Jornal Estado de Minas

QUADRINHOS

Saga de seringueiros na Amazônia inspira o romance gráfico 'Mapinguari'


O filho de um líder seringueiro deixa sua comunidade no interior do Acre e parte para Rio Branco a fim de tentar a sorte na cidade: o roteiro de muitas vidas reais é também a premissa de “Mapinguari” (FTD), quadrinho de André Miranda e Gabriel Góes.





A obra recebeu o selo White Ravens 2021, honraria concedida pela Biblioteca Internacional da Juventude de Munique, que indica anualmente uma seleção dos melhores livros para crianças e jovens publicados ao redor do mundo.

Em “Mapinguari”, fica claro desde o início o conflito entre tradição e progresso, saberes ancestrais e tecnologia de ponta, floresta e cidade. José é o filho de seringueiro que, ao ir para o ambiente urbano, passa a trabalhar com a compra e venda de terras da comunidade em que nasceu. Iludido pelo discurso de que ninguém é obrigado a vender sua terra e de que a transação pode ser boa financeiramente para os proprietários, ele passa por uma grande transformação quando se vê obrigado a voltar para o vilarejo de sua infância quando o pai adoece.


Narrativas assim, que se passam nos rincões amazônicos, ainda têm pouca visibilidade junto ao público dos grandes centros urbanos. É por isso que o autor André Miranda considera desbravar esse cenário algo fundamental para conhecer o Brasil.





“A importância é justamente a de descentralizar as narrativas que consumimos. Existem muitas boas histórias no Brasil, mas infelizmente a maioria das narrativas que acabam se tornando filmes e livros ainda se centra no eixo urbano”, afirma André Miranda.

Pesquisa


O ilustrador Gabriel Góes, nascido em Brasília, revela que houve todo um processo de pesquisa para retratar a comunidade seringueira no interior do Acre. “O que mais tive em mente na elaboração do 'Mapinguari' foi a busca por uma atmosfera autenticamente brasileira, elementos comuns não só para quem vive na floresta, mas em cenários urbanos. Detalhes agora invisíveis para nós, como o cafezinho, o filtro de barro e a novela, foram algumas das referências mais significativas.”

O romance gráfico tem apoio da ONG ambiental suíça WWF, que forneceu auxílio precioso para que a HQ pudesse reproduzir a essência de um cenário tão singular. “Eles ajudaram na pesquisa fornecendo fotos, vídeos, entrevistas e informações sobre os seringueiros, suas gírias, costumes, ferramentas, técnicas de extração da seringa, vegetação local e minuciosos detalhes sobre a vida na floresta”, conta Gabriel Góes.




Para compor a narrativa, André Miranda mesclou pesquisa e sua própria experiência. “Algumas coisas tirei de vivências minhas, das vezes em que fui para a floresta ou de momentos pessoais que cabiam dentro da narrativa”, explica.

Uma trama relevante, sobre a compra de lotes de terra, veio dessa pesquisa. “O fio condutor da narrativa acabou se tornando o fato de os seringueiros não possuírem, até hoje, direito mais concreto à posse da terra que ocupam e como isso os torna presas fáceis dos grileiros, que chegam lhes oferecendo dinheiro vivo – algo concreto – pelas terras.”

No entanto, para contar essa trama densa, Miranda e Góes se apoiam em mitos, como o mapinguari, monstro protetor da floresta, e em elementos de fantasia.

“A confusão entre realidade, sonho e delírio é recorrente nos meus quadrinhos. A alternância sensorial acabou se tornando uma das minhas mecânicas favoritas para narrativas gráficas”, explica Góes. “No caso do 'Mapinguari', além de ser a história sobre três gerações de uma família de seringueiros, estamos falando sobre os monstros dos mitos e os da vida real.”



Interesse

Para Miranda, a HQ a respeito de uma comunidade ainda pouco abordada pela cultura pop brasileira é indicativo do interesse crescente por novos pontos de vista.

“Apesar do fortalecimento do conservadorismo nos últimos anos, acredito que há no mundo a busca por maior representatividade das narrativas, um cuidado maior em como representar minorias ou determinadas comunidades nas histórias. Infelizmente, na maioria das vezes, essas comunidades eram representadas de forma muito rasa, preconceituosa”, diz o quadrinista.

“Foi um desafio enorme e uma espécie de ‘regra de ouro’ escrever uma história sobre aquele lugar, para aquelas pessoas, de forma mais aprofundada para que elas realmente se vejam naqueles personagens, e não apenas por meio de um autor que está abordando um lugar e sua cultura porque aquilo é curioso”, conclui.  

“Mapinguari”
De André Miranda e Gabriel Góes
FTD
160 páginas
R$ 45

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