Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Adriana Calcanhotto elogia Marília Mendonça e comemora a sua volta ao palco

Após um longo período longe dos palcos brasileiros por conta da pandemia, Adriana Calcanhotto retomou a agenda de shows no país neste segundo semestre. O reencontro com o público ocorreu no final de agosto, no Rio de Janeiro. Depois disso, ela embarcou rumo à Europa para abrir os shows da turnê que Gilberto Gil fez por lá em setembro e outubro. Recém-chegada dos 50 dias longe de casa, a cantora e compositora faz show em Belo Horizonte nesta sexta-feira (19/11), no Palácio das Artes.





Acompanhada apenas de seu violão, Adriana apresenta repertório que mescla grandes sucessos de sua carreira com composições mais recentes e canções icônicas de outros artistas.

CHICO BUARQUE

“Vai ter algumas coisas que fiz enquanto abria os shows do Gil, como 'Elogio', que nós fizemos juntos. Uma outra canção com a qual me reconectei na quarentena foi 'Rosa dos ventos', do Chico (Buarque), que também estará no repertório e infelizmente ainda é muito atual”, conta.

Clássicos do repertório autoral da artista – “Senhas”, “Esquadros” e “Vambora” – dividirão espaço com releituras de canções de Amy Winehouse (“Back to black”), Caetano Veloso (“O nome da cidade”) e Marina Lima (“Três”). Adriana também apresenta músicas recentes, como é o caso de “A flor encarnada” e “Dois de junho”, ambas gravadas por Maria Bethânia no álbum “Noturno” (2021).





“Tenho um esqueleto do repertório, mas o formato voz e violão dá a possibilidade de mudar o roteiro a qualquer momento. Quando se tem uma banda de 40 pessoas, não dá para fazer isso”, explica, garantindo que “Veneno bom”, lançada em julho e premiada com menção honrosa no International Songwriting Competition (ISC) deste ano, também será apresentada.

Feliz por reencontrar o público mineiro em seu primeiro show em BH desde 2019, a gaúcha avalia que o isolamento social afetou sua relação com o palco. “Já tinha muita gratidão, uma consciência de que aquilo é um privilégio. Mas viver (a pandemia) na prática é a impossibilidade de me apresentar e junto com isso o sofrimento e a morte que nos acompanharam cotidianamente. Foi uma coisa muito pesada. Na volta, eu me sinto mais grata.”

Para ela, as incertezas suscitadas pelas restrições impostas pela COVID-19 trouxeram nova visão de mundo. “Antes, a gente podia pensar: bom, daqui a pouco pode cair um meteoro na Terra. Sempre pode. Mas sempre temos aquela pontinha de esperança que nos diz que tudo vai dar certo. A pandemia nos botou num lugar melhor em relação a isso. A gente realmente não sabe o que vai acontecer. Não é porque está anotado na agenda que vai acontecer. Viver com essa certeza da impermanência é mais interessante, é mais rico.”





Quando a crise sanitária colocou o planeta em quarentena, Adriana Calcanhotto se preparava para viajar para Portugal e cumprir compromissos como professora convidada da Universidade de Coimbra. Assim como muita gente, ela ficou presa em casa, no Rio de Janeiro, e se impôs a rotina diária de composição musical. A partir daí, compôs as nove canções do álbum “Só”, lançado em maio de 2020, que hoje pode ser lido como um retrato verdadeiro daquele período.

Muito embora o trabalho tenha sido largamente elogiado por público e crítica, Adriana revela sua relação distante com o registro. Desde que ele chegou às plataformas digitais, ela não o ouviu de novo. Ao ser lembrada de que o trabalho saiu há mais de um ano, ela brinca: “A sensação que tenho é de que já se passaram 11 anos”.


COIMBRA 

Por outro lado, a relação da compositora com a Universidade de Coimbra permanece firme. Enquanto estava em Portugal durante a recente turnê pela Europa, a cantora aproveitou para firmar com a instituição o compromisso de retornar no primeiro semestre de 2022.





“Também tenho uns projetos com a Universidade de Oxford (na Inglaterra). Vou continuar tocando esse projeto acadêmico. Em Oxford, vou fazer coisas relativas à Semana de Arte Moderna de 1922, que faz 100 anos no ano que vem”, revela.

