O Morro do Pau Comeu, uma das primeiras favelas de Belo Horizonte, que abrigou os primeiros operários na construção de Belo Horizonte, está triste neste sábado (15/1). Morreu Newton Boaventura, o Newtinho Maravilha, aos 70 anos, de falência múltipla dos órgãos.
Newtinho Maravilha, como era conhecido, era das maiores expressões artísticas da capital mineira. Ele começou a carreira ao lado de Célio Balona, na Rádio Guarani e TV Itacolomi, e já cantou com nomes como Dona Ivone Lara, Martinho da Vila, Milton Nascimento, Gilberto Gil e Alceu Valença.
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Nos EUA, onde viveu grande parte de sua vida, sendo atração dos shows do hotel-cassino em Reno, em Nevada, ou no Taj Mahal, em Atlantic City (EUA), ambos de propriedade de Donald Trump, se apresentou com com B.B. King, Dionne Warwick, Bob Dylan, Patti LaBelle, Woopi Goldberg e Bobby McFerrin.
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Artistas lamentam morte de Marília Mendonça e mais quatro em MinasMorte de Tio Wilson, baterista da Lagum, repercute entre fãs e artistas“O Pau Comeu perdeu seu grande artista. Cantou em Paris e Nova York. Não me esqueço dele, descendo da favela, pela rua Camões, de smoking preto e sapato bicolor. Era uma elegância só”, diz o músico Júlio Costa Val, o Juleba.
Nascido e criado no Morro do Pau Comeu, no Bairro São Lucas, na Região Centro-Sul da capital, ele morava naquela comunidade com uma das filhas e o xodó, a neta Hillary.
Boa-praça, o cantor mineiro teve infância difícil. A mãe, dona Lourdes, era lavadeira. Atendia clientes famosos, como o técnico de futebol Yustrich e o ex-presidente do Cruzeiro Carmine Furletti. “Ela me mandava entregar as roupas que lavava e passava. Menino, gostava de ir a todas aquelas casas, pois sempre sobrava um lanchinho. Mas na do Yustrich era diferente, ele era bravo”, conta.
Muitas vezes, o garoto parava na descida do morro para jogar futebol. Colocava a trouxa num canto, no meio do mato, para não sujar. “Certa vez, a roupa amassou e não vi. Quando cheguei na casa do Yustrich, ele me esculhambou. Xingou tanto que achei que ia me bater. Voltei com tudo para trás. Depois, foi falar com minha mãe que não queria roupa amassada”, relembrou Newton, às gargalhadas.
Futebol que nada... Era de música que o moleque gostava. E o destino lhe deu um empurrãozinho. “Minha mãe me levou para fazer teste para a guarda mirim. Não passei. Ela ficou brava e, na saída, topamos com a banda e o coral da guarda. Ela parou, me empurrou e foi logo gritando: ‘Ele sabe cantar’. Acabei entrando para o coro”, contou.
O tempo passou. Um dos fregueses de dona Lourdes arrumou um emprego de office boy para o rapazinho no jornal Estado de Minas. De lá, ele foi para a Rádio Guarani. No estúdio, aprendeu a mexer nos equipamentos. Nas horas vagas, cantava pelos corredores da emissora.
“Certo dia, o Célio Balona me viu e perguntou se não queria me apresentar no programa "Brasa 4", da TV Itacolomi, pois um cantor tinha faltado por estar doente. Fui lá e deu certo. Foi assim que virei cantor”.
As portas se abriram para Newtinho, que passou a se apresentar na capital. No começo, cantava músicas de Gervásio Horta. Balona o levou para se apresentar no Rio de Janeiro e ele ficou amigo de famosos.
Costumava dizer: “Imagina: eu, aqui do Pau Comeu, me apresentando nos mesmos palcos de Dona Ivone Lara, Martinho da Vila, Milton Nascimento, Gilberto Gil e Alceu Valença lá no Rio de Janeiro. Foi demais. Estava diante dos meus ídolos”, relembra.
O Rio de Janeiro foi uma espécie de vitrine para o mineiro. Lá, recebeu convites para cantar em Paris, na França, e em Madri, na Espanha. Aceitou na hora. De volta ao Brasil, apareceu a chance de ouro, que mudaria sua vida.
Uma das produtoras da Oba-Oba, a casa de shows do Osvaldo Sargentelli, lhe perguntou se queria ir para os EUA. O cantor do grupo de samba de lá tinha sido demitido e precisavam de outro. Newtinho não pestanejou. Aceitou na hora. Teve contato com um empresário italiano, com quem acertou a viagem, uma semana depois.
O empresário italiano lhe deu o dinheiro para viajar de avião para Belo Horizonte. Mas Newtinho resolveu viajar de ônibus e contava, que quando chegou a BH, estava rico.
A viagem para os EUA aconteceu na semana seguinte. Não falava uma palavra de inglês, contava. E lá, ficava calado. Sorria pra todo mundo que falava com ele. Foi levado para Reno, no estado de Nevada. O mineiro chamou a atenção. No fim da década de 1980, o samba tinha mercado na terra do Tio Sam. Convidado para fazer shows em Los Angeles, Newton não poderia sonhar que se encontraria com alguns de seus ídolos.
Ao ser contratado para cantar no Teatro Paramount, foi para a sala de maquiagem e lá entrou um outro negro. Ele se surpreendeu. Era Bobby McFerrin, de quem ele fazia imitações no Brasil. Ficou alucinado.
Seu prestígio cresceu. Foi morar no Taj Mahal, o mega hotel-cassino de Atlantic City. Costumava ver por lá Donald Trump, o proprietário.
Ele ficou nos EUA por seis anos. Cantou com B. B. King e Bob Dylan, dois ícones da música. Depois, mudou-se para o Canadá, onde trabalhou por seis meses. De volta aos EUA, decidiu retornar ao Brasil na década de 1990, pois o samba já não fazia tanto sucesso por lá.
Em BH, passou a apresentar-se com Marilton Borges, no Automóvel Clube e no Walter Piano Bar. Também marca presença em sua comunidade, animando festas no Pau Comeu. “É lá que fica o “Clube da Esquina” de Newtinho Maravilha”, costumava dizer.
E das idas à frança, para shows, ganhou um apelido: Le Noir du Senegal. “Vê se pode... Sou brasileiro. Meu negócio é samba”, dizia, às gargalhadas.
Newtinho Maravilha será sepultado às 14h30, no Cemitério da Saudade. Não haverá velório.