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Estado de Minas ESTREIA

Série 'Balanço black' mostra a importância da soul music brasileira

Seis episódios relembram bailes da periferia e artistas pioneiros do movimento cultural dos anos 1970 que deu autoestima aos negros


01/11/2021 04:00 - atualizado 01/11/2021 07:40

O cantor e compositor Hyldon em frente a estante repleta de discos com um cartaz da Equipe Black Power
O cantor e compositor Hyldon diz que black music setentista foi o 'ensaio para o empoderamento negro' no Brasil (foto: Canal Curta/divulgação)
Terno, calça boca de sino, sapatos bicolores e cabelo black power, “uma pseudocoroa de rei”, relembra o cantor, compositor e guitarrista Hyldon, de 70 anos. “As coisas melhoraram muito para o preto brasileiro. Na época, ele não tinha identidade e força. Os bailes dos anos 1960 e 1970 foram um ensaio do empoderamento negro”, continua.

O soul foi a porta de entrada da black music brasileira, que gerou desdobramentos ao longo das décadas por meio do rhythm & blues, funk, charme, funk carioca, hip-hop. Grande parte dessa história é recuperada por vários de seus protagonistas na série “Balanço black”, que estreia nesta segunda-feira (1º/11), às 20h, no Canal Curta!.

De boné, DJ Corello, pioneiro da música charme, faz um gesto com as duas mãos em cena da série 'Balanço black'
DJ Corello, pioneiro do movimento charme, é um dos entrevistados em 'Balanço Black' (foto: Canal Curta/divulgação)
 

Dirigida por Flávio Frederico e conduzida por Eduardo BiD, compositor, produtor, músico e criador da big band Funk Como Le Gusta, a série reúne, em seis episódios, depoimentos de personagens históricos e imagens de época. O projeto consumiu sete anos e terá, em 2022, a versão em longa-metragem.

Cada episódio aborda um tema e termina com jam session que reúne músicos veteranos e da nova geração. O de estreia, “Laço negro”, é encerrado com Hyldon e Céu interpretando, em versão matadora, “Na sombra de uma árvore”, canção do primeiro álbum dele, “Na rua, na chuva, na fazenda” (1975), clássico do soul nacional.

“Fico muito feliz de ajudar a contar essa história. Tenho muito orgulho de ter feito parte do movimento, ter sido parceiro de Tim Maia, gravado com Simonal, tocado guitarra com Tony Tornado. Eram épocas difíceis, de ditadura”, afirma Hyldon.

O episódio inicial retrocede no tempo, acompanhando a chegada da soul music ao Brasil. “O movimento não nasce como o samba, a bossa, pois não tem uma raiz nossa. É muito americano, mas a gente acha um jeito de abrasileirar, colocar um tamborim aqui, um pandeiro ali. Mas a influência é norte-americana e os bailes, com grande concentração de negros, têm grande importância para a sua valorização, para eles se colocarem na sociedade. Dentro dos bailes, os negros se sentiam realmente íntegros”, comenta BiD.

Vários nomes desse cenário dão depoimentos, como os DJs Corello e Sir Dema. O circuito de bailes era muito forte no Rio de Janeiro e em São Paulo, ainda que tenha havido versões em outras grandes cidades, Belo Horizonte entre delas. Mas a série se concentra em personagens dos dois maiores centros, até mesmo por questão de custo.

Nos bailes cariocas da equipe Soul Grand Prix, por exemplo, eram projetadas imagens de ícones da música e também dos próprios frequentadores. “Era algo muito especial para a autoestima, e o soul se torna mais do que movimento musical, mas social e político”, continua BiD.

ÍDOLOS

A trajetória dos bailes é entremeada com os ídolos da época. No primeiro episódio, os destaques vão para Wilson Simonal e Tim Maia. Em depoimento recuperado pela série, Tim comenta que o pior momento de sua vida foi a deportação dos Estados Unidos. Em 1964, após passar seis meses na prisão por porte de maconha, ele é devolvido para o Brasil.

