Jornal Estado de Minas

LITERATURA

Centenário da Semana de 22 agita o mercado editorial neste início de ano



O centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 vai mobilizar, ao longo deste ano, vários olhares e reflexões acerca do importante marco que, pode-se dizer, inaugurou tardiamente o século 20 no Brasil, no âmbito cultural. Vários autores se debruçam sobre o tema, na esteira da efeméride, e editoras estão com obras no prelo, que começam a vir à luz a partir dos próximos dias.



A Autêntica chega com “A revista Verde, de Cataguases: contribuição à história do modernismo’, de Luiz Ruffato; “Inda bebo no copo dos outros”, reunião inédita de textos dispersos de Mário de Andrade, selecionados, organizados e apresentados por Yussef Campos; e a reedição de “Mário de Andrade: exílio no Rio”, de Moacir Werneck de Castro.
 
A Companhia das Letras oferece pacote maior, com relançamentos e obras que revisitam a Semana de 22 à luz da contemporaneidade – caso de “Modernismos 1922-2022”, que enfeixa 29 ensaios sobre a Semana, seus antecedentes e desdobramentos, privilegiando novas interpretações sobre os bastidores do modernismo paulista e a longeva repercussão de seus manifestos e produções. Organizado pela professora, pesquisadora e tradutora Gênese Andrade, com consultoria de Jorge Schwartz, o livro reúne autores consagrados em diversos campos da crítica.
 
Outros títulos da Companhia das Letras são “Diário confessional”, documento inédito da intimidade de Oswald de Andrade, com organização de Manuel da Costa Pinto; as reedições de “Serafim Ponte Grande”, romance-chave de Oswald, e “Parque industrial”, que marcou a estreia literária de Patrícia Galvão, a Pagu; “O guarda-roupa modernista”, de Carolina Casarin, que investiga o vestuário dos protagonistas do modernismo; e “Modernidade em preto e branco”, de Rafael Cardoso, que explicita as tensões políticas, raciais e sociais por trás das representações triunfalistas.




 
A Edusp lança “Obra incompleta”, de Oswald de Andrade, que, dividida em dois tomos com 1.656 páginas, reúne parte significativa da produção do modernista: toda a poesia, os romances “Memórias sentimentais de João Miramar” e “Serafim Ponte Grande”, além de textos diversos sobre o ideário antropofágico – manifestos, textos de tese e de crítica.
 
Coordenada por Jorge Schwartz, a edição crítica contou com a colaboração de vários pesquisadores, com destaque para Gênese Andrade e Maria Augusta Fonseca.

CRÍTICA EM DESTAQUE

Gênese Andrade considera que a reverberação da Semana de Arte Moderna de 1922, cem anos depois de sua realização, entre 11 e 18 de fevereiro daquele ano, no Theatro Municipal de São Paulo, se justifica pela obra muito consistente construída a partir dela.
 
“O impacto da Semana de 22 se deu mais por um olhar retrospectivo do que no momento em que foi realizada. À medida em que foi sendo revista e revisitada, foi ganhando um espaço na crítica, para o bem e para o mal”, aponta.




 
Ela ressalta que o grupo protagonista do evento – Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Villa-Lobos, Menotti Del Picchia e Plínio Salgado, entre outros – tinha a proposta clara de renovação estética, e ousou fazer um evento que não era usual, porque reunia várias expressões artísticas.
 
“Se não fosse relevante, não seria comemorado com tanta ênfase a cada 10 anos. Por sua ousadia e desdobramentos, ele se tornou perene”, aponta.
 
Gênese salienta que o verso livre, por exemplo, ganhou força a partir de 22, e que o próprio Carlos Drummond de Andrade se dizia devedor da poesia que começou a circular a partir daquele ano. Aponta que os desdobramentos do movimento são claramente observados com a revisão que houve a partir dos anos 1950, por meio da poesia concreta, da obra de Hélio Oiticica e da Tropicália.
 
