As ocupações por parte de estudantes secundaristas nas escolas da rede pública de São Paulo, em 2015, são o tema de "Selvagem", longa-metragem de Diego da Costa que estreia nesta quinta-feira (2/12) no Cine UNA Belas Artes, em Belo Horizonte. O filme aborda os bastidores do movimento sob diferentes ângulos, dando ênfase à união entre os alunos e aos conflitos que enfrentaram.
O desacordo com a proposta de reorganização do ensino público feita pelo então governador Geraldo Alckmin levou à ocupação de 213 escolas no estado de São Paulo. Os alunos protestavam contra o corte de gastos, o fechamento de unidades, a consequente transferência de alunos e professores e pediam melhorias no ensino. O movimento resultou na queda do secretário de Educação e na suspensão do plano de reorganização escolar.
A origem de “Selvagem” tem relação com a capital mineira. O diretor estava acompanhando um festival de cinema em BH, em 2015, quando decidiu produzir o filme, ao lado do roteirista mineiro Vinicius Cabral, seu amigo de longa data. A equipe de roteiristas incluiu os também mineiros Victor Drummond e Gabriela Gois.
Inicialmente, a ideia era fazer um filme sobre o romance adolescente entre Ciro (Kelson Succi) e Sofia (Fran Santos). Entretanto, o início das ocupações modificou o projeto. O romance entre os adolescentes foi transferido para as ocupações, um ambiente ideal para ampliar a abordagem do filme, segundo o Diego da Costa, ao incluir o despertar da política na juventude e os caminhos do movimento estudantil.
“Nós estudamos em escolas públicas. O cinema norte-americano trata muito a respeito de suas escolas, enquanto a gente as retrata pouco. É um universo do qual gostamos muito, então foi (uma escolha) natural”, diz o cineasta, de 38 anos.
FICÇÃO
A opção por fazer um filme de ficção sobre o movimento, e não um documentário, tem a ver com a intenção do diretor de “fazer um filme que não ficasse preso nas ocupações em si, que fosse só um registro histórico, mas sim um filme que tratasse a ideia de que, coletivamente, a gente pode transformar os espaços e nosso próprio ambiente”.
O diretor paulista lançou em 2016 o documentário “A Plebe é Rude" (2016). Ele acredita que seu filme tem a importância de um registro histórico e define “Selvagem” como uma espécie de "ensaio para a revolução”, com o objetivo de não deixar as pessoas esquecerem desse movimento.
“As ocupações não ocorreram só no estado de São Paulo. Elas foram para o Brasil inteiro em algum momento, e a gente conhece muita gente que viveu isso, que era pai, amigo, irmão dos participantes. O movimento das ocupações ainda está latente na gente”, afirma.
O roteiro foi adaptado várias vezes ao longo da produção. Nos primeiros ensaios, foram feitas rodas de conversa para ouvir o elenco. Alguns dos atores, como Fran Santos e Jaday Maria do Santos, haviam participado das ocupações e compartilharam suas experiências, que foram consideradas pelos roteiristas.
Ao mesmo tempo, a produção buscou abranger diferentes pontos de vista na narrativa. A influência de professores e pais dos alunos conquista parte importante da trama. O pai de Sofia, por exemplo, representa a oposição de parte da população ao movimento.
“Ele (o pai) tem as questões dele, não é somente um opositor. Ele tem medo do que vai ser o futuro da filha e deseja o bem dela. Então a gente tentou colocar todas essas pequenas questões e não transformar ninguém em vilão ou mocinho. Todo mundo tem seu ponto de vista”, diz o diretor.
“Selvagem” critica a força policial e a cobertura midiática em torno das ocupações, destacando, por exemplo, a insistência em definir o movimento como uma “invasão”. Um outro aspecto é ressaltado positivamente: “A arte foi fundamental no movimento dos secundaristas. Quando eles ocuparam, artistas prontamente se conectaram e ofereceram apoio. Nessa troca, os estudantes descobriram que não eram só as disciplinas escolares que eles podiam fazer. Começou a ter oficina de fotografia e música. Tinha escolas com instrumentos musicais trancados, que ninguém usava”, conta Diego.
Na trama, Ciro é um poeta e começa a revelar seus versos para os colegas na ocupação. Batalhas de slam também fazem parte da rotina do movimento. “A arte os ajudou a se descobrirem belos, porque o cinema hegemônico, a televisão sempre impõem os mesmos padrões de beleza. Quando os estudantes estão descobrindo a arte e seus corpos, eles passam a se aceitar mais”, afirma o diretor.
O rapper Rincon Sapiência integra o elenco, no papel do professor de física Antônio, um dos apoiadores do movimento. Durante as filmagens, ele se ofereceu para fazer a música que encerra o filme, “Funk 150”, dialogando com a juventude.
O final original de “Selvagem” – que mostrava a vitória dos estudantes contra o governo paulista - foi alterado durante a produção, pois o diretor afirma que a reorganização escolar e a repressão estão acontecendo até hoje. “Diretores e professores que apoiaram (o movimento) foram transferidos. Muitos alunos foram perseguidos e não puderam se matricular mais (na mesma escola). É o caso, inclusive, de uma das atrizes do filme”, afirma.
Diante disso, ele avalia que “não houve uma vitória. No final das contas, o estado usou da sua estrutura para minar uma nova tentativa de ocupação e de movimento estudantil secundarista”. O filme tenta, contudo, transmitir a mensagem de que os estudantes não devem desistir da luta.
“SELVAGEM”
(Brasil, 2021, 95min.) Direção: Diego da Costa. Com Vilma Melo, Lucélia Santos, Dagoberto Feliz, Lucélia Sérgio, Rincon Sapiência, Kelson Succi, Fran Santos, Juliana Gerais, Paulo Pinheiro, Érica Ribeiro, Rafael Imbroisi, Everson Anderson, Leonardo de Sá, Jady Maria Bandeira, Felipe Marinho, Renata Jesion, Igor Veloso, Fabricio Zava, Melina Marchetti, Cleyton Nascimento, Mona Rikumbi, Bárbara Arakaki, Victória Ferreira, Juracy de Oliveira, Nadja Kouchi, Ligia Yamaguti, Matheus Prestes, Bia Paganini, Alexandre Correia, Bianca Cristina, Daniel Arcanjo. Estreia nesta quinta-feira (2/12), no Cine UNA Belas Artes. No sábado (4/12), a sessão de 13h30 é exclusiva para professores cadastrados.
*Estagiário sob a supervisão da editora Silvana Arantes