Jornal Estado de Minas

TEATRO

''O pescador e a estrela'' narra a jornada de um garoto que não pode ver


Nesta sexta-feira (7/1), estreia no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) o musical infantojuvenil “O pescador e a estrela”, cuja temporada vai até 24 de janeiro. Com direção de Karen Acioly e texto original de Thiago Marinho e Lucas Drummond, o espetáculo, gratuito para pessoas com deficiência, conta a história do menino solitário que não consegue enxergar o lado bom da vida. Para reverter isso, ele embarca numa aventura mágica e lúdica para redescobrir o valor do que não pode ser visto.





Conduzido por uma mensageira, que também faz as vezes de narradora da história (Sara Bentes), o menino se transforma no jovem pescador deficiente visual Fabiandro (Lucas Drummond), que se apaixona por uma estrela, apesar de nunca tê-la visto.

Lucas Drummond interpreta o pescador Fabiandro, apaixonado pela estrela que não pode ver (foto: CCBB/divulgação)

VIAGEM AO CÉU

Os dois se encontram todas as noites à beira da praia, onde cantam, dançam e se divertem. Certo dia, a estrela desaparece, e o pescador, decidido a reencontrá-la, parte em uma jornada rumo ao céu.

Com a ajuda de Hortênsia (Luisa Vianna), menina superprotegida pelas tias e ansiosa para conhecer o mundo, Fabiandro passa por altos e baixos, enquanto tenta despistar o casal Prattes, vivido por Diego de Abreu e Thiago Marinho, que planeja roubar a estrela.





“O texto chegou a mim há uns três anos, quando fizemos sua primeira leitura. Naquela época, era necessário rever uma porção de mudanças para trazer a narrativa para o universo das crianças. Após as alterações, o tema que ficou bastante evidente foi o da saudade de algum ente querido que havia partido. A saudade faz com que o nosso protagonista busque as coisas que ele não consegue enxergar”, conta a diretora Karen Acioly.

“A saudade é um sentimento muito silencioso no coração de uma criança, precisamos falar sobre isso. Nosso espetáculo olha para o quê essa criança sente e a escuta. A música nos guia, em movimentos circulares, através do imaginário do menino, que precisa inventar uma cidade, descortinar seus véus e viver perigosa aventura para ver o que sente”, diz Karen Acioly.

O sentido da visão, de maneira ampliada, ajuda a entender a peça, que se propõe a dar protagonismo à deficiência visual e promover a integração entre artistas cegos e videntes, estimulando o debate sobre a acessibilidade nas artes cênicas.





Apesar de interpretar um deficiente visual, Lucas Drummond não é cego, mas ele e os outros integrantes do elenco contracenam com Sara Bentes, atriz portadora dessa deficiência.

Além disso, a atriz e bailarina Moira Braga, também deficiente visual, assina a direção de movimento do espetáculo.

“Para nós, acessibilidade é perceber o outro e se colocar na posição dele. Antes de trabalhar nessa peça, confesso que não sabia nada sobre acessibilidade. Provavelmente, ainda tenho muito a aprender”, conta a diretora.

“Tornar uma peça acessível não é ação simples, pois deve fazer com que tudo seja possível para que as pessoas com deficiência visual participem de todos os processos. Também é importante que essas pessoas estejam na plateia”, diz Karen.




 

 

A peça estreou no CCBB carioca em 2020, seguindo para os centros culturais de Brasília e de São Paulo. Agora, faz em BH a temporada final de sua turnê.

Colocar o texto em prática durante a pandemia fez a diretora assimilar o quanto ele ganhou novo significado. “A saga do espetáculo foi uma história à parte. Quando estreamos no Rio, as pessoas estavam retomando rotinas fora de casa. Foi muito emocionante e nos fez perceber o quanto a saudade, tratada na peça, está presente na vida das pessoas. É uma história de perda e superação, que hoje tem novo significado depois de tudo o que aconteceu nos últimos dois anos.”


