“O avião está caindo. Faça o que quiser da sua vida. Te amo. Papai.” Com a inteligência artificial do celular, Julie (Marie Reuther) ouve a mensagem de texto repetidamente dentro do carro, enquanto dá voltas ao redor de uma praça. Filmada do alto, a sequência só mostra o carro, a praça e a mensagem, tudo em um grande looping. É bonito e trágico, em igual medida.
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OUSADIA
Adaptação do romance “Muleum” (2007), do escritor norueguês Erlend Loe, “Kamikaze” é narrada de forma fragmentada. Indo e vindo em diferentes momentos temporais – e utilizando muito de artifícios dos smartphones, como mensagens de texto e vídeo e posts em redes sociais –, a série, com episódios curtos (meia hora, em média, cada um), prima pela ousadia.Ainda que o tema seja pesado, há algum humor nas ironias a que Julie recorre para falar sobre sua jornada. “É uma série sobre esperança e vida, e não sobre morte, acima de tudo”, afirma o diretor Kaspar Munk.
“É sempre um desafio adaptar um romance. No caso deste, ainda maior. Como é em formato de diário, ou seja, em primeira pessoa, a maior parte da narrativa vem por meio dos pensamentos da personagem. Muito disso foi traduzido em ação para a série”, diz a roteirista Johanne Algren.
Ela comenta que também adicionou “lugares que não estão no livro” e fez uma inversão temporal na narrativa. “A parte do deserto, que está nas duas páginas finais do romance, decidi levar para a abertura da produção, para ter um contraste e mostrá-la em um lugar mais existencial, voltado para a reflexão.”
LUTO
Para Munk, o mais complicado foi criar cenas em que só havia uma linha no roteiro, como “Julie olha para o céu”. Como fazer isso? “É uma história sobre luto, sobre uma pessoa que perdeu tudo. Por outro lado, ela é uma pessoa privilegiada. Então utilizamos diferentes formatos, lidamos com cenários e tempos diferentes, dando dinamismo à trama, pois entendemos que, se fosse muito dramático, poderíamos perder o público.”Os flashbacks mostram a personagem com os amigos indo beber num bar; preparando-se para uma festa em casa, já que a família estava fora. Isto antes de tudo mudar. Logo após a morte da família, vemos também Julie fazendo terapia e se relacionando com o jovem que estava construindo uma piscina em sua casa. “Cada episódio traz um novo cenário. Então, há um clima de road movie”, afirma Munk.
“Kamikaze” começou a ser rodada antes da pandemia. Já no final das gravações, com a eclosão da crise sanitária, tudo teve que ser fechado, adiando o projeto. Foi um tempo necessário à protagonista, a novata Marie Reuther.
“Quando ela chegou, ainda estava estudando artes dramáticas. Ninguém a conhecia e sua performance começou inocente, pura. No começo, ela andava pelo set sem saber nada. No final, já era uma atriz com experiência e esta complexidade aparece na maneira como interpretou Julie”, diz Munk.
Hoje com 25 anos, Marie tinha 22 quando foi escolhida para o papel. “Vi um post no Facebook de um casting aberto a todos. Estava selecionando jovens entre 18 e 22. Mandei uma apresentação por vídeo com meu nome, minha idade e a vontade que eu estava de participar do projeto. Fui chamada para outra seleção e mais outra e mais outra. Cinco meses depois, consegui o papel”, conta ela.
Até o início das filmagens, Marie teve seis meses para se preparar. “Falei com colegas, pesquisei sobre métodos de interpretação, li o romance e resolvi combinar tudo para criar o mundo de Julie”, conta a atriz, que tinha que relacionar a transformação psicológica da personagem com as mudanças físicas pelas quais a protagonista também passava.
“A pessoa que a Julie era antes do acidente era superfácil, não tinha preocupações. Depois, tudo muda, pois ela não consegue se conectar com os outros. É como se, emocionalmente, estivesse em outro planeta”, descreve Marie.
“KAMIKAZE”
• Série em oito episódios. Os dois primeiros estreiam neste domingo (14/11), na HBO Max. Dois novos episódios por semana