
Numa história de longos hiatos, somente agora, quando se completam 70 anos da morte de seu autor, o livro ganha a primeira tradução no Brasil – aliás, como observa uma das tradutoras, a russa radicada no Rio de Janeiro Maria Vragova, que assumiu a empreitada ao lado de Graziela Schneider, trata-se da primeira vez que a obra chega à comunidade lusófona.
O lançamento em Belo Horizonte ocorre nesta quinta-feira (18/11), das 17h às 19h, na Livraria da Rua.
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CENSURA
A partir disso, suas obras foram sistematicamente censuradas ou completamente depreciadas pela crítica literária de seu país. Isso é o que explica, segundo Vragova, o limbo a que sua produção esteve relegada ao longo do século passado.Uma das sócias da editora e produtora cultural Ars et Vita, com sede em Belo Horizonte e que responde pela publicação do livro, ela diz que Platônov escreveu vários romances e contos – infantis, inclusive, no final da vida, quando, em razão da censura sofrida no regime stalinista, não podia publicar mais nada –, mas nenhum, a não ser “Tchevengur”, foi levado a cabo.
“Na minha opinião e na de grandes pesquisadores e escritores, como Alexandre Soljenitsin (1918-2008), vencedor do Nobel de Literatura (em 1970), ‘Tchevengur’ é um dos livros mais importantes da literatura russa e mesmo mundial do século 20, porque aborda vários aspectos importantes do universo dos livros e do mundo, de uma forma geral, com uma linguagem muito rica”, destaca a tradutora. Ela aponta que justamente essa “linguagem muito rica” foi o que se colocou como maior desafio no trabalho de tradução.
COMPARAÇÃO
“Acho que o autor com quem mais se pode comparar Platônov é Guimarães Rosa”, diz, sublinhando o fato de que, assim como o escritor mineiro, o russo tinha um modo de escrever e de construir frases e textos muito específico e singular.
“Quando eu dizia que estava fazendo essa tradução, me perguntavam se era possível. Algumas pessoas brincavam que era preciso, primeiro, traduzir para o russo. Todo mundo ficava de boca aberta quando eu dizia que seria lançado no Brasil”, comenta.
Ela ressalta que o fato de ser a primeira tradução para o mundo lusófono também se constituiu num desafio. “Eu não tinha em que me basear. Com outras traduções, você pode ver como o tradutor resolveu alguma questão, mesmo em se tratando de idiomas de nações diferentes. A linguagem dele é o principal desafio para qualquer tradutor”, diz, acrescentando que o trabalho demandou três anos.
Ela ressalta a fundamental colaboração tanto de Graziela quanto de Francisco de Araújo, que cuidou da pesquisa prévia e do cotejo. “Sou russa, estava traduzindo para uma língua que não é a minha, por isso resolvemos fazer esse trabalho a quatro mãos, com a Graziela. E também foi muito importante o trabalho do Francisco, porque essa é uma tradução que demanda uma grande preparação, que envolve pesquisas sobre a vida e a obra do autor”, aponta.
Vragova destaca que um ponto importante relativo à obra são as ilustrações. O volume traz 29 obras criadas especialmente pela artista visual Svetlana Filippova, uma das maiores animadoras e ilustradoras do cenário contemporâneo russo. Esse rico material iconográfico é um atrativo a mais para o lançamento amanhã, já que será exibido em forma de exposição.
“Estaremos presentes eu e o editor da Ars et Vita, Gustavo Carvalho, que é brasileiro mas fala russo. Nossa ideia é fazer leituras de trechos do romance em português e em russo, só para o público ter a noção da sonoridade na língua original”, diz.
“Tchevengur”
De Andrei Platônov
Tradução: Maria Vragova e Graziela Schneider.
Editora: Ars et Vita (584 págs.)
R$ 102 (à venda no site da editora)
Lançamento em Belo Horizonte nesta quinta-feira (18/11), das 17h às 19h, na Livraria da Rua (Rua Antônio de Albuquerque, 913, Funcionários).