ESTREIA EM BH

Pela primeira vez, a atriz, cantora, compositora e escritora Sara Bentes se apresenta na capital mineira. A trajetória dela em “O pescador e a estrela” começou em julho do ano passado, quando foi convidada para substituir o ator Felipe Rodrigues.




“Eles me procuraram perguntando se gostaria de participar. Fui indicada pela Moira (Braga), minha amiga. Embora fosse o personagem interpretado por um homem, os autores aceitaram fazer a alteração de gênero e entrei de cabeça, já que preenchia todos os requisitos para o papel: sou atriz, tenho deficiência visual, canto e toco piano”, afirma.

Sara passou o mês de agosto de 2021 ensaiando todos os detalhes do roteiro para entrar em cena em setembro, em São Paulo. “Foi uma aventura. Minha estreia tinha cara de ensaio aberto ainda”, comenta.

A atriz interpreta a mensageira e a narradora da história. Com o desenrolar da narrativa, ela se torna o pelicano que interfere de forma significativa no destino dos personagens.

“Foi muito interessante desenvolver esses dois personagens, ainda mais porque deixo de ser um e passo a ser o outro em cena. Tive que trabalhar bastante a postura e o tom de voz para demarcar com bastante clareza quem é quem”, explica.





Cantora com três álbuns lançados – “Faz sempre sol” (2012), “Invisível” (2012) e “Tudo o que me faz vibrar” (2018) – e professora de canto, Sara não teve dificuldade para se adaptar às canções da peça, criadas para tom de voz mais grave que o dela. “Minha voz já é bastante preparada, só precisei aumentar a extensão vocal porque não dava tempo de regravar as bases das músicas do espetáculo.”


ACESSIBILIDADE ONIPRESENTE

De acordo com Sara, o espetáculo não fala diretamente sobre acessibilidade, mas o assunto está presente de forma indireta e muito claramente na proposta do texto e do projeto.

“Ela (a peça) não precisa falar disso, porque ela faz. A acessibilidade está acontecendo quando o personagem central é cego. Ou por eu, atriz com deficiência visual, fazer parte do elenco. A acessibilidade está no piso tátil do palco, que permite que me locomova em cena. E também nas adaptações nos bastidores do teatro, na coxia e no camarim para que eu tenha autonomia”, comenta.





Para Sara, a principal mensagem do espetáculo está na maneira de enxergar (sem ironia) o mundo. “Tudo é possível quando a gente quer. Os personagens trazem isso sob a forma da imaginação. Mas isso também está presente quando temos deficientes visuais no palco e na produção. Nós, artistas com essa deficiência, não temos tanta visibilidade porque as pessoas não conseguem imaginar possibilidades para nós. O que acontece é que um ator que não é deficiente acaba interpretando o papel de alguém com a deficiência, sem que isso seja compensado”, analisa.

“No caso do nosso espetáculo, isso acontece ao mesmo tempo em que foi aberta uma oportunidade para quem é deficiente visual, então existe um equilíbrio. Mas faltam muitas outras oportunidades, porque as pessoas não conhecem e não sabem das possibilidades. Tudo é possível quando a gente deseja. Essa frase aparece bastante no texto e, de certa forma, define a mensagem do espetáculo.”

Este ano, Sara Bentes voltará a BH com uma peça da companhia Teatro Cego, que encena montagens totalmente na escuridão.

“O PESCADOR E A ESTRELA” 

Estreia hoje (7/1), com temporada até 24/1. De sexta a segunda-feira, às 16h. Sessões com audiodescrição (21/1) e tradução em libras (23/1 e 24/1). Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), à venda no site bb.com.br/cultura. Parte das entradas será destinada gratuitamente a pessoas com deficiência e acompanhante, mediante envio de autodeclaração pelo e-mail contato@palavraz.com.br




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