Há 20 anos, o multiartista paraibano radicado em Belo Horizonte Babilak Bah, conhecido por integrar o grupo musical Trem Tan Tan, se divide entre as funções de músico e poeta enquanto desenvolve projetos como arte-educador. Na música, como artista solo, ele acumula os discos "Enxadário – Orquestra de enxadas" (2006) e "Biografia dos homens inquietos" (2011) e o DVD "Afroprogressivo" (2014). Na poesia, ele soma as obras "Voomiragem" (2002), "Corpoletrado" (2012) e "Diáspora descontente" (2021). Agora, ele se prepara para lançar o registro de seu trabalho na arte-educação: o livro "Uma clínica de instantes inusitados".
O lançamento, programado para a próxima quinta-feira (9/12), às 20h, acontece por meio de live no canal de Babilak Bah no YouTube. A transmissão ao vivo contará com bate-papo com o sociólogo José Márcio Barros, a professora Patrícia Dornelles, os integrantes do Trem Tan Tan, Mauro Sergio Camilo e Marcos Evandro, o músico Rafael Sales e a psicóloga Soraia Marcos.
O livro, contemplado pelo edital Rumos Itaú Cultural 2019-2020, propõe uma abordagem artística das reflexões geradas por seu trabalho nos serviços públicos de saúde mental de Belo Horizonte, como os Centros de Convivência e o Centro de Referência em Saúde Mental Álcool e Drogas (Cersam AD). Babilak Bah aborda as metodologias e os processos criativos utilizados em um trabalho atravessado pela música, pintura, literatura e outras áreas da produção artística.
"Esse livro é fruto de um trabalho de duas décadas de pesquisa com linguagens que impactaram as minhas vivências com arte-educação", explica o artista. "Eu comecei a escrever esses textos de maneira esporádica, amadurecendo a ideia de escrevê-los. Um dia, estava participando de uma atividade em São Paulo e mostrei um desses escritos para um amigo, que achou muito interessante e me aconselhou a escrever um livro. Foi a partir daí que passei a escrever de maneira mais metodológica."
Em suas investigações, Babilak Bah desvenda o valor da poesia visual na pintura, a relação entre o corpo e a palavra na literatura e a linguagem artística como elemento de construção da subjetividade das pessoas em sofrimento psíquico. "O livro é a reunião de várias reflexões desse meu exercício dentro da saúde mental. São histórias que justificam o meu trabalho e mostram como a arte-educação é um elemento importante para essas pessoas", comenta.
DEMOCRATIZAÇÃO
Para ele, a inserção de atividades artísticas na rotina de indivíduos com sofrimento mental faz com que eles tenham maior predisposição para entender a si mesmos e conviver em sociedade. O artista defende a importância de ter esse tipo de atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) como forma de universalizar e democratizar o acesso ao tratamento humanizado.
"Nos Centros de Convivência, a gente trabalha a linguagem artística como forma de desenvolver a alteridade dos cidadãos. Ao recorrer a força da expressão artísticas também estamos desenvolvendo a sensibilidade e o talento que, em muitos casos, as pessoas já têm, só precisam de uma oportunidade para acessá-los. No meu trabalho como arte-educador, sempre assinalei a busca pelo autoral, deixando que o próprio indivíduo desenvolva sua linguagem", ele afirma.
Estruturado em sete capítulos, "Uma clínica de instantes inusitados" também funciona como o registro do trabalho de Babilak Bah e remonta sua relação com a saúde mental. No primeiro capítulo, por exemplo, intitulado "Breve arqueologia da memória no tocante à loucura", ele conta o primeiro contato que teve com o sofrimento mental ainda na infância, na Paraíba, onde nasceu.
Uma das histórias narradas é a de Vassoura, como era conhecida Maria Isabel Bandeira, uma senhora que andava a cavalo por João Pessoa na década de 1970 e, um dia, invadiu o Palácio do Governo a galope, desfraldando a bandeira do Brasil. "Ela foi uma espécie de mãe da performance no estado ao transformar delírio em gesto artístico", analisa Babilak.
