Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Mônica Salmaso lança 'Caipira online' e diz que arte é o seu 'remédio'

Mônica Salmaso pertence ao naipe que se insere entre a velha guarda e a nova geração de cantoras brasileiras. Registrado em 12 discos e três DVDs, seu trabalho tem a diversidade e o bom gosto como marcas registradas. Aos 50 anos e 25 de carreira, ela está entre as intérpretes mais importantes do Brasil.





Essa paulistana já emprestou sua bela voz aos afrossambas de Baden Powell e Vinicius de Moraes, a canções de Chico Buarque, à parceria de Guinga e Paulo César Pinheiro e à delicadeza do lirismo proposto por diferentes autores.

Com o álbum “Caipira”, lançado em 2017, Mônica incorporou a seu trabalho o universo rural. De lá, trouxe cantigas criadas e registradas originalmente por J. Cascata (“Minha palhoça”), Renato Teixeira (“Amanheceu, peguei a viola”) e Xangô da Mangueira (“Moro na roça”). Incluiu nesse repertório Tom Zé (“Menina, amanhã de manhã”), Chico César (“Beradero”) e o mineiro Sérgio Santos (“Voz”), entre outros.

 

“Quando fiz esse disco, pensava naquele brasileiro do interior do país, mas que também traz o interior de si mesmo. A relação com a natureza faz parte da vida dessas pessoas de uma forma diversa. Elas têm um ponto de vista físico amplo, o que amplia também seu próprio universo interior”, destaca Mônica. “O espaço de contemplação para fora também reflete para dentro. Queria entrar em contato com isso.”





A pandemia obrigou a cantora a interromper a turnê de “Caipira”. Surgiu então a ideia de levar o conteúdo do projeto, em outro formato, para as plataformas digitais. Em “Caipira online”, realização da Ô de Casas Produções Artísticas, ela recebe convidados. 

No primeiro episódio, que estreou em 19 de novembro, Mônica fez live com o trio Conversa Ribeira, formado por Andrea dos Guimarães (voz), João Paulo Amaral (viola e voz) e Daniel Muller (piano e acordeom). Na última sexta-feira (26/11), foi a vez do violeiro Paulo Freire. Os próximos parceiros são Sérgio Santos, na sexta que vem (3/12), e Rolando Boldrin, em 10 de dezembro.

 

“É uma alegria ter como convidado especial o grande artista Rolando Boldrin, com toda a vida dedicada à valorização da cultura popular brasileira, mostrando o que temos de mais forte e rico, de mais único e potente em termos de identidade. Para mim, Boldrin é um gigante brasileiro, alguém que merece todas as reverências”, diz.





Aos 50 anos de idade e 25 de carreira, você dedicou metade de sua vida à música. Que avaliação 
faz desta jornada?
Tenho muito orgulho da minha jornada, feita tijolo a tijolo, do meu jeito de formiga trabalhadora. Gosto de ter formado um público lindo e variado, que chegou ao meu trabalho e ainda chega por identidade, unicamente. Tive sorte, de saída, ao aceitar, ainda que sabendo da responsabilidade que isso pedia, fazer o primeiro disco em duo com um grande músico, muito mais experiente, muito mais sabedor de música do que eu: o Paulo Bellinati (CD “Afro-sambas”, de 1996). A partir desse trabalho, muitas portas se abriram, conheci muita gente incrível, fiz laços, aprendi muito e pude fazer a minha estrada musical.

Você cantou Baden Powell e Vinicius de Moraes; Chico Buarque em “Noites de gala, samba na rua”; 
o lirismo da MPB em “Alma lírica”; Paulo César Pinheiro e Guinga em “Corpo de baile”. Em seu álbum mais recente está o universo caipira. A diversidade é a marca registrada do seu trabalho?
As marcas registradas do meu trabalho são o meu amor à música brasileira, a minha liberdade de criar e de aceitar projetos com os quais me identifico e as parcerias musicais incríveis. Há verdade absoluta nas minhas escolhas, há o compromisso, também absoluto, que tenho comigo de fazer sempre o meu melhor. São essas as coisas que definem não só meus trabalhos, como o desenho inteiro da minha carreira até aqui.

