Um disco instrumental de violas. Assim é “Rio aberto”, álbum do cantor, compositor e instrumentista Makely Ka lançado recentemente nas plataformas digitais. O novo trabalho integra a “Trilogia dos sertões”, iniciada com “Cavalo motor” (2015) e que será encerrada com “Triste entrópico”. O repertório traz 12 faixas autorais batizadas com nomes de cursos d’água e rios, além de uma composição de Tavinho Moura.
Dez músicas remetem a afluentes do São Francisco. Outras duas se inspiraram em rios que deságuam no mar, o mineiro Doce e o Vaza-Barris, que banha Canudos, no sertão baiano. “Tento simular o movimento desses rios, os sons de suas corredeiras, quedas d’água, seus poços profundos”, diz o compositor.
CURIOSIDADE
“Rio aberto” é o quinto álbum solo de Makely – ele lançou sete discos, alguns em parceria com amigos. O novo trabalho surgiu de sua curiosidade em relação à sonoridade da viola de 10 cordas, a partir da viagem que fez pelo Vale do Urucuia, no Noroeste de Minas. Lá, Makely aprendeu a afinação “rio abaixo”, muito utilizada pelos músicos da região.Nesse novo álbum, rios e cursos d’água costuram elementos da geografia, história e literatura, ligando o sertão de Guimarães Rosa aos sertões de Euclides da Cunha e ao universo mítico de Elomar.
Makely comenta que busca chamar a atenção para a devastação imposta à natureza, por meio de sua música. “'Rio aberto' tem pegada ambiental também, é uma denúncia, homenagem para os rios Doce e Paraopeba, tão devastados pela mineração”, diz.
Composições experimentais dialogam com a tradição popular, incorporando a microtonalidade, a polirritmia e a pesquisa de timbres contemporâneos. Tocando sua 10 cordas, Makely homenageia Manoel de Oliveira, Renato Andrade, Tavinho Moura, Almir Sater, Heraldo do Monte, Paulo Freire e Ivan Vilela – referências da viola para ele.
“Rio aberto” surgiu despretensiosamente. “Digo isso porque, até então, não tocava viola”, explica Makely Ka. “Comecei a tocar e a compor nesse instrumento há cerca de três anos. Até tive uma viola, mas dei de presente a um amigo, que mora hoje na Alemanha, o João Nogueira”.
Ele comprou outra quando afinações inusitadas chamaram a sua atenção. “Não sou da música instrumental nem violeiro de fato. Porém, ao compor, as músicas iam fluindo feito água e resolvi gravar o disco”, comenta. Com exceção de “Encontro das águas”, canção de Tavinho Moura, todo o repertório foi composto por Makely.
“Somos praticamente eu e a viola nesse disco. Tem três músicas com Gustavo de Souza, que faz o violão comigo; outras duas com baixo, uma com o Paulinho Sartori e outra com o Rodrigo Quintela. Quatro têm arranjos de violoncelo que o Avelar Júnior escreveu e o Felipe José toca”, explica.
Agora, Makely Ka tomou gosto pelo instrumento. “Estou fazendo músicas de viola numa onda meio folk, talvez elas virem disco. São coisas meio Neil Young, até toco uma dele na viola.”
ROSA E EUCLIDES
O primeiro álbum da trilogia,“Cavalo motor”, é inspirado no sertão de Guimarães Rosa. O próximo terá canções ligadas ao universo de Euclides da Cunha.
Compositor requisitado, Ma- kely Ka, de 46 anos, tem canções gravadas por Lô Borges, Samuel Rosa, Titane, Ná Ozzetti e José Miguel Wisnik. Entre outros discos, lançou “Autófago”, “Suíte onírica”, “Danaide” e “Cavalo motor”, esse último com a participação de Arto Lindsay, Susana Salles, Décio Ramos (ex-Uakti) e O Grivo.
“RIO ABERTO”
. Disco de Makely Ka
. Kuarup
. 13 faixas
. Disponível nas plataformas digitais