No capítulo seguinte, "Percurso de um percussionista no território da saúde mental", Babilak Bah discute o diálogo da cultura popular com a arte moderna e contemporânea. Ele aborda a construção de uma linguagem percussiva a partir dos signos da loucura como potência, em uma experiência vivida para além da interpretação, que faz de cada apresentação um momento único e irreproduzível.
AFETO NO COTIDIANO
O terceiro capítulo, "Uma clínica de sons inusitados", traz uma reflexão sobre o exercício desenvolvido no serviço substitutivo antimanicomial, desbravando um território criativo de limites borrados, na interface entre saúde e cultura, com práticas artísticas cotidianas de enfrentamento das fragilidades pelo afeto, extrapolando a ideia de oficina.
No quarto capítulo, "Vivência da loucura na rítmica da paisagem social", o artista apresenta os eixos metodológicos que sustentam a "Oficina experimental lúdica de sons e movimentos". No quinto, "O Centro de Convivência em um desafio diário", ele discute a percussão como linguagem, instrumento de inclusão e produção de sentido no território da saúde mental.
O sexto capítulo é dedicado à história do grupo musical Trem Tan Tan, coordenado por Babilak Bah e formado por beneficiários do programa de saúde mental da Prefeitura de Belo Horizonte. Ao falar do grupo, o autor reflete sobre a relação do samba com a loucura e define a banda como uma ação de intervenção estética.
No sétimo e último capítulo, "Literatura do corpo", se debruça sobre o processo criativo de viés literário, com os métodos adotados e referências à obra dos inúmeros poetas que emergem no ambiente da saúde mental.
O livro ainda conta com anexo em que Babilak Bah apresenta o projeto Ritmo, corpo e palavra, atividade ofertada aos usuários do serviço público de saúde mental de BH que funde música, literatura e outros estímulos criativos na produção de signos.
Quanto ao título, "Uma clínica de instantes inusitados", o autor explica: "A clínica a que me refiro é com licença poética. Já os 'instantes inusitados' são aqueles em que entro em contato com a subjetividade criativa dos indivíduos, que conseguem se revelar diante de métodos artísticos, da literatura e da expressão corporal".
Para ele, a arte-educação é um instrumento que "possibilita o cuidado de maneira humanizada". "As pessoas estão abertas a aprender por meio dela e se deixar desenvolver. Para mim, o que mais me encanta é o desprendimento da linguagem. A partir dela, as pessoas conseguem se expressar de maneira muito íntegra e livre."
Ele, que se considera um "artista e poeta que tem como missão repassar saberes e conhecimento", também afirma que a arte-educação "ajuda na sensibilidade, na socialização e na maneira como os indivíduos se enxergam no mundo". "A arte é um agente político e um veículo capaz de desenvolver a alteridade de quem entra em contato com ela. Ela é um porta-voz para a linguagem e isso gera socialização."
RETROCESSOS
Para além de servir como um registro das reflexões e dos trabalhos que Babilak Bah realizou nas últimas duas décadas, o livro "Uma clínica de instantes inusitados" também serve, de certa forma, como um documento em defesa do movimento antimanicomial, que luta pelos direitos das pessoas com sofrimento mental e contra a exclusão de pessoas em sofrimento psíquico grave.
"Essa luta segue importante porque estamos vivendo um momento de muitos retrocessos e, se não tomarmos cuidado, os dispositivos de saúde mental serão destruídos. BH é uma vanguarda de tratamento de sofrimento psíquico e não podemos perder os avanços que foram tão difíceis de conquistar", ele analisa.
Entre os retrocessos que Babilak Bah pontua, está o retorno dos manicômios e os tratamentos de eletrochoque, por exemplo. "Eu tenho a luta antimanicomial como uma bandeira muito importante do meu trabalho. É um direito básico o tratamento da loucura acontecer em liberdade. Não podemos tolerar, por exemplo, um ministro que defende os manicômios e o eletrochoque."
UMA CLÍNICA DE INSTANTES INUSITADOS
.Babilak Bah
.180 páginas
.Rumos Itaú Cultural 2019-2020
.R$ 50
.O livro pode ser adquirido por meio do site.
.A live de lançamento acontece na próxima quinta-feira (9/12), às 20h, no canal de Babilak Bah no YouTube.