Não é exagero dizer que a banda Fresno é uma sobrevivente das duas primeiras décadas dos anos 2000. O grupo formado em Porto Alegre despontou como um dos principais representantes do emo e conseguiu continuar na ativa quando a popularidade desse estilo de rock começou a cair, isso sem contar com as entradas e saídas de integrantes – a mais recente foi a do tecladista Mario Camelo, que deixou a banda em agosto passado – e os contratos e distratos com gravadoras.
Com 20 anos de carreira, a Fresno chega em 2021 como um dos nomes mais relevantes do rock nacional e se mostra disposta a abdicar de qualquer zona de conforto em nome da música. Prova disso é o disco "Vou ter que me virar", lançado nas plataformas digitais na sexta-feira (5/11).
Nele, a banda – formada pelo trio Lucas Silveira, Gustavo Mantovani e Thiago Guerra (a saída de Mario Camelo foi anunciada em agosto passado) – aposta em nova tônica musical ao trazer uma roupagem moderna para suas tradicionais guitarras e estabelece conexão com ninguém menos que Lulu Santos, parceiro do grupo na faixa "Já faz tanto tempo".
"Desde quando o Lulu topou estar nela, já sabíamos que ia ser um negócio especial. É uma música muito forte, então a gente não poderia lançá-la de qualquer jeito. Ela tem uma estrutura bem pop. Sempre temos músicas que vão para esse lado, mas desta vez percebemos que tinha muito a ver com o trabalho. Para mim, ele é o rei da composição da música pop do Brasil, curto muito o que ele faz e é um ídolo para nós", afirmou Lucas Silveira, o vocalista, durante bate-papo da banda com a imprensa realizado em 28 de setembro.
Segundo ele, "Já faz tanto tempo" flerta com a estética dos anos 1980, da qual os três são bastante fãs. "Gostamos muito de coisas dessa época, dos sintetizadores, do rock dançante. Trouxemos isso e o Lulu empacotou tudo muito bem."
Se associar a nomes antes improváveis tem sido uma das principais características dos últimos trabalhos da Fresno. Tanto é que eles colecionaram parceiros como as bandas Tuyo e Terno Rei, e as cantoras Jade Beraldo e Jup do Bairro. No novo disco, a banda também divide uma música com o cantor, instrumentista e produtor Scarypoolparty e a guitarrista Yvette Young, ambos norte-americanos. Os dois são os parceiros da Fresno na faixa "Tell me lover".
REFÚGIO
Thiago Guerra, o baterista, acredita que a internet facilitou a troca com artistas de outros gêneros e até países, principalmente durante o último ano. Segundo ele, essas parcerias "não estavam preparadas", ou seja, surgiram de forma natural. "O Lucas foi se comunicando com os outros artistas mandando mensagem pelo Instagram", ele conta.
Ao longo do último ano, a internet serviu de refúgio para a banda, impedida de realizar shows presenciais com público por conta da pandemia. Eles abriram um canal no Twitch para fazer lives e investiram no lançamento de 20 singles antes de soltar o álbum completo – reunidos na playlist "Inventário". Boa parte destas músicas não entrou no corte final do álbum, que teve uma série de versões até a que chegou ao público.
Na verdade, só três delas fazem parte do disco: "Eles odeiam gente como nós", "Agora deixa" e "6h34 (Nem liga guria)". As oito músicas inéditas do disco – entre elas, "Já faz tanto tempo" e "Tell me lover" – mostram a Fresno encarando de frente angústias do mundo contemporâneo enquanto passeia por diferentes sonoridades.
Quem ouvir o disco na ordem em que as músicas estão apresentadas pode se enganar pela primeira música. A faixa-título, responsável por abrir o álbum, traz uma série de elementos da música eletrônica.
Já na faixa seguinte, "Fudeu!!!", a banda volta a recorrer ao rock mais tradicional. "Casa assombrada" e "Caminho não tem fim" resgatam o pop rock que eles faziam no início da carreira, enquanto "Essa coisa (Acorda – trabalha – repete – mantém)" soa como um emocore renovado. A derradeira "Grave acidente" aponta para o mesmo caminho da primeira música, carregada de elementos eletrônicos.
A diversidade das músicas em um disco tão enxuto se justifica pela forma como a Fresno trabalha hoje. Lucas Silveira conta que está sempre compondo e a banda tem uma série de composições engavetadas. Aliás, algumas das músicas presentes em "Vou ter que me virar" são da mesma época do lançamento do álbum "Sua alegria foi cancelada" e iam ser lançadas em uma versão estendida do disco.
SEM FILTRO
"Elas surgiram, mas traziam temas tão fortes que justificavam um álbum inteiro. Ficamos trabalhando nelas em 2020, cada um em sua casa. No final do ano, o disco já existia e a gente decidiu que só iria lançar quando chegasse uma hora mais apropriada. Mas essa hora nunca chegou, então fomos fazendo mais e mais músicas", conta Lucas.
Ele defende que o melhor jeito de compor é "sem filtro", o que gera mais identificação com os fãs. "Quanto mais transparente a gente é, quanto mais as letras refletem o que estamos vivendo, mais as pessoas se veem nas músicas e nossa música fica diferente das outras bandas."
Essa lógica se aplica, por exemplo, na faixa que dá nome ao disco. Apesar de parecer ecoar as preocupações suscitadas pela pandemia e suas consequências, "Vou ter que me virar'' foi escrita antes da crise sanitária. O vocalista afirma que é uma ironia o quanto ela se encaixa no momento atual de incerteza que muita gente está vivendo.
"Ela fala exatamente o que está acontecendo agora e imagino que na cabeça dos nossos fãs isso também se reflita. Todos estão tendo que se virar de alguma maneira. Infelizmente, muitas pessoas não conseguiram. (A pandemia) é algo que prejudicou a todos nós. Mas vamos sair dessa", afirma Lucas.
LOLLAPALOOZA
Um exercício que tem ajudado os três a encarar a realidade com mais calma é focar no futuro. A Fresno está escalada para o Lollapalooza, programado para março de 2022. Eles estavam confirmados na edição 2020, adiada por conta da pandemia. O show no festival, que acontece no mesmo dia que o dos Foo Fighters, será a estreia ao vivo do novo disco.
Questionados sobre a expectativa de estrear no Lolla, o guitarrista Gustavo Mantovani afirma que, quando a apresentação acontecer, a banda terá completado mais de dois anos longe dos palcos. "Por conta disso, já estaríamos ansiosos. Como se trata do Lollapalooza, multiplica isso por sete", ele diz.
Thiago Guerra concorda e avalia que este é um show que está "travado na garganta". "Era para ter acontecido já e não aconteceu. Vai ser feito com mais gosto ainda. Queremos subir no palco e celebrar a vida."
VOU TER QUE ME VIRAR
Fresno
11 faixas
BMG
Disponível nas plataformas digitais