O Fórumdoc.bh completa 25 anos reafirmando o compromisso de incluir novos protagonistas na cena cinematográfica, em especial diretores indígenas. A edição deste ano do festival dedicado ao filme etnográfico e documental reúne 46 títulos, divididos em três mostras que destacam a produção de realizadores indígenas, LGBTQUIA+, negros e ciganos.
O Festival ocorre em formato híbrido, a partir desta quinta-feira (18/11) até 2 de dezembro, com programação 80% on-line e 20% presencial. As sessões serão realizadas no Cine Humberto Mauro, no Palácio das Artes, e na plataforma cinehumbertomauromais.com.
Debates, mesas-redondas, masterclass, vídeo-instalações, catálogos bibliográficos e uma manifestação on-line completam a vigésima quinta edição do festival mineiro. A programação é gratuita.
“O festival abre um repertório que era sistematicamente inviabilizado por um cinema dominado por homens brancos. Isso é muito patente: a falta de realizadores mulheres, negras, indígenas. O mais interessante é que esses filmes de fato modificam nosso entendimento não só sobre o Brasil, mas sobre nossa relação com a natureza, a terra”, afirma Paulo Maia, curador e um dos fundadores do Forumdoc.
REPERTÓRIO
“A presença de realizadores indígenas, afro-brasileiros, LGBT, dá um refresh não só do ponto de vista do conteúdo, mas também da forma, que é uma coisa que nos interessa muito. Ou seja, como os filmes são feitos? Eles são realizados a partir de que desejo? A partir de que repertório técnico?”, diz.
Na celebração dos 25 anos, o Forumdoc.bh dedica duas mostras exclusivamente ao cinema indigena, que vem ganhando destaque na cena nacional nos últimos anos. "Desaparecimento e reaparecimento dos povos e das imagens" retoma a parceria com o projeto Vídeo nas Aldeias (VNA) - precursor no fomento à produção audiovisual indigena de maneira autônoma nas aldeias. A iniciativa, idealizada por Vincent Carelli, está presente no festival desde a sua primeira edição, em 1997.
“A gente pode dizer que o Forumdoc acompanhou todo esse arco de entrada dos realizadores indígenas na cena do cinema”, afirma Paulo Maia. A mostra exibe 11 filmes do VNA, além de dois longas sobre povos indígenas isolados ("Serras da desordem", 2006, de Andrea Tonacci; "Piripkura", 2017, de Mariana Oliva, Renata Terra e Bruno Jorge).
Além disso, uma vídeo-instalação no Espaço Mari'Stella Tristão, no Palácio das Artes, faz parte da mostra, com a projeção de seis sequências inéditas do acervo Vídeo nas Aldeias (com cerca de 60 minutos de duração cada um).
Com curadoria de Vincent Carelli, as imagens foram produzidas por diferentes comunidades indígenas brasileiras e não foram incluídas em nenhum filme do projeto.
MANIFESTAÇÃO
O fundador do VNA também participa de dois debates no Palácio das Artes (nos dias 23/11 e 24/11) sobre a mostra, que ainda terá manifestação on-line com importantes lideranças indígenas, a favor dos povos isolados nas florestas (28/11, às 11h).
Para Paulo Maia, o cinema é uma espécie de escudo e arma das culturas indígenas. “Os indígenas logo perceberam que o cinema é uma ferramenta de luta. Eles comparam a câmera com uma arma, no sentido da defesa dos territórios e para dar visibilidade para o que está acontecendo (nas aldeias). A mídia é muito condescendente com a invasão dos territórios indígenas pelo agronegócio e a mineração no Brasil", aponta.
Nesta edição, o Fórumodoc.bh também exibe produções indígenas de fora do Brasil, com uma retrospectiva de oito filmes produzidos pelo Karrabing Film Collective - coletivo de aproximadamente 30 cineastas de diferentes etnias do Norte da Austrália. As obras são exibidas pela primeira vez na América Latina e apresentam a saga dos povos para preservar suas vidas e terras ancestrais.
“Para a gente (curadores), foi uma das filmografias mais instigantes dos últimos tempos. Traz uma criatividade gigantesca na sobreposição de imagens, no tipo de proposta e na mise en scène, com uma coisa que eles chamam de realismo improvisado. As questões são muito semelhantes com o que acontece com os povos indígenas aqui no Brasil. A gente vê muitas analogias”, observa Paulo.
CURA
A retrospectiva inclui uma masterclass com a antropóloga norte-americana Elizabeth Povinelli, integrante do Karrabing Film Collective, no dia 28/11, às 20h. A conferência tem tradução simultânea em libras.
Por fim, a mostra "Comunidades de cuidado: fabulações, enfrentamentos e éticas de cura" reúne filmes (majoritariamente brasileiros) realizados por diretores indigenas, negros, LGBTQUIA e ciganos. Os 19 documentários discutem o processo de construção de comunidades com atenção à ética da cura - inspirada no trabalho do artista visual Castiel Vitorino.
“É uma mostra bem heterogênea, que traz um repertório maior e mais diverso. E interconecta, sem deixar as particularidades, as comunidades negras, indígenas, ciganas e LGBTQUIA ”, segundo afirma Paulo Maia.
A mostra se divide em três eixos (fabulação, enfrentamento e cura) e discute questões em pauta no século 21, como patriarcado, racismo, LGBTfobia, machismo, misoginia e xenofobia. Haverá uma conferência com Castiel Vitorino (21/11, com tradução em libras) e três mesas temáticas com inscrições prévias gratuitas.
Na abertura do Fórumdoc.bh 2021, às 18h30 desta quinta, haverá um debate on-line sobre a constituição e resistência de arquivos e acervos. A discussão problematiza os arquivos convencionais, que geralmente sustentam a narrativa do Estado e inviabilizam as histórias das minorias, como os negros e indígenas.
“Por exemplo, a Comissão da Verdade (criada pela ex-presidente Dilma Rosseff, em 2011) revelou o assassinato de mais de 16 mil indigenas pela ditadura militar. Até a criação desse acervo, ninguém sabia disso”, aponta Paulo Maia. Participam do debate o cineasta indigena Gustavo Caboco e os pesquisadores Juliana Fausto e Marcelo Zelig (do canal de YouTube Armazém da Memória).
*Estagiário sob a supervisão da editora Silvana Arantes
FORUMDOC.BH – 25º FESTIVAL DO FILME DOCUMENTÁRIO E ETNOGRÁFICO
Desta quinta-feira (18/11) a 2 de dezembro. Programação completa no site www.forumdoc.org.br. Instagram e Facebook: @forumdoc.bh.