Jornal Estado de Minas

LITERATURA

Autor mineiro é duas vezes premiado, com dois livros diferentes, em 15 dias


Poeta, ficcionista, ensaísta, professor e pesquisador da cultura e da religiosidade afro-brasileiras, o mineiro Edimilson de Almeida Pereira, um dos autores mais premiados do Brasil, somou, num intervalo de 15 dias, mais duas importantes láureas à sua coleção. 





No último dia 23, ele venceu o Prêmio São Paulo de Literatura 2021, com o livro “Front”. O segundo lugar no prêmio Oceanos, com “O ausente”, foi anunciado na semana passada (em 8/12). Uma das mais importantes distinções entre os países de língua portuguesa, o Oceanos agraciou em primeiro lugar o escritor timorense Luís Cardoso.

Os prêmios vieram na esteira de três livros que Edimilson publicou quase simultaneamente, no final do ano passado, e que marcaram sua estreia na prosa ficcional para o público adulto. Após mais de 35 anos dedicados à poesia e também com uma robusta produção ensaística, como pesquisador de referência no meio acadêmico, além de assinar várias obras voltadas para o público infantojuvenil, ele primeiro lançou, em novembro de 2020, “O ausente”, depois “Um corpo à deriva” e logo em seguida “Front”.

Natural de Juiz de Fora, onde leciona, Edimilson conta que os livros, que compõem uma trilogia, vieram a público recentemente, mas são frutos de ideias que vêm sendo trabalhadas há muitos anos. Ele diz que “O ausente”, por exemplo, remonta a 1995. 





“De lá para cá, o livro passou por umas quatro ou cinco versões, perdi capítulos, criei outros. Acabou de ser redigido de forma completa somente no final de 2018. ‘Um corpo à deriva’ é de cinco anos atrás, finalizei em 2016. O que trabalhei menos tempo foi o ‘Front’, que comecei em 2015. Minha intenção era publicá-los ao mesmo tempo, esse foi o desafio. Há uma ligação entre eles”, afirma.

Essa ligação se dá, sobretudo, por serem histórias que se passam em períodos de tempo restritos. No caso de “O ausente”, é entre o início da noite e a madrugada, quando o personagem-narrador reflete sobre seu passado e sobre um futuro imediato. Em “Um corpo à deriva”, a narrativa transcorre num prazo de três horas. E em “Front” tudo acontece durante o tempo de espera na fila de uma casa lotérica.

“Tento, com essa condensação das ações e dos pensamentos, mostrar o quanto a gente pode vivenciar e experimentar num espaço muito curto de tempo. Isso quebra essa expressão muito corrente hoje em dia de que a gente não tem tempo para nada. Pode-se, em pouco tempo, operar muita coisa”, diz Edimilson.





Ele destaca que outro ponto comum entre as três obras é que são narrativas que pegam os personagens em situações-limite, à beira do abismo. “O próximo passo é saber o que acontece quando a queda se consolida. Os personagens de cada volume vão lidar de maneiras diferentes com essas questões do tempo e da tragédia”, aponta o autor.


DIFERENÇAS 

Se esses pontos são ligações entre as obras e fazem delas uma trilogia, que Edimilson batizou de náusea – o momento passageiro entre o mal-estar e o vômito, conforme destaca –, há, naturalmente, a identidade própria e particular de cada uma. 

“O que o leitor pode apreender já pelo resumo dos livros é que em ‘O ausente’ você tem uma voz predominante, de um narrador; em ‘Um corpo à deriva’, você tem um entrelaçamento de cinco vozes, como num coro em que se vai alternando a fala; e no ‘Front’ você tem vozes estilhaçadas, uma fragmentação, como uma série de sussurros, de ruídos”, diz.





O escritor revela que, em diferentes momentos, os três livros foram escritos simultaneamente, e que isso faz parte de seu processo. “Às vezes, escrevo dois ou três livros de poesia ao mesmo tempo. Com os ensaios também acontece isso, às vezes estou desenvolvendo dois ao mesmo tempo. E tem a literatura infantojuvenil, que produzo nessa mesma toada. A simultaneidade é uma experiência que gosto de trabalhar. Quando comecei a escrever ‘Um corpo à deriva’, ele se adiantou mais; ‘O ausente’, que vinha sendo trabalhado há mais tempo, ficou mais para trás, foi finalizado depois”, explica.

Os três livros marcaram sua estreia na prosa ficcional para o público adulto numa esfera pública, mas que ele já pratica essa escrita desde a juventude, conforme observa. “A prosa tem várias formas de escrita. Na prosa de ficção para público adulto, sim, é uma estreia, já que são as três primeiras obras que lanço. Mas por volta dos 20 e poucos anos cheguei a ter dois experimentos de ficção, um romance e uma novela, que acabei descartando. Depois fui para a literatura infantojuvenil, e tenho um trabalho contínuo com a prosa ensaística. Então, o ser prosador não é uma estreia em si.”

 

MATURAÇÃO 

A partir do início dos anos 80, quando o juiz-forano começou a escrever de modo mais sistemático, até os dias atuais, o que houve, conforme aponta, foi um processo de maturação que, agora, deságua em “O ausente”, “Um corpo à deriva” e “Front”. 





