A partir de 2014, o cantor e compositor pernambucano Otto começou um processo intenso de compartilhar suas emoções, sentimentos, reflexões e observações por meio de textos que publicava em seu perfil no Instagram. No início deste ano ele foi procurado pelos editores da Impressões de Minas, interessados em dar forma de livro a esses escritos.
O resultado é “Meu livro vermelho”, a estreia literária de Otto, que será oficialmente lançado com uma live nesta terça-feira (16/11), com a presença do artista, dos diretores da Impressões de Minas, Elza Silveira e Wallison Gontijo; e de Paulo Bispo, que foi professor de Otto numa escola em Recife e que assina a revisão e o texto de quarta capa da obra.
O autor diz que, pelo volume das postagens e por não ter o distanciamento necessário de seus próprios textos, deixou a seleção a cargo de Elza. “Ela mergulhou nesses escritos para organizar tudo. O Instagram é minha ferramenta de trabalho, de divulgação do que faço hoje. Não conseguia ver ali, naqueles fragmentos, um livro”, afirma. Ele destaca, que ao longo desses últimos anos, vem escrevendo incessantemente, quase que como uma terapia.
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Os textos não necessariamente dialogam uns com os outros, mas acabam por compor um mosaico pelo qual é possível apreender acontecimentos objetivos e subjetivos do autor nesse intervalo de tempo que vai de 2014 a 2019.
“Meu livro vermelho” foi editado em ordem cronológica, de forma que é possível perceber um adensamento de seu teor político a partir de 2017. “Pela forma como tudo estava caminhando, eu já sabia que não ia dar boa coisa”, diz, sobre a eleição de Bolsonaro no ano seguinte.
“Um golpe como o que a presidenta Dilma sofreu não chega a um resultado imediato, é uma coisa que vai se desdobrando e você não sabe onde vai dar, mas intui que não vai ser num lugar bom. Foi um processo muito doloroso para mim e eu comecei mesmo a expressar minha indignação. Naquele momento, em 2017, eu estava com o pavio aceso, então precisava gritar”, aponta.
Ele considera que, mesmo por meio de uma escrita fragmentada, é possível ver as fases de sua vida e tudo o que passou ao longo desse período que o livro abarca. Otto diz que são retratos do escritor, e ao dizer isso, pondera: “É engraçado eu falar disso em relação a mim mesmo, que sempre pensei que esse era um ofício muito sagrado, uma coisa distante. A figura do escritor, para mim, sempre esteve num pedestal. Agora, me vendo como um, encaro como pessoas comuns que se entregam ao desejo de escrever”.
Ele observa que o discurso político está presente na obra, mas que ela também contém tudo o que ele vive e tudo o que ele é. “As palavras são a última peça de roupa que você pode dar para os outros antes de se desnudar completamente”, compara. Mesmo quando escreve sobre fatos e pensamentos objetivos, Otto faz isso de maneira poética.
Como observa Elza Silveira na apresentação da obra, o motor de sua escrita é o êxtase, e seu registro é fragmento, pedaços de linguagem soltos no cotidiano. “O autor apresenta suas reflexões, suas emoções, e fez da escrita na internet um espaço de experimentação poética para seus registros em forma de diário”, ela diz.
Poesia
“A poesia é o modo por meio do qual eu reflito e entrego para as pessoas. Não sou um cronista, adoro crônica, mas a poesia é meu veículo, é com ela que busco chegar de maneira mais rápida no inconsciente coletivo. No meu caso, ela vem muito das notícias, do que eu leio, do que eu observo, do que está acontecendo no mundo”, diz Otto.
Ele acredita que um texto pode ser, ao mesmo tempo, muito simples e muito profundo, e sempre foi essa ideia que o guiou quando ia para a rede social se comunicar com seus seguidores.
O viés político que o livro por vezes escancara está presente, de modo subjacente, no próprio título, conforme aponta o autor. Otto diz que batizar a obra como “Meu livro vermelho” foi, antes de mais nada, uma forma de homenagear Paul Auster – autor de “The red nootebok”, que em português ganhou o título “O caderno vermelho” –, de quem diz ser grande admirador, mas que também foi uma maneira de fazer uma alusão ideológica.
“Não é o principal, mas tem aí um comentário sobre essa época de polarização política que a gente vive. Eu sou vermelho no sentido mais literal da coisa, e me tornei muito mais desde o golpe contra Dilma, comunista mesmo, sem medo de expressar essa posição”, diz.
