Um processo que teve início na primeira edição da Temporada de Ópera On-line da Fundação Clóvis Salgado, em 2020, quando foi identificada a necessidade de uma produção brasileira contemporânea para o gênero, como forma de fomentar o mercado, chega agora ao seu desfecho.
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Durante o processo criativo, os dramaturgos Ricardo Severo, Djalma Thürler, Julliano Mendes, Luiz Eduardo Frin e Bruna Tameirão – selecionados a partir de um total de 105 inscritos interessados em participar do Ateliê de Criação – escreveram, respectivamente, os libretos “As três mortes de Geraldo Viramundo”, “Não gosto de corpo acostumado”, “Viramundo, viraflor”, “Circunvagantes” e “O julgamento”, que foram musicados pelos compositores André Mehmari, Denise Garcia, Antonio Ribeiro, Maurício de Bonis e Thais Montanari, artistas convidados também participantes do Ateliê.
Eliane Parreiras, presidente da Fundação Clóvis Salgado, considera que “Viramundo – uma ópera contemporânea” é um marco dentro da tradição operística brasileira, pelo processo criativo que forjou o espetáculo e pela inovação de uma instituição pública atuar nesse formato.
“No ano passado, quando tivemos a primeira Temporada de Ópera On-line, mergulhamos na discussão sobre o mercado da ópera no Brasil. Ficou latente a necessidade de as instituições, especialmente as públicas, produtoras de ópera, atuarem no sentido de fortalecer a cadeia produtiva da ópera no país. Esse espetáculo é um divisor de águas, porque fecha um ciclo de pensamento a respeito da valorização e do fortalecimento do mercado da ópera local e nacional”, diz.
INSPIRAÇÃO
Sobre a escolha de “O grande mentecapto” como fonte de inspiração para a criação dessa ópera que, sem romper com a tradição, propõe novos caminhos para o gênero, Eliane aponta que é fruto da consultoria e das conversas com Geraldo Carneiro. Ela diz que um ponto de partida foi o desejo de trabalhar com a mineiridade, com elementos que marcassem a presença do estado dentro do que seria criado.
“Discutimos com Geraldo alguns autores e alguns universos possíveis que trouxessem essa questão, e acabamos chegando a Fernando Sabino e, mais especificamente, a ‘O grande mentecapto’, que é uma obra muito simbólica e que dá liberdade em termos de processos de inspiração e criação de cenas”, diz.
Ela destaca, ainda, que o protagonista da obra – Geraldo Boaventura, vulgo Viramundo – é um personagem sólido, que, por meio de suas andanças por várias cidades, traz muitas referências de Minas Gerais, ao mesmo tempo em que carrega uma dimensão universal, na medida em que possui algo de quixotesco, mas com características muito locais.
Com Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, Coral Lírico de Minas Gerais, Balé Jovem e solistas convidados, o espetáculo reúne as cinco breves óperas, com cinco histórias independentes, com começo, meio e fim, cada uma dentro de seu universo artístico, formando um só programa operístico com narração e sem intervalo – apenas breves respiros entre uma obra e outra para troca de músicos e figurinos. Ao todo, são 31 personagens em que músicos e cantores se revezam, atuando em mais de uma obra e interpretando diferentes papéis.
ENCENAÇÃO
Rita Clemente, que pela primeira vez em sua trajetória dirige uma ópera – ela já havia feito experimentos de espetáculos com um componente lírico em “Dias felizes – suíte em nove movimentos” e “Amores surdos” –, destaca que a própria encenação é o que conecta os cinco libretos de maneira a formar um todo unificado.
“As cinco histórias se relacionam, a princípio, pela livre inspiração que os autores tiveram em ‘O grande mentecapto’. O espectador verá elementos contextuais parecidos, próprios da ficção de Sabino, mas também verá uma semântica de encenação, uma linguagem de encenação, onde alguns vocabulários reincidem em cena, ligados à gestualidade, ao movimento e a trajetórias no espaço. Tudo isso é da escrita cênica. A montagem está ligada por uma iconografia que perpassa todas as obras”, afirma.
Convocada há apenas três meses para assumir a missão de dirigir “Viramundo – uma ópera contemporânea”, Rita diz que todo o processo foi muito fervilhante, e por isso mesmo rápido. “É fabuloso como toda a tradição operística se impõe diante de nós, não só porque a música é uma linguagem poderosa, mas porque existe mesmo uma estrutura de produção que, de certa forma, define os caminhos, o planejamento de ensaios, os cronogramas, tudo o que faz parte da produção e que é muito estruturado. Claro que isso precisa receber um olhar novo, revigorante, que redimensione as necessidades de criação de uma ópera. O projeto existe para pensar esses caminhos, em termos estéticos e éticos”, diz.
PASSADO
A diretora observa que procurou olhar o passado como algo a ser respeitado, “recebê-lo com os vocabulários e o repertório que ele nos traz, mas não abrir mão de um olhar vivo, atual, pensante, em movimento, que, por isso, podemos chamar de contemporâneo”.
Rita comenta que as músicas compostas para cada libreto são muito diferentes entre si. “Mas todas buscam uma certa expansão, algumas se atrevem a lidar com a atonalidade, outras buscam uma lírica a partir da língua portuguesa, usando alguns trejeitos mineiros, alguns modos de falar que a gente chamaria de mineiridades.”
Gabriel Rhein- Schirato destaca que a escolha dos compositores convidados foi orientada pelo desejo de uma multiplicidade de propostas. “Quisemos chamar cinco músicos diversos entre si, de tendências e gerações diferentes, inclusive duas mulheres, porque geralmente a gente pensa nos grandes compositores da história da música e se esquece das mulheres. É um grupo que reúne gerações diferentes e tendências estéticas diferentes. O critério foi justamente a diversidade estética, para colocar em discussão as variadas possibilidades de ópera brasileira hoje”, diz.
LINGUAGEM
Para Livia Sabag, o Ateliê de Criação e seu resultado – o espetáculo que será apresentado na próxima terça-feira – é um marco no processo de construção dessa linguagem, na medida em que envolveu pesquisa, experimentação e reflexão sobre o significado de se fazer ópera hoje no Brasil, sobre a história pregressa do gênero no país e sobre os possíveis caminhos futuros. Ela acredita que esse modelo poderá ser replicado em outros lugares do país, em outras ocasiões.
“É uma questão de estar menos focado na interpretação de obras canônicas e de se pensar o que queremos e o que podemos fazer neste momento do nosso país, quais são nossas características culturais, qual é nossa história, nossa literatura”, diz.
Segundo Lívia, é “fundamental aumentar o espaço da criação e, com isso, renovar o próprio campo da ópera, incluir mais pessoas, expandir as temáticas. O campo da ópera é acusado de ser elitista porque se repete, fica falando para as mesmas pessoas. Costumo dizer que isso não está ligado ao gênero; o gênero não é elitista, o que pode ser elitista é a forma como a gente lida com ele. Garantir o espaço de experimentação e de criação é fundamental, é das premissas desse modelo”.
“VIRAMUNDO – UMA ÓPERA CONTEMPORÂNEA”
Na próxima terça-feira (21/12), às 20h, no Grande Teatro Cemig do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro.) Ingressos a R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada) podem ser adquiridos na bilheteria do Palácio das Artes ou pelo site Eventim. Informações para o público: (31) 3236-7400.