Em “Espíritos obscuros”, o verdadeiro monstro é o trauma. Dirigido por Scott Cooper e produzido por Guillermo Del Toro, o filme usa antiga lenda indígena para criar uma grande alegoria sobre a mente da pessoa que sofre abusos cometidos por familiares dentro de casa. O enredo é baseado no conto “The quiet boy”, de Nick Antosca.
A professora Julia Meadows (Keri Russell) tem de lidar com circunstâncias obscuras ao se aprofundar no ambiente familiar de seu aluno Lucas Weaver, de 12 anos, interpretado por Jeremy T. Thomas.
A principal ameaça vem da figura folclórica norte-americana conhecida como Wendigo. O ser maligno é conhecido por se alimentar de seres humanos, proteger a floresta, seu hábitat, e por ser eterno, sempre buscando novos hospedeiros para continuar o próprio legado.
O suspense é construído em torno do monstro. Fato que o torna o principal foco de sustos, mas não em vilão ou a ameaça crescente para os personagens.
O verdadeiro vilão é outro. Todos os personagens têm como forte traço de personalidade o histórico de abusos na infância. Julia e Paul têm no pai a figura traumática. O pai também é o problema de Lucas, pois tem ligação direta com Wendigo e coloca em risco o irmão caçula da criança, Aiden (Sawyer Jones).
As relações familiares são o destaque deste filme. Julia, Paul, Lucas e Aiden protagonizam cenas de muita verdade. Enfrentam traumas que fazem o espectador mergulhar num passado que mereceria mais destaque no longa.
As relações do irmãos são críveis, profundas. Contudo, por ser um longa de terror, em alguns momentos abre-se mão de explorar boas camadas dos personagens para priorizar a ação e os sustos. Diverte, mas não mais do que isso.
As atuações chamam a atenção, principalmente de Jeremy T. Thomas e do núcleo infantil. O jovem ator imprime emoção aos poucos momentos em que fala. Transmite apenas com o olhar o sentimento difícil de uma criança que sofre abuso e vive em um lar problemático.
Os outros garotos, como Aiden (Sawyer Jones), também entregam mais do que o esperado, embora com menos destaque na trama.
“Espíritos obscuros” é um filme de terror interessante, sobretudo para quem gosta de cenas gráficas e personagens mitológicos.
Com potencial para o segundo longa, a produção chama a atenção por abordar, por meio da alegoria, um problema delicado e recorrente. O monstro pode estar mais perto do que se imagina, até mesmo dentro de casa.