O impulso de combater “violências estúpidas” sofridas por um Brasil “talentoso, resistente e imensamente carinhoso”, que anda sufocado mas pode ser salvo por meio da arte, bateu forte no discurso da cineasta Denise Saraceni quando assumiu o desafio de dirigir o longa-metragem “Pixinguinha – Um homem carinhoso”, lançado este mês.
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Ao buscar a alma deste mestre da música brasileira, Denise Saraceni encontrou a capacidade visceral de Seu Jorge de interpretá-la. Semelhanças de vida e “dificuldades com a cor da pele”, além do “carisma abissal”, levaram à escolha do protagonista.“Foram definitivos os estudos de Seu Jorge, a sensibilidade, a concentração e a coragem de dialogar com o Pixinguinha com a flauta que aprendia a tocar no set. A cada etapa, ele entendia o momento emocional do personagem e entrava no set comovendo a todos”, conta Denise, ao descrever os bastidores das filmagens.
Para tocar solos como o Pixinguinha da tela (interpretado por vários atores), a produção utilizou imagens reais do artista. “Ele entra para confirmar emoções muito precisas. Nas cenas da montagem do sax, de sua cantoria francesa e ao tocar piano para a esposa Betty, Pixinguinha está vivo no filme e na nossa memória cultural”, destaca a diretora.
Codirigido por Allan Fiterman, o longa se apoia na admirada aura angelical e na doçura do genial instrumentista, revela Seu Jorge, no material de divulgação do filme.
“A preocupação maior foi trazer a atmosfera de generosidade do Pixinguinha, da pessoa com simplicidade no olhar”, afirma o ator, que também é cantor, compositor e instrumentista.
Em entrevista à Agência Estado, Seu Jorge comentou a importância de interpretar este ícone da cultura brasileira. “Ultimamente, por conta do que a pandemia mudou, tudo para mim é som. Estou sempre na música. Mas trabalho como ator há 20 anos e quando tenho a chance de viver um músico no cinema, essa experiência é uma consagração – como é o caso de Pixinguinha, instrumentista virtuoso em todos os sentidos”, comenta.
“Vinicius de Moraes dizia que ele era um anjo na Terra. Sempre fui encantado com as histórias sobre a generosidade dele. O momento que mais me emociona em sua trajetória é quando ele e seu conjunto, Os Oito Batutas, saem do Brasil para divulgar nossa música no exterior”, revela.
A meta é deixar viva a nossa maior referência de brasilidade, nas palavras da diretora. “Pixinguinha, certamente, é muito conhecido em Paris e no Japão, mas eu gostaria que o filme potencializasse seu legado nas comunidades carentes e ávidas de bons exemplos. Nossos negros, muitas vezes, apenas são titulares em filmes quando bandidos. Pixinguinha é artista criador de nossa identidade. Precisamos contar histórias potentes para um público desprezado”, afirma Denise Saraceni.
A divulgação do longa em telões ambulantes e a promoção de debates fazem parte da estratégia para atingir esse objetivo. “Tenho certeza de que quem não conhece Pixinguinha – a grande maioria da nossa população – vai se emocionar com o filme, buscar mais e mais informações na internet, e, quem sabe, em bibliotecas”, comenta a diretora.
A história desse artista gigante ganhou narrativa sintética. “A música ajudou muito, porque ela, por si, já é um roteiro”, explica Denise. Com o filme comercializado para Globo, Telecine e GloboPlay, o que permitiu viabilizar a finalização do projeto surgido em 2010, há também a ideia de uma série musicada. Afinal, o resgate da figura desse gênio, por meio do cinema, é visto como obrigação.
Paralelamente à realização do longa, a Fundação Moreira Salles organizou um arquivo transformado em site. Denise Saraceni lembra que foram publicados livros e partituras importantes quando se comemoram os 100 anos de Pixinguinha, em 1997.
“A escuta singular de Pixinguinha”, livro de Virgínia de Almeida Bessa, respaldou a pesquisa de Manuela Dias para o roteiro e a estrutura musical do longa, a partir do enfoque da música popular no Brasil entre 1920 e 1930.
ESCOLA
Encarando Alfredo da Rocha Vianna Filho como “um cara da nossa família”, Denise Saraceni registrou o artista que, aos olhos de Seu Jorge, ganha a dimensão de “uma escola”.“Pixinguinha deixou de herança todo o código do genoma da nossa música”, afirma o ator, cantor e compositor.
A atriz Taís Araújo chama a atenção para o legado construído pela família Vianna após a abolição da escravatura, apesar de enfrentar o racismo.
No filme, Taís interpreta Albertina Nunes Pereira da Rocha, a Betty, esposa de Pixinguinha. Estrela da Companhia Negra de Revista, ela encerrou sua carreira ao se casar com o músico, em 1927. Dona Betty morreu em 1972, um ano antes do marido. (Com Agência Estado)
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Taís Araújo
atriz
Quais detalhes a respeito de Betty e Pixinguinha aumentaram a sua admiração por eles?
Não sabia que ela era artista, e isso diz muito de uma época: a mulher que abre mão de seu sonho para construir uma família. Mas é bonito também que eles tenham permanecido juntos por uma vida inteira. Minha admiração pelo Pixinguinha vem deste homem e da família dele – pai, mãe, irmãos –, de ver tudo o que eles conseguiram construir no pós-abolição da escravatura. E num país como o Brasil! Acho que a Pensão Vianna (no bairro do Catumbi, animada por rodas de música promovidas pela família) é um acontecimento que a gente tem que pesquisar mais.
Protagonizar a novela “Xica da Silva”, exibida em 1996 e 1997 na extinta Rede Manchete, mudou você como artista. Hoje, com a visão mais feminista da sociedade, essa obra deveria ser revista?
Acho que, hoje, “Xica da Silva” teria de ser revista, sim. Entender esta mulher como a mulher política que ela foi. Ela nunca foi tratada com esse viés. Ela teve atitudes políticas importantes. Sinto que ela foi sempre só sexualizada. Falta contar melhor a trajetória dela.
Novembro é o Mês da Consciência Negra. Há conquistas para os negros brasileiros?
Estão vindo as conquistas. Na dramaturgia, tem uma evolução, mas ainda precisamos de muitas coisas. A gente vê muito mais personagens negros humanizados, mas ainda faltam escritores e diretores negros, uma vez que percebo (a necessidade de discutir) uma questão identitária.
CONHEÇA
PIXINGUINHA
O Instituto Moreira Salles reúne amplo acervo sobre a trajetória do músico carioca, disponibilizado em pixinguinha.ims.com.br.
O Instituto Moreira Salles reúne amplo acervo sobre a trajetória do músico carioca, disponibilizado em pixinguinha.ims.com.br.