Alguma origem interiorana a levou a gravar o disco “Caipira”?
Na realidade, minha origem é urbaníssima. Nasci na cidade de São Paulo, mas tudo a respeito do Brasil dos interiores, folclores e religiosidades sempre me emocionou profundamente. “Caipira” nasceu de um show que fiz dedicado a esse universo, para o qual o violeiro, escritor e compositor Paulo Freire me mostrou um apanhado maravilhoso de músicas. Ali, entendi o tamanho desse universo. Encomendei a ele, formalmente, uma pesquisa, uma playlist enorme de músicas, de onde parti para compor o repertório do CD.





Você utilizou bem o longo período da quarentena desenvolvendo o projeto on-line “Ô de casas”. Valeu a pena?
A vivência da pandemia provocou enorme deslocamento na vida de todos. Claro, em diferentes graus, com diferentes condições de sobrevivência e de cuidados, como ficou claro, visível e inegável. Essa experiência só poderá valer a pena, em nome de tantas perdas e de tantas dores, se for transformada em consciência. “Ô de casas” foi a forma que encontrei, com a generosa participação de tantos amigos que admiro, de estar perto das pessoas, de ajudá-las a atravessar este momento, de mostrar o quanto a arte é fundamental na vida de todos e o poder que ela tem de nos organizar. De nos curar mesmo. Foi uma coisa nascida no improviso que virou o meu remédio e me fez respirar, seguir viva na música, trazer de volta uma identidade de Brasil que está ameaçada. Encontrar meus amigos, mesmo à distância, e fazer uma rede de afeto por intermédio da música.

O que a série “Caipira online” propõe?
Nós ainda estávamos fazendo a turnê do CD “Caipira”, patrocinados pela Icatu por meio da Lei Rouanet, quando veio a pandemia. Quatro espetáculos tiveram que ser cancelados. Ficamos esperando a pandemia passar para realizá-los, prorrogamos o projeto por mais um ano. Mesmo assim, fiquei com medo de não conseguir voltar com o show aos palcos, por todas as dificuldades que ainda existem. Tivemos, então, a ideia de transformar os quatro shows em quatro conteúdos digitais, gravando, em estúdio, 32 canções – eu os músicos da turnê: Neymar Dias, Lulinha Alencar, Teco Cardoso, Luca Raele e Ari Colares.

E de convidar para cada episódio um artista que tem a ver com o trabalho. São vídeos à distância com os convidados. Foi muito emocionante estar de volta com os músicos, refazer o repertório do show e criar outros 16 arranjos para canções que não estavam no repertório. Foi um banho de música, com os convidados: Trio Conversa Ribeira, Paulo Freire, Sérgio Santos e Rolando Boldrin. Também é a minha forma de homenageá-los.





O que trazem os álbuns que você gravou no Japão com Guinga e José Pedro Gil?
São dois trabalhos diferentes, ambos feitos antes da pandemia e lançados este ano. O CD “Japan tour” foi gravado em 2019, durante uma turnê. Fizemos em quarteto: eu, Guinga, Teco Cardoso e Nailor Proveta. Uma turnê linda que virou CD. Já o projeto “Estrada branca” é o encontro das obras de Vinicius de Moraes e José Afonso através, de um lado, da minha voz, com Nelson Ayres e Teco Cardoso, e de outro, da voz do português José Pedro Gil, de Emanuel de Andrade e quarteto de cordas. Fizemos espetáculos por algumas cidades de Portugal e gravamos ao vivo, em 2019. Também saiu este ano pela Biscoito Fino.

Tem algum novo projeto em vista?
Gostaria de fazer shows do CD “Japan tour” e do “Estrada branca”. Eu e o pianista André Mehmari vamos lançar nas plataformas digitais, também pela Biscoito Fino, o trabalho “Milton”, que gravamos durante a pandemia homenageando Milton Nascimento. 

CAIPIRAS COM MÔNICA

(foto: Paulo Santos/divulgação)
SÉRGIO SANTOS

Próxima sexta-feira (3/12), às 21h.

(foto: Pierre Yves Refalo/divulgação)
ROLANDO BOLDRIN

Em 10 de dezembro, às 21h

. Ingresso consciente: R$ 60, R$ 50 e R$ 30 (meia-entrada). À venda no site Sympla. Shows transmitidos via YouTube.





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