Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Letícia Coelho lança seu segundo álbum, 'No passo da rabeca'


Com 14 faixas autorais, chega às plataformas digitais, a partir de quinta-feira (11/11), o álbum “No passo da rabeca”, segundo disco da cantora, compositora, percussionista, pesquisadora e professora mineira Letícia Coelho, lançado pela YB Music. A artista conta que o novo trabalho surge a partir do seu mergulho no devir da rabeca.





“Isso, porque a rabeca não é só um cordofone de arco, é um conceito de se fazer música e está diretamente ligado à liberdade que o instrumento propõe a quem o toca. Esse é um dos raros trabalhos de composição autoral dedicados ao instrumento nos últimos anos. O disco traz composições que evidenciam as múltiplas possibilidades da rabeca na música contemporânea, reverenciando suas raízes ancestrais da cultura afro ameríndia”, afirma Letícia.

A cantora conta que o álbum surge a partir de uma pesquisa que fez para o seu TCC, em 2018. “Foi quando resolvi fazer um trabalho que fosse de criação, de composições para rabeca, porque é um instrumento que é  brasileiro, mas que muita gente não o conhece tanto. Ele não é tão popular, quanto o violão. Pesquiso música tradicional, de festejo, popular, congada, maracatu e esse gêneros mais populares de rua há mais de 20 anos e, por isso, resolvi fazer algumas composições para rabeca, dentro destes universos.”

Quando abriu o edital da Lei Aldir Blanc, Letícia decidiu enviar uma proposta de gravação de quatro composições autorais que fez durante o seu TCC de música. “Foi o primeiro em formato de um disco autoral, em um curso de música. Então, resolvi propor um mergulho de minha história com a rabeca. Esse foi o projeto. Acabei compondo durante a pandemia as outras músicas que faltavam para o álbum.”





Letícia afirma que compôs olhando a história de como caminhou com esse instrumento pelos espaços que esteve, pelo encontro com as pessoas, com os músicos, mestres, projetos que participou de música e performance. “Fui criando música para esses lugares onde estive com a rabeca. É muito isso, esse trânsito por esses espaços.”

DE PERNAMBUCO A AMAZÔNIA 
Ela lembra que começou a tocar rabeca em 2013, quando esteve na Zona da Mata Norte pernambucana. “Meu primeiro professor foi o Mestre Luiz Paixão. Depois disso, estive em vários outros lugares, com projetos de forró, cavalo-marinho, enfim, de músicas mais tradicionais de rabeca. Fui também para a Amazônia, onde viajávamos de barco e ouvíamos histórias. Eu compunha na rabeca e Fabiana Vinagre, colega de projeto, fazia um retrato com as histórias. Então, essa experiência na Amazônia também veio para o disco.”

A artista conta que foi trazendo para si todos esses lugares por onde esteve com o instrumento. “Pude experimentar muito, porque a rabeca é um instrumento livre. Não é finalizado igual a um violino que tem um tamanho certo, uma afinação definida e uma forma de tocar específica, com mais de 300 anos de tradição. A rabeca é bem mais velha que o violino e ainda mais livre. É um instrumento que vem de África, dos primeiros cordofones. Ela vem do rebab, que é muito antigo de África e ainda é tocado até hoje.”





Letícia explica que a rabeca não tem uma regra, pode até ter duas ou três cordas. “Hoje, já tem gente fazendo com cinco cordas. A madeira dela não é definida, dependendo do construtor, vai ser de um jeito. Por exemplo, o Nelson da Rabeca, de Alagoas, faz uma que encaixa a parte da frente na de trás. É um jeito completamente diferente de construir um instrumento. Então, a rabeca tem toda essa liberdade, de poder colocar a afinação do jeito que quiser nas cordas e de tocá-la do jeito que a gente entender. E resolvi trazer isso também para o meu álbum.”

Ela ressalta que “No passo da rabeca” é um disco que tem camadas do instrumento. “Por exemplo, tem a rabeca do senhor Nelson, tem a da Zona da Mata Norte e tem afinações diferentes que foram pensadas para as composições. Então, é um processo completamente inventivo e investigativo mesmo, porque afino o instrumento de acordo com a música que vou tocar. Não é igual a um violão que está ali com tudo pronto ou mesmo um violino todo definido.”

A artista garante que é um disco que abre para uma sonoridade nova. “Tem música que a gente escuta e acha que é um clarone. Parece que é um instrumento de sopro grave, mas é a rabeca do senhor Nelson que afinei supergrave. Cada música tem uma afinação diferente. A rabeca é um instrumento muito livre e o disco também entrou nessa onda, de ter uma sonoridade diferente. Ele é totalmente feito com camadas de rabecas, mas elas também cumprem a função de outros instrumentos.”





Letícia explica que as tais camadas de sons e timbres são todos feitos na rabeca. “Tem somente duas músicas com instrumentos de sopros. A maioria das músicas é feita com camadas de rabeca e camadas de vozes também. Acabei usando a voz como instrumento. Gravar um disco de rabeca era algo que devia ao mundo. Tive a sorte e o privilégio de aprender esse instrumento e ter em meu caminho encontros incríveis que ampliaram o meu conceito acerca da música brasileira.”

FESTEJOS POPULARES 


Para a artista, o disco dá à rabeca o mérito que ela merece em toda a sua trajetória artística, evocando a herança dos festejos populares, do baião, das congadas, cocos, cheganças e giras de candomblé. “A rabeca me levou e eu a levei para esses mundos que estão aí, acontecendo, mas não são visibilizados. Junto a ela, no disco, estão os tambores, os cantos e as vocalidades, trajetórias e teorias da música brasileira afro ameríndia.”

Letícia ressalta que o disco soa como um convite a entrar numa caminhada sonora afro centrada. “A rabeca também é usada como percussão e contrabaixo, com notas pedais que lembram timbres de clarones. Já a voz, que geralmente é a protagonista nas canções, tem presença como um instrumento musical, melódico e de textura do disco junto com os sopros.”





PARTICIPAÇÕES 


O álbum traz as participações que incluem rabequeiros da tradição popular, como Mestre Luiz Paixão, referência na história do instrumento, e nomes da atualidade, como Luiz Fiammenghi. Os feats incluem também artistas da voz como Dandara Manoela, Luana Flores e Renna Coxta, e outros como a performer Fabiana Vinagre, o percussionista Leonardo Oliveira e a multi-instrumentista Camila Menezes, que gravou viola caipira em “Chegada”.

Na banda-base, apenas a presença de Letícia (rabeca, vozes e percussões) e do multi-instrumentista cabo-verdiano Jeff Nefferkturu, que gravou violões, cavaquinho, clarinete, flauta e contrabaixo. “Com a presença dele, brincamos também com esse trânsito rítmico-poético diaspórico entre Brasil e África. O disco traz uma ‘alquimização’ de trajetos por meio da rabeca, como se, a cada música, um novo caminho fosse traçado, valorizando encontros, trajetórias e riqueza teórica e sonora.”

“NO PASSO DA RABECA”
Disco de Letícia Coelho
YB Music
14 faixas
Disponível nas plataformas digitais a partir de 11 de novembro 

audima