ele elogiou o jeito como eu canto as músicas que ficaram conhecidas na voz dele. Ele chegou a me dizer que o que eu fazia não era uma imitação. Ele me ajudou muito, era uma pessoa muito gentil e um ser humano ímpar, desses que não existem mais. Além de tudo isso, tinha um talento gigantesco e aquela voz deslumbrante."
A preparação para dar vida a uma personagem tão icônico da cultura nacional envolve uma série de cuidados do ator para preservar a voz. "Faço aula de canto há 26 anos com um professor especializado em canto lírico. Também faço exercícios diários, mantenho uma dieta bastante restrita e uma rotina de sono regrada. Tem que manter uma coisa estoica, bem severa, para a voz ficar boa", conta o ator.
"Aos poucos, eu venho aperfeiçoando a minha voz. Conforme eu fui fazendo o ‘Cauby’, minha voz foi ampliando, com um trabalho técnico muito árduo. São horas e horas trabalhando. Para a estreia em BH, estou fazendo aula direto desde agosto", ele acrescenta.
Embora seja uma estreia com a presença de público, "Cauby, uma paixão" será encenada para uma plateia reduzida, e o uso de máscara será obrigatório no teatro. Outros protocolos de segurança, como a medição de temperatura na entrada, disponibilização de totens com álcool em gel 70% e circulação orientada pela equipe da casa serão adotados.
PRESENÇA
No sábado, haverá também transmissão on-line, o que agrada a Diogo Vilela pelo fato de possibilitar que um público maior assista à peça, já que o teatro ainda não está autorizado a funcionar com capacidade máxima. Apesar disso, ele não nega que encenar diante de um público presente é completamente diferente."Teatro é presença. Nós utilizamos recursos tecnológicos durante o último ano para a arte continuar. Pode ser que num futuro bem próximo isso seja somente um acréscimo para o público que não pode ou não quer ir ao teatro presencial. Quando nós nos lembrarmos de tudo o que vivemos, vamos ter em mente que fazer as coisas on-line também é muito legal. Acredito que, no futuro, isso vai ser um recurso muito usado, que é muito bem-vindo, mas a presença é mais importante", avalia.
Para o ator, 2020 foi um ano de muitos desafios, principalmente no campo profissional. "Houve o momento de desespero, porque nós perdemos tudo. Quando a pandemia começou, eu estava em cartaz em São Paulo com a peça 'A verdade'. Como todo mundo, tive que parar. Foi muito difícil. Mas como houve muitas perdas de vida, nós não podemos nem reclamar, porque estamos vivos. No início, precisávamos preservar a vida antes de ter a arte. Agora que estamos voltando ao normal, volta também a arte na nossa vida. No último ano, a gente percebeu o quanto a arte é importante para a nossa vida."
Os problemas, segundo ele, não estão restritos ao impacto da pandemia no campo de trabalho. Ao falar sobre o Brasil, ele afirma que o cenário atual do país é "desalentador".
"Fomos jogados ao relento e hoje é difícil viver no nosso próprio país. Vivemos um retrocesso muito grande e a conta disso vai ser paga por todos nós. Os culpados vão ter que fazer mea-culpa e se retratar para que, assim, possamos continuar", analisa.
A única esperança para superar essa crise, em sua opinião, está numa tomada de consciência dos próprios brasileiros, algo que ele já vê acontecer. "Eu sinto que todo mundo quer se ver livre de todo esse retrocesso. As pessoas querem o Brasil de volta. Temos que ser mais progressistas, sair desse século 19 do qual a gente não sai nunca. O Brasil precisa de menos coronel e mais democracia verdadeira."
Com a estreia de "Cauby, uma paixão" em BH, Diogo Vilela retoma a agenda de trabalhos. Por ora, a peça não sairá em turnê. Mas o motivo disso é bom: o ator se prepara para gravar uma série original brasileira da Amazon Prime. Apesar de não poder dar detalhes sobre a produção, ele adianta que as gravações devem ocorrer até março de 2022. A partir daí, a ideia é cair na estrada como Cauby.
"Também tenho planos de estrear uma outra peça, um texto do Nelson Rodrigues, que pretendo levar para Belo Horizonte."
“CAUBY, UMA PAIXÃO”
Nesta sexta (29/10) e sábado (30/10), às 21h, no Cine Theatro Brasil Vallourec (Rua dos Carijós, 258, Centro). Ingressos pelo site eventim.com.br e na bilheteria do teatro, a R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia). A sessão de sábado terá transmissão on-line, com ingressos a R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia), à venda no site eventim.com.br e na bilheteria do teatro