Em ambas as universidades, seu trabalho não será ministrar aulas. “Pretendo me dedicar a projetos de pesquisa. Aula demanda muito, tem que ficar muito focado. Não vou ter o luxo de me dedicar a nada exclusivamente.”

Do período na estrada com Gilberto Gil, Adriana guarda boas memórias, como a apresentação em Viena, capital da Áustria, onde nunca havia colocado os pés antes. A turnê ganhou um tom familiar, pois Gil subiu ao palco acompanhado dos filhos Bem e José e dos netos João e Flor.





“Com ele (Gilberto Gil), as coisas só se confirmaram para mim. Ele é um artista disciplinado, nobre e extremamente humilde. Um cara sensacional. Aí você fica vendo a família toda. Cada um ali tem o seu talento específico. A mecânica da família é muito afetiva, então é muito bom poder estar por perto”, ela comenta.

Questionada sobre a possibilidade de a parceria com Gil continuar, ela não esconde o desejo de que isso ocorra. “Talvez compor mais canções. Já falei com ele sobre isso. Mas ele agora está cheio de coisas para fazer. Tem as comemorações do aniversário de 80 anos no ano que vem, agora Gil é acadêmico... Na verdade, ele sempre teve muito o que fazer”, afirma, referindo-se à recente eleição do compositor para a Academia Brasileira de Letras.

Ao comentar os shows na Europa, Adriana destaca os protocolos de segurança, que variavam de acordo com cada país. “Em alguns teatros, seguia-se o distanciamento social. Em outros, não, até porque cada país tem lidado com essa questão de um jeito diferente.”





O aumento ou a queda de casos de COVID-19 ainda é “muito dinâmico”, diz a cantora e compositora. “Por isso, ainda temos que tomar muito cuidado. Tanto na turnê do (álbum) 'Margem', que realizamos no final do ano passado, em Portugal, quando nesta turnê com o Gil, em que ficamos 50 dias fora, ninguém ficou doente, ninguém pegou COVID. Isso dá uma alegria. Dá a sensação de que é possível”, ela conta.

TRAGÉDIA

Em uma das apresentações na cidade portuguesa de Braga, Gil e Adriana Calcanhotto estavam se preparando para subir ao palco quando receberam a notícia da morte de Marília Mendonça (1995-2021), aos 26 anos, em acidente aéreo que matou outras quatro pessoas em Minas Gerais. Naquela noite, os artistas dedicaram as respectivas apresentações à Rainha da Sofrência, como Marília era conhecida.

“Foi uma coisa muito trágica, muito triste”, afirma Adriana. “Ela fez um negócio que ninguém tinha feito antes, uma coisa original, uma coisa corajosa. Tinha uma escrita original, que partia do universo machista da música sertaneja, ela se colocava como mulher dentro das canções de uma maneira como nenhuma outra mulher tinha se colocado antes. Marília deixou um legado muito interessante, como obra e como atitude.”





Com a retomada dos shows, Adriana segue na estrada até o final do mês. De Belo Horizonte, vai para Salvador, onde se apresenta no Teatro Castro Alves no sábado (20/11) e no domingo (21/11). No dia 23, será a vez do Rio de Janeiro; no dia 27, ela vai cantar em São Paulo ao lado de Maria Luiza Jobim, filha de Tom Jobim (1927-1994), e da Orquestra Jazz Sinfônica.

“Ter agenda de shows para cumprir dá um sossego e um sentimento de esperança. Ainda mais porque a gente não trabalha sozinha, temos um monte de gente que depende desses shows. Depois de tanto tempo (sem shows), é uma alegria. Presencial é uma coisa muito legal”, comemora.

ADRIANA CALCANHOTTO VOZ E VIOLÃO

Show nesta sexta-feira (19/11), às 21h, no Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Plateia 1: R$ 170 e R$ 85 (meia). Plateia 2: R$ 160 e R$ 80 (meia). Plateia superior: R$ 120 e R$ 60 (meia). À venda na bilheteria da casa e no site Eventim. Informações: (31) 3236-7400.

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