O vermelho está presente na capa e no filtro que cobre as imagens, também postadas no Instagram por Otto. Ele diz que elas estabelecem diálogos com os textos e contribuem para dar unidade à obra.
“Sou o rei da selfie, mas geralmente as fotos que coloco no Instagram têm a ver com o que eu escrevo. Tem uma, por exemplo, do meu gato em cima de um tabuleiro de xadrez. Vou lá e escrevo que ele joga comigo todo sábado e ganha sempre”, diz, acrescentando que as imagens também o inspiram. “Vem poesia daí também. É meio tudo amalgamado”, ressalta.
Editora mineira
Nascido em Belo Jardim, no agreste pernambucano, e atualmente morando em São Paulo, Otto explica que publicar sua estreia literária por uma editora mineira foi resultado de uma costura feita pelo conterrâneo China, também cantor e compositor, que, em 2018, teve seu livro infanto-juvenil “Carlos viaja”, com ilustrações de Tulipa Ruiz, lançado pela Impressões de Minas. “Quando Elza e Wallison me procuraram, foi China quem me apresentou a eles”, conta.
“Eu não tinha essa coragem de ir atrás, de bater na porta de uma editora para publicar o que eu escrevia no Instagram. Eu não tinha certeza da qualidade literária dos escritos, então partiu deles isso de publicar o livro, com essa ponte preciosa feita pelo China. Comecei a pensar mais nas coisas que eu escrevo a partir da proposta deles, que se interessaram”, diz.
Otto comenta que sempre foi um grande admirador da cultura que se produz em Minas e que isso também o animou a levar adiante o projeto. “Minas é um celeiro, sempre teve grandes talentos literários, e isso me chamou muito a atenção, o fato de uma editora do estado se interessar em publicar meus textos. Elza e Wallison foram lá, cavoucaram tudo no Instagram e trouxeram à tona um livro, meu livro, um trabalho bárbaro que eles fizeram, com um resultado exatamente como eu imaginava que seria”, diz o cantor e compositor, que, ao longo dos últimos anos, também encontrou na pintura uma outra forma de expressão.
Pintura
“Eu pinto desde cedo. Quando era muito novo, não sabia desenhar coisa nenhuma, mas já pintava. Usava como uma terapia. Às vezes, quando estava acelerado demais, angustiado, triste, estava com meus buracos, minhas cavernas, eu resolvia esses dilemas pintando. Retomei isso com mais intensidade um pouco antes da chegada da pandemia”, diz.
Ele ressalta que esse fazer artístico acabou se configurando como uma espécie de tábua de salvação emocional e financeira durante o período de isolamento social. Otto conta que, com os shows parados, pensou que poderia divulgar suas obras, também por meio do Instagram, na expectativa de que tivessem uma boa recepção.
“Resolvi começar a publicar meus quadros, e as pessoas começaram a gostar, me perguntavam se eu ia vender, e era tudo o que eu precisava, porque estava sem fonte de renda. A pintura pagou minhas contas nesse momento da pandemia. Atualmente eu pinto todo dia. E meus trabalhos já foram para o mundo, tem obras minhas em Portugal, na Grécia, na Holanda e no Brasil todo”, conta.
“Tem pessoas que me seguem na rede social, eu posso mostrar a elas meu trabalho e elas podem gostar. É estranho, mas parece que só agora, aos 53 anos, me dei conta disso, então tem uns três ou quatro anos que essas coisas vêm caminhando juntas comigo de forma mais intensa, a música, os textos e a pintura”, observa.
Disco novo
Por falar em música, Otto adianta que está finalizando um novo disco, desde já batizado “Canicule sauvage”, com a faixa-título cantada em francês e totalmente produzido dentro de um contexto de pandemia. Ele diz que tem se valido do aplicativo GarageBand, da Apple, para criar os arranjos das músicas que compôs, num trabalho solitário realizado dentro de seu quarto.
“Eu não sou um nerd ligado em tecnologia, mas faço o que consigo. Estou aprendendo esse processo de produzir a mim mesmo, tocar minhas músicas com esse aplicativo. Nunca fiz tanta coisa por mim, dentro de mim. Acho que é a experiência que traz isso, a segurança de ter coragem. Assumir esses três ofícios que movem minha vida é tudo o que eu queria. Não sou um músico, um escritor ou um pintor de academia, sou um artesão, e tenho cada vez mais encarado isso de forma positiva”, diz.