Ele conta que o romance que escreveu durante a juventude era um texto com clara inspiração no “Encontro marcado”, de Fernando Sabino, que define como um clássico da literatura brasileira contemporânea, com a característica do romance geracional, que marcou inúmeros leitores e escritores.

“No meu caso, foi um exercício de aprendizado, escrevendo ainda na máquina datilográfica, com a materialidade da palavra no papel. Depois, no intervalo que se alonga, deixo essa escrita de ficção e mergulho na escrita analítica dos ensaios, o que te dá ferramentas de manuseio do texto longo”, diz, acrescentando que a atuação como professor de literatura também contribuiu sobremaneira para esse processo de maturação da escrita – ou das várias escritas.

“O trabalho de leitura de um livro para depois servir de mediador com jovens estudantes nos dá uma humildade diante do texto, para compreendê-lo e poder compartilhar. Tenho flexibilidade para ler os textos, tenho paciência para com minhas dúvidas; é um processo didático, mas prazeroso. Isso fica claro nesses livros que saíram no ano passado”, salienta.





 

EDITORAS 

Apesar de comporem uma trilogia, os três livros saíram por editoras diferentes: “O ausente” vem com a chancela da Relicário; “Um corpo à deriva” foi publicado pela Macondo, e “Front” saiu pela Editora Nós. Edimilson explica que isso foi parte do desafio de realizar seu desejo de que os três fossem lançados ao mesmo tempo. “Para o final de 2020, um período crítico por causa da pandemia e da crise econômica, nenhuma editora se disporia a publicar três livros ao mesmo tempo, com um cenário tão adverso”, aponta.

Ele começou então a fazer as costuras necessárias para que não houvesse grandes distâncias entre as datas de lançamento das três obras. O escritor conta que a primeira conversa foi com Maíra Nassif, da Relicário, em 2019, e que, a partir dali, já estava acertado o caminho para trazer “O ausente” à tona. 

“No intervalo entre essa conversa e a data prevista para a publicação, fui procurando outros editores. Primeiro, o Otávio Campos, da Macondo, que é aqui de Juiz de Fora. Depois procurei a Simone Paulino, da Nós, e falei de enviar um original para ela”, diz.





Ele ressalta que essa costura foi um pouco fruto do acaso, mas acabou gerando uma relação interessante entre as três editoras. “Elas promoveram um lançamento virtual conjunto e têm desenvolvido ações de divulgação de forma alinhada. Isso me permitiu cumprir uma primeira etapa do meu projeto, que era lançar os três juntos. Só não consegui colocar oficialmente, por causa dessa situação, o título da trilogia, ‘Náusea’, o que ainda pretendo fazer”, diz. 

“As editoras pequenas e médias têm uma característica importante, elas se arriscam mais, mesmo em situações que não são favoráveis. Foi uma aposta alta que as três editoras fizeram, de lançar no final do ano, quando todos os balancetes já estão fechando”, acrescenta.

SUBSTRATO 

Edimilson destaca que nunca pretendeu levar para a prosa de ficção o conteúdo que alimenta seus ensaios. O material etnográfico que pesquisa não aparece nas obras, mas o ambiente em que essas pesquisas são desenvolvidas serve de substrato para elas, principalmente no caso de “O ausente”.





“O que eu não queria é que meus textos ficcionais se confundissem com o que está no material dos ensaios. A reduplicação do real nunca me interessou. Passei mais de duas décadas e meia no trabalho antropológico, com pesquisa de campo nas áreas rurais, com o discurso das pessoas em primeiro plano. Um pouco da experiência em campo é o substrato, posso imaginar uma paisagem, uma cena dramática, mas, depois, toda a construção do texto em ‘O ausente’ é ficcional. A linguagem é o grande diferencial dessa prosa. São narrativas meticulosas, trabalhadas.”

PRÊMIOS 

Sobre os prêmios que conquistou com “O ausente” e “Front”, ele diz que os enxerga pela perspectiva de quem, desde os anos 80, sempre participou de diversos certames, tendo saído vitorioso em muitos deles. Edimilson observa que é possível separar sua relação com as premiações em três etapas. “Nas décadas de 80 e 90, você enviava anonimamente. Não havia identificação, era só o texto submetido à avaliação de uma banca. Participei de muitos deles”, destaca.

Num momento seguinte vieram premiações com uma dimensão mais pública em termos de divulgação. Ele situa nesse rol prêmios como os da Funarte e da Academia Brasileira de Letras. “A partir do final dos anos 90, parei de participar de concursos, e só recentemente voltei a eles, por conta das editoras, que enviam as obras que publicam, e aí é que essa visibilidade retornou”, diz.

“As informações circulam muito no ambiente digital. Deixei um comentário para agradecer aos leitores na minha página. Os prêmios são como estações, a gente passa por um monte delas, de vez em quando você desembarca numa, mas a viagem segue. Os prêmios ajudam a criar um vínculo de afeto com as pessoas que enxergam sua obra, o que é muito bom, mas depois me recolho para a minha oficina, minha vida íntima da escrita, que é onde eu trabalho”, conclui.




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