A escritora e ativista americana bell hooks, de 69 anos, morreu nesta quarta-feira (15/12), em Berea, no estado do Kentucky, nos Estados Unidos. A informação foi confirmada por sua família ao jornal local Lexington Herald-Leader. Em nota, familiares relataram que ela estava doente e cercada de pessoas próximas quando ocorreu o fato.
bell hooks é na verdade um pseudônimo – o nome de batismo da escritora é Gloria Jeans Watkins. Segundo ela, homenagem à sua bisavó, chamada assim. Mas assinado em minúsculas de modo a pôr em evidência a mensagem que queria passar, e não ela mesma.
Escrita muitas vezes em primeira pessoa, a obra de hooks aborda as conexões entre raça, gênero e classe a partir de diversos campos, como cinema, música e política – seus ensaios já examinaram de videoclipes de Madonna à representação negra em melodramas dos anos de ouro de Hollywood.
Sistemas de ensino, história dos Estados Unidos e amor também fazem parte da vasta lista de assuntos que marcaram as obras da escritora, que publicou não só prosa, como também poesia.
hooks cresceu no Sul dos Estados Unidos na época em que a segregação ainda estava em curso no país. Ela se formou em literatura na Universidade de Stanford. Cursou o mestrado na Universidade de Wisconsin, em Madison, e doutorado na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz.
Aos 19 anos, começou a escrever aquele que se tornaria seu primeiro livro, “E eu não sou uma mulher?: Mulheres negras e feminismo”. Desde 2004, lecionava na Faculdade de Berea, no Kentucky.
Conhecida como uma das intelectuais mais importantes do feminismo negro, hooks é autora de dezenas livros, incluindo os sucessos “Anseios: Raça, gênero e políticas culturais”, “Ensinando pensamento crítico: Sabedoria prática” e “O feminismo é para todo mundo: Políticas arrebatadoras”.
Em 2014, a escritora fundou o Instituto bell hooks, com o intuito de estimular estudos de pedagogias feministas e críticas, além de documentar a vida e obra de aclamados intelectuais, críticos culturais, artistas e escritores.
"Quando me encontrei com o trabalho de Freire, exatamente num momento de minha vida em que começava a questionar profundamente as políticas de dominação, o impacto do racismo, o sexismo, a exploração de classe e o tipo de colonização doméstica que existe nos Estados Unidos, senti-me profundamente identificada com os agricultores marginalizados sobre os quais ele falava''
bell hooks, escritora e pensadora
BRASIL
A autora americana tinha conexão com o Brasil. Era admiradora e, de certa forma, discípula do educador pernambucano Paulo Freire. “Antes de encontrar Paulo Freire, aprendi muito com seu trabalho – aprendi novas maneiras de pensar sobre a realidade social que eram libertadoras”, comentou ela em artigo em “Introdução aos estudos da educação: Enfoque filosófico”, publicação da USP disponível no site da universidade.
“Quando me encontrei com o trabalho de Freire, exatamente num momento de minha vida em que começava a questionar profundamente as políticas de dominação, o impacto do racismo, o sexismo, a exploração de classe e o tipo de colonização doméstica que existe nos Estados Unidos, senti-me profundamente identificada com os agricultores marginalizados sobre os quais ele falava, com meus irmãos e minhas irmãs negras, meus companheiros na Guinéu-Bissau”, observou.
''Esta experiência posicionou Freire em minhas mãos e no meu coração como um professor desafiador, cujo trabalho ampliou minha própria luta contra o processo colonizador -- a mente passível de colonização''
bell hooks, escritora e pensadora
Nesse artigo, hooks diz que o pensador brasileiro lhe deu “uma linguagem”. “Ele me fez pensar profundamente sobre a construção de uma identidade na resistência. Existe uma frase de Freire que se tornou um mantra revolucionário para mim: 'Nós não podemos entrar na luta como objetos para nos tornarmos sujeitos mais tarde'. Realmente, é difícil achar palavras adequadas para explicar como esta frase era como uma porta fechada – e lutei comigo mesmo para achar a chave –, e aquela luta engajou-me num processo de pensamento crítico que era transformador”, revelou. “Esta experiência posicionou Freire em minhas mãos e no meu coração como um professor desafiador, cujo trabalho ampliou minha própria luta contra o processo colonizador – a mente passível de colonização”.
A morte da escritora foi lamentada por intelectuais e artistas. “Oh, meu coração. bell hooks. Que ela descanse. Sua perda é incalculável”, disse no Twitter a escritora Roxane Gay, autora de livros como “Má feminista” e “Mulheres difíceis”.
O escritor americano Ibram X. Kendi, uma das pessoas mais influentes do mundo em 2020, segundo a revista Time, afirmou que a pensadora deixa importante legado. “A morte de bell hooks machuca profundamente. Ao mesmo tempo, como ser humano, sinto tanta gratidão pelos tantos presentes que ela deu à humanidade. 'Ain't I a woman: Black women and feminism' é um de seus muitos livros clássicos. E 'All about love' me mudou. Obrigado, bell hooks. Descanse em nosso amor”, postou Xendi nas redes sociais.
“GIGANTE”
No Brasil, o rapper Emicida comentou a morte da ativista e lamentou sua perda: “bell hooks gigante. Descanse em paz. Obrigado por partilhar sua luz com o mundo.”
Rashid, outro nome de destaque no rap brasileiro, também se manifestou: “Que a incrível bell hooks possa ir em paz! Obrigado pelos ensinamentos, por compartilhar suas ideias conosco! Meu coração foi partido por essa notícia. Sua obra é uma riqueza para a humanidade. Que sua família e amigos fiquem firmes.”
''bell hooks me ensinou muito desde que li seus primeiros textos. Depois peguei o hábito de presentear pessoas que não entendiam muito ou questionavam o feminismo com o livro 'O feminismo é para todo mundo'. Sei que esse livro transformou vidas, não só a minha. bell hooks e suas provocações me tiravam do eixo. Tiravam? Não! Ainda tiram e sempre vão tirar''
Taís Araujo, atriz
A atriz Taís Araújo fez um convite aos brasileiros: “bell hooks me ensinou muito desde que li seus primeiros textos. Depois peguei o hábito de presentear pessoas que não entendiam muito ou questionavam o feminismo com o livro 'O feminismo é para todo mundo'. Sei que esse livro transformou vidas, não só a minha. bell hooks e suas provocações me tiravam do eixo. Tiravam? Não! Ainda tiram e sempre vão tirar (…) Vc já leu algo da bell hooks? Se ainda não, não perca essa oportunidade, ela vai te virar do avesso e você vai sair melhor. Viva bell hooks, sua vida, sua história, seu legado!”.