Não fosse a pandemia, na noite deste 23 de dezembro, uma multidão estaria reunida na Praça do Marco Zero, em Recife, para acompanhar a 18ª encenação do espetáculo natalino "Baile do Menino Deus". Como ainda convém evitar grandes aglomerações públicas no atual estágio da crise sanitária, a apresentação não será feita presencialmente pelo segundo ano consecutivo. Neste 2021, a solução encontrada foi transformá-la em um filme, dirigido por Tuca Siqueira, que vai ao ar às 20h desta quinta-feira (23/12), no YouTube.
Escrito por Ronaldo Correia de Brito e Francisco Assis Lima, o "Baile do Menino Deus" é um espetáculo que recontextualiza a história cristã do nascimento de Jesus com uma abordagem que incorpora elementos da cultura nordestina, como ritmos musicais regionais e elementos folclóricos. Para transformá-lo no longa-metragem de pouco mais de 60 minutos que estreia hoje, algumas adaptações foram feitas.
"Acho que a grande diferença é o protagonismo de Maria e José. Mas os diálogos foram preservados. O que o cinema nos permitiu fazer foi sair de uma câmera fixa e transitar pela cidade, por alguns bairros que ficam no entorno do Marco Zero. De certa forma, é uma maneira de dizer que este é um trabalho de transição. No próximo ano, estaremos de volta à rua, mas, por enquanto, ainda é necessário esse cuidado", explica a diretora.
VOO LIVRE
Esta é a segunda vez que ela dirige uma versão audiovisual do espetáculo. A primeira foi em 2020, quando o "Baile do Menino Deus" foi transformado em live. "Depois do ano passado, eu imaginava que no próximo nós já estaríamos de volta ao presencial. Quando vimos que não seria possível pelo segundo ano, tomamos a decisão de que ele seria transformado em filme", ela conta.
Para Tuca Siqueira, a versão cinematográfica da apresentação é uma espécie de "voo livre" em relação à versão original. "A essência do 'Baile' está lá, mas ele também está repleto de elementos novos", ela afirma.
A maior novidade desta edição é a presença de dois ilustres artistas atuando como solistas: a cantora, compositora e dançarina pernambucana Lia de Itamaracá e o cantor e compositor paraibano Chico César. Minas Gerais também tem um representante no elenco, na figura do cantor e multi-instrumentista Maurício Tizumba, que interpreta o personagem Jaraguá.
"A Lia é a personificação da ternura. Ela tem um carisma e uma luz que invadem a tela e comprovam que existe uma beleza muito grande que não está só na juventude. Já o Chico César traz para a canção que ele apresenta uma interpretação única e com muita firmeza. E o Tizumba é um amor antigo do 'Baile'. O momento do Jaraguá (personagem do artista mineiro) é um dos pontos altos do espetáculo, que une ciranda e frevo. É uma explosão de alegria", comenta Tuca.
ENXOVAL
No "Baile do Menino Deus", Maria (Isadora Melo) mora na cidade de Nazaré, que fica na zona canavieira da Mata Norte de Pernambuco, onde conhece e se casa com José (Marcio Fecher). Grávida, ela viaja para Recife, com o objetivo de comprar o enxoval do bebê. Assim que descem do ônibus, o casal passeia encantado pelas ruas da cidade, até que Maria começa a sentir as contrações do parto, e os dois buscam ajuda dentro de um teatro.
Em segundo plano, um grupo de crianças e o personagem Mateus (interpretado por Arilson Lopes e Sóstenes Vidal) vagam pelas ruas do Recife em busca do local de nascimento do Menino Deus, até que avistam uma estrela acima do teatro e decidem explorá-la.
O elenco ainda conta com Gabi da Pele Preta, Silvério Pessoa, Lucas dos Prazeres, Flávio Leandro e Carlos Filho. A produção é de Carla Valença, a direção de fotografia de Beto Martins e a assistência de Amanda Menelau e Tomás Brandão.
Criado há 40 anos, o texto do "Baile do Menino Deus" faz parte da "Trilogia das festas brasileiras", série de peças que retratam manifestações populares nacionais, especialmente do Nordeste. O espetáculo reimagina a história mais famosa do mundo – o nascimento de Jesus Cristo – incorporando elementos como o sotaque, a música e os ritmos brasileiros, levando em conta as tradições de festas e representações teatrais do Natal.
SONHO
Para esta 18ª edição, a dramaturgia do espetáculo foi reescrita para abordar elementos contemporâneos, como o hip-hop do Okado do Canal, que participa do filme com 16 dançarinos.
"Em 2021, o 'Baile' se expande em cenário real, reforçando o teatro enquanto território do sonho", pontua a cineasta Tuca Siqueira. "A celebração do nascimento de uma criança poderia acontecer em qualquer lugar, mas o Recife é palco para essa festa narrada pelo espetáculo há 17 anos. Então, essa transição de retomada após o isolamento pandêmico percorre algumas ruas do Centro da cidade", observa.
Na opinião da diretora, o conteúdo da produção não atende somente aos espectadores cristãos. Justamente por subverter alguns padrões da história do nascimento de Jesus Cristo, o "Baile do Menino Deus" se torna uma história atraente, independentemente do aspecto religioso, segundo ela avalia.
"Tem uma estética e uma cara nordestina. Acredito que o 'Baile' consiga tocar. Nele nós não estamos falando de uma religião específica. Estamos falando de Brasil, e a intenção é conduzir o espectador para dançar esse baile."
Tuca diz que "desde 2016 nós estamos tendo nossos sonhos roubados com crises políticas e econômicas severas. O 'Baile' é um convite para voltarmos a sonhar. E sonhando a gente consegue mudar. O próximo ano vai ser importantíssimo para transformarmos a realidade".
De acordo com a cineasta, uma das principais mensagens do espetáculo é o sentido de coletividade. "Nele não existe uma cena sequer em que um personagem esteja sozinho. Isso significa alguma coisa."
“BAILE DO MENINO DEUS”
Estreia nesta quinta-feira (23/12), às 20h, no YouTube. Após a estreia, o filme ficará disponível por tempo indeterminado