Imenso. Esse é o tamanho da responsabilidade que A Maia carrega ao quebrar paradigmas por ser atriz transexual interpretando personagem cuja sexualidade não está em foco. “É a quebra de paradigmas. É genial que o diretor Allan Fiterman e o autor Mauro Wilson tenham escolhido esse caminho”, comenta ela. “Faz a gente rever imagens do que já está bem consolidado. A Morte, muitas vezes, foi representada de forma tétrica. Fazer a personagem como mulher jovem e bela ressignifica alguns valores. Isso é importante em muitos sentidos”, afirma.
O preconceito é a base de muitas violências. Muitos desses valores têm como representação a figura masculina, branca, hétero, cis. Tudo isso é invenção social, é conveniente. São valores construídos por grupos dominantes a sua imagem e semelhança
A Maia, atriz
MARGINALIZAÇÃO E TABU
“Por muito tempo e ainda nos dias atuais, o caminho de uma pessoa trans segue o da marginalização. Ainda existe muito preconceito, muito tabu, muita moralização e discriminação. Tudo isso é violência em relação aos nossos corpos. Um papel desses, que não coloca à frente a questão de gênero, é necessário”, explica A Maia.
A atriz se sente ainda mais desafiada porque Fernanda Montenegro e Patrícia Pillar foram nomes cogitados para o papel.
A Maia, que se chama Marcella Maia, tem 30 anos. Mineira de Juiz de Fora, foi criada em Brasília, já morou na Europa e também é cantora. Sua personagem A Morte “assombra” o quarteto protagonista, formado por Neném (Vladimir Brichta), Paula (Giovanna Antonelli), Guilherme (Mateus Solano) e Flávia (Valentina Herszage).
De acordo com a atriz, sua presença na novela ajuda a esclarecer a população sobre questões de gênero. “O preconceito é a base de muitas violências. Muitos desses valores têm como representação a figura masculina, branca, hétero, cis. Tudo isso é invenção social, é conveniente. São valores construídos por grupos dominantes a sua imagem e semelhança”, observa. “Mas esses estereótipos não representam a maioria. São diversos e plurais os corpos, os gêneros, as crenças e as etnias”, comenta, observando que a compreensão disso é a adoção de práticas mais inclusivas.
Embora essa discussão venha se ampliando, também aumenta a transfobia. Entre outubro de 2020 e setembro de 2021, 125 travestis e homens e mulheres trans foram assassinados no Brasil, de acordo com o projeto Transrespect versus Transphobia Worldwide (TvT), da ONG Transgender Europe (TGEU).
“As opiniões estão mais escancaradas e públicas. À medida que vemos um levante e progressos, vemos também as reações e o ódio. Parece-me que hoje temos alguns avanços nesse sentido, mas justamente num período em que o ódio às diferenças foi institucionalizado. Já me senti insegura em muitos momentos”, revela.
TRÊS PERGUNTAS PARA
A MAIA/ATRIZ
Em séries como “Todxs nós”, da HBO, a ligação com a causa LGBTQIA+ é mais clara por causa da temática explorada no roteiro. Esse tipo de série acaba levando a discussão apenas para um nicho, ao contrário da novela das sete?
Sim. A novela das 19h, que é um horário nobre na TV, comunica em massa. A televisão é cultura de massa, com grande alcance popular. Os assuntos são levados pensando nisso. Nas séries em canais fechados, o público escolhe a programação, então você “nicha” e fala com mais abertura sobre certos temas. É direcionado. Por isso, levar algumas discussões para o grande público, que antigamente eram consideradas grande tabus, representa muitas vitórias.
A novela tem outros personagens da comunidade LGBTQIA , como a Chefe e a personagem da Nany People. O caminho para a representatividade está sendo percorrido, mesmo lentamente?
Sim, podemos ver alguns avanços. Hoje, existem mais políticas e espaços de inclusão e discussão. Podemos ver artistas trans em novela sem que sua sexualidade seja o foco. Trazer mais de uma artista trans para a trama é um ganho. As disparidades ainda são grandes, mas precisamos sempre enaltecer os ga- nhos e lutar por mais avanços.
Antes de “Quanto mais vida, melhor!”, você estava de mudança para Portugal. Essa mudança tem a ver com o preconceito e a violência no Brasil?
Morei na Europa por um tempo. O Brasil é o lugar do mundo que mais mata pessoas trans. Amo meu país, mas, com esses índices, é impossível você se sentir totalmente segura. Fora do país, a vida, em muitos níveis, acaba se tornando mais tranquila para trabalhar e viver.