Compreender a diversidade da música brasileira é uma tarefa complicada, ainda mais quando se trata da produção contemporânea. Novos artistas surgem todos os dias e o mercado fonográfico não é capaz de absorver todos eles. Nesse cenário, os selos musicais ganham especial importância por possibilitar o lançamento de novos projetos e artistas que precisam de um pontapé inicial para ganhar a atenção do público.
Foi com esse objetivo que a jornalista paulistana Patrícia Palumbo, uma referência no universo do rádio independente, criou o selo Rádio Vozes, lançado neste ano, com um projeto que presta homenagem a Tom Zé. Curadora de diversos projetos musicais e apresentadora do Sesc Instrumental há 20 anos, Patrícia decidiu criar o selo depois de idealizar, no final de 2019, uma homenagem ao artista baiano, que não saiu do papel devido à pandemia.
"Inicialmente, seria um show. Liguei para alguns amigos próximos, que toparam participar do projeto, porque o Tom Zé é um cara muito querido. Aí veio a pandemia e eu transformei o show em disco. Segui ligando para as pessoas, fazendo a seleção das músicas que mereciam regravação e juntando os artistas com as músicas", conta a jornalista.
ACERVO
Criar o selo foi uma ideia que nasceu na necessidade de centralizar o projeto em um único produtor fonográfico para que, assim, as músicas pudessem ser lançadas nas plataformas digitais. Mas, agora que a empreitada está no ar, Patrícia Palumbo se deu conta de que esse é um terreno fértil que pode continuar a ser explorado.
"Como eu sou jornalista e a minha atuação sempre foi voltada para mostrar a diversidade da música brasileira, sempre procurei trabalhar na divulgação do acervo da música no Brasil. Ao longo de todos esses anos de atuação, reuni um acervo significativo de trabalhos que pretendo mostrar. Acredito que o selo tem esse papel de jogar luz sobre a diversidade", ela afirma.
Até agora, o projeto, batizado de "Uma onda para Tom Zé", se concretizou em duas faixas. A primeira, regravada por Fernanda Takai e John Ulhoa, foi "Se o caso é chorar", lançada originalmente no disco homônimo, de 1972. A segunda, interpretada por Luana Carvalho, foi "Só (solidão)", do clássico álbum "Estudando o samba", de 1976.
Na próxima sexta-feira (17/12), chega às plataformas digitais a regravação da música "O amor é velho-menina", do álbum "The hips of tradition" (1992), que marca o retorno de Tom Zé à ativa, após seu encontro com o músico e produtor estadunidense David Byrne. A canção é interpretada pela cantora Duda Brack e pelo músico Elísio Freitas.
PARCEIROS
Ao todo, o projeto terá 11 músicas, que serão lançadas aos poucos até formar o disco completo. Patrícia Palumbo faz mistério quanto às faixas, mas conta que também aceitaram participar do disco os artistas Arnaldo Antunes, Curumim, André Abujamra, Leoni, Vanguart, Zé Manoel, Arthur Nogueira, Júlia Vargas, Martins, Juliano Holanda e Passo Torto.
"São parceiros de sempre, que escolhi já pensando que eles iriam topar um trabalho como esse. Também incluí artistas que estão em diferentes fases da carreira", afirma. "O Tom Zé conversa com todos eles e, ao atender ao convite, eles entraram nessa com a vontade de chacoalhar a maravilha que é a obra dele."
A jornalista conta que o tropicalista não só ouviu as regravações como ficou bastante admirado pela liberdade que cada artista convidado teve para trabalhar. "Ele disse: 'Mas que maravilha é a liberdade'. Uma outra coisa que o deixou admirado foi a sobreposição de significados que as canções têm. Quando ele ouviu uma música dele cantada por cantoras, percebeu o quanto o significado da letra pode mudar a partir da interpretação. É muito importante que ele tenha gostado, porque a ideia era justamente dar um presente para ele."
Patrícia Palumbo faz questão de destacar que todo o projeto foi feito por meio de colaborações. Além dos artistas que toparam participar, "Uma onda para Tom Zé" também conta com a participação de Renato Larini, que assina a arte do projeto; Murilo Alvesso, responsável pelos vídeos de divulgação das músicas; e Mateus Estrela, músico que trabalhou na masterização do disco.
LANÇAMENTO
Como o show em homenagem a Tom Zé é a razão de esse trabalho existir hoje, a jornalista diz que ainda tem vontade de realizá-lo, quando for mais apropriado. "Seria o show de lançamento desse disco. Também tenho muita vontade de fazer uma pequena tiragem de CDs e vinis para celebrar esse trabalho."
Projetos futuros ainda não estão engatilhados, mas Patrícia Palumbo revela alguns dos seus desejos para o futuro do selo Rádio Vozes. "Quero lançar um disco com o acervo do programa “Vozes do Brasil” e também trabalhar em projetos que seriam homenagens a Luiz Melodia e Itamar Assumpção. Mas tudo isso depende de liberação. Não posso simplesmente lançar. Ainda são desejos. Ainda são vontades."
“O NOVO, O INÍCIO DE TUDO”
A Quadrilha, projeto criado pelo rapper mineiro Djonga, se desdobra em forma de selo e produtora. Na última segunda-feira (13/12), chegou às plataformas digitais a primeira mixtape do selo, reunindo alguns dos artistas que fazem parte dele, como Djonga, Laura Sette, Marcelo Tofani, Bertiolli, X Sem Peita, Dougnow e Zinga.
O registro, batizado de "AQuadrilha", é formado pelas músicas "#SDD", "Ouro branco" e "Tá de cão", produzidas por Velho Beats, Tibery e Iuri Rio Branco, respectivamente. Além do lançamento nas plataformas, cada uma ganhou um clipe dirigido por Djonga em parceria com Túlio Cipó.
Segundo Laura Sette, a intenção do trabalho é "apresentar inicialmente toda a variedade musical que a gente tem". "São muitos artistas com potenciais artísticos maravilhosos. Não dava para não experimentar mesclar essas ideias. A gente precisava saber como ficaria essa mistura."
Para ela, que define a mixtape como "o novo, o início de tudo", esse trabalho fortalece a conexão que os artistas d'A Quadrilha têm entre si e prova que cada um desempenha um papel bastante importante no universo do selo, sem abrir mão de sua própria identidade e estética.
"Foi um processo maravilhoso. Cada artista pôde trazer um pouco da sua arte e da sua personalidade para poder somar em um som. Trabalhar literalmente juntos, um ajudando o outro, e isso fez toda a diferença", diz Laura Sette.
De fato, o trabalho apresentado na mixtape soa como uma iniciativa coletiva, já que cada artista é responsável por cantar uma parte das músicas. Ao mesmo tempo, cada uma das faixas trata de temas comuns aos artistas presentes no registro. A sonoridade e a abordagem dos versos são bastante acessíveis, e as gravações têm tudo para conquistar o público.
Malu Tamietti, diretora-executiva e criativa do selo, conta que a mixtape é um projeto feito com o objetivo de apresentar A Quadrilha. "Depois dela, acredito que vamos ter mais abertura e mais reconhecimento. A gente vai continuar entregando coisas maravilhosas e diversas, de todos os artistas."
Segundo ela, os próximos passos já estão traçados. "Todos eles já têm muito material e já têm coisas prontas e estão muito ansiosos, com muita vontade de entregar novidades, de fazer lançamentos bonitos, como os que a gente tem feito desde o início."