O pontapé para sua carreira no país foi dado por ninguém menos que o mineiro Eduardo Araújo, o cantor bolsonarista que foi alvo, em agosto passado, de mandado de busca e apreensão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob acusação de incitar atos contra a democracia. Vale lembrar que as filmagens da série ocorreram de 2015 a 2019, com montagem e finalização durante a pandemia.

Os créditos têm de ser dados a Araújo, conforme o depoimento do próprio e de outros envolvidos com Tim Maia. Em 1968, então nome popular da Jovem Guarda, o mineiro convidou Tim para produzir “A onda é o boogaloo”, seu álbum de iê-iê-iê com sonoridade soul.

Mais importante do que isso, Araújo insistiu com o produtor Manoel Barenbein, então todo-poderoso da gravadora Philips, para que conhecesse o cantor de vozeirão grave que havia trazido a soul music para o Brasil.

Em 1970, Tim Maia lançou seu primeiro álbum, homônimo, com as canções “Primavera”, “Eu amo você” e “Azul da cor do mar”. O sucesso, instantâneo, apresentou uma nova geração de músicos e compositores, como Cassiano, autor de vários sucessos de Tim.

São várias as histórias que surgem nos depoimentos. Como a série levou muitos anos para ser lançada, há participações de músicos que morreram no meio do processo, como Wilson das Neves, Gerson King Combo, Cassiano e Serginho Trombone, além de André Midani, outro “midas” da indústria fonográfica.

“Era um pessoal que a gente queria que assistisse (à série). É duro, mas documentário demora a ser feito e muitos dos personagens estão velhinhos. Mas nada é mais bonito do que as histórias contadas por eles”, continua BiD.

FORTUNA

Outro dificultador, que envolve tempo e dinheiro, foi a liberação de direitos de imagem e das músicas. “Há casos em que te cobram uma fortuna. O empresário do Jorge Ben não liberou nada. As pessoas falam dele, pois a história é muito dele também, mas tivemos de tirar as músicas”, lamenta BiD.

Outra ausência sentida é a da banda Black Rio. Os integrantes da formação original, que gravou o influente álbum “Maria Fumaça” (1977), não quiserem dar depoimentos por questões internas. BiD, no entanto, conseguiu que Jorjão Barreto, tecladista do segundo álbum do grupo, “Gafieira universal” (1978), participasse de uma das jams.

Além de Hyldon e Céu, “Balanço Black” reúne diferentes gerações e escolas de música. “Acredito que este encontro de gerações alimenta os dois lados”, afirma BiD. Serão promovidos encontros de Carlos Dafé e Francine Môh, backing vocal de Mano Brown; Cláudio Zoli e Seu Jorge; Gérson King Combo e Gabriel Moura.

Há também uma banda criada para a série, Balanço Black Band. Na falta da Black Rio, o programa regravou a instrumental “Casa forte” (Edu Lobo) que o grupo lançou em “Maria Fumaça”, com a participação de bambas do período, como o baterista Paulinho Braga (apontado como um dos criadores do groove brasileiro) e o baixista Paulo César Barros (que acompanhou Roberto Carlos em sua fase soul, gravando “Todos estão surdos”), além de Jorjão Barreto e Serginho Trombone. Da nova escola estão lá o trombonista Marlon Sette e o guitarrista Felipe Pinaud.

O último episódio termina com “Saudades da Black Rio” (2004), música de BiD agora regravada com os metais do Funk Como Le Gusta e a participação do rapper Thaíde. As seis canções, somadas aos quatro temas instrumentais que BiD compôs para a série, serão lançadas em disco. O álbum será disponibilizado em 19 de novembro, véspera do Dia da Consciência Negra, na Amazon Music.

“BALANÇO BLACK”

Série documental em seis episódios. Estreia nesta segunda-feira (1º/11), às 20h, no Canal Curta!. Os demais capítulos serão exibidos sempre às segundas, no mesmo horário


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