Artistas e intelectuais que participaram da Semana de Arte Moderna, no Theatro Municipal de São Paulo (foto: Reprodução)
 

VALOR ESTÉTICO

“A antropofagia também é revisitada por Zé Celso Martinez Corrêa e pelo Cinema Novo. Isso tudo faz com que o modernismo continue muito forte, continue sendo relido. Ninguém contesta o valor estético de ‘Serafim Ponte Grande’, de ‘Macunaíma’, da música de Villa-Lobos ou das pinturas de Tarsila. As obras modernistas seguem com alto valor de mercado e com muita visibilidade fora do Brasil, como é o caso dos quadros de Tarsila”, ressalta.




 
A especialista pondera que releituras sempre trazem novas questões, como é o caso de “Modernismos 1922-2022”. “O livro tem o objetivo de preencher lacunas e responder questões contemporâneas sobre a Semana. A seleção dos ensaístas está relacionada com suas especialidades em abordagens mais inovadoras, que dialogam com demandas atuais. Chamamos a atenção para temas que estão em evidência hoje”, aponta.
 
Dessa forma, Lilia Schwarcz escreve sobre a representatividade dos artistas negros no âmbito do modernismo. Regina Teixeira de Barros fala da presença das mulheres artistas no movimento, tema que também perpassa o ensaio de Maria de Lourdes Eleutério, com foco nas escritoras. Elias Thomé Saliba discute a relação dos modernistas com a política. César Braga-Pinto discute a questão da sexualidade de Mário de Andrade.
 
Luiz Ruffato diz que a importância da revista 'Verde', de Cataguases, para o modernismo é maior do que se pensou até agora (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)


REVISTA 'VERDE' E VANGUARDA

Alguns ensaios abriram caminho para que autores se aprofundassem no tema abordado e acabassem criando obras autônomas. É o caso de Luiz Ruffato, que, a partir do texto “No meio do caminho”, presente em “Modernismos 1922-2022”, desenvolveu “A revista Verde, de Cataguases: contribuição à história do modernismo”, que será lançado pela Autêntica.




 
“Este é um momento em que temos de refletir um pouco sobre o que significou a Semana de 22 para o modernismo brasileiro e qual legado deixou. Escrevi um texto sobre o modernismo em Minas, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul para o livro que a Gênese Andrade organizou. Quando comecei a fazer as pesquisas, pensei que tinha muita coisa que não ia caber naquele texto”, diz Ruffato.
 
O livro dele traz nova contribuição para a compreensão do desenvolvimento e consolidação das ideias modernistas no Brasil, por meio da abordagem do movimento vanguardista de Cataguases (MG), desfazendo a versão historiográfica de que a “Verde”, bem como toda a efervescência cultural observada no município à época, foi fruto de um “fenômeno inexplicável”.
 
“Não é inexplicável e nem é fenômeno”, diz Ruffato. “Sempre me incomodou essa coisa de ‘fenômeno inexplicável’, porque isso não existe. Comecei a tentar entender o que havia em Cataguases naquele momento para proporcionar o aparecimento da revista”, diz, sobre a publicação que foi importante veículo de divulgação das ideias de Mário de Andrade e Oswald de Andrade.




 
“As pessoas olham a Cataguases daquela época com os olhos de hoje. Mas você tem de olhar o que era Cataguases em 1927, quando a revista surgiu. Em primeiro lugar, não era uma cidade pequena, tinha cerca de 17 mil habitantes, ao passo que Belo Horizonte tinha pouco menos de 100 mil. Fiquei pensando nessa relação. A diferença hoje é incomparavelmente maior. No Brasil totalmente rural, Cataguases era cidade industrial. Você tinha revistas modernistas no Brasil inteiro, uma série delas entre 1922 e 1926, mas em 1927 não havia publicação modernista importante circulando, por isso o pessoal de São Paulo viu na ‘Verde’ espaço mais do que adequado para seguir movimentando suas ideias”, aponta.
 
No final da década de 1920, Mário de Andrade escreveu crônica em um jornal de São Paulo em que fazia o balanço das publicações modernistas. Deixava claro que Minas teve dois grandes momentos: com “A revista”, em Belo Horizonte, e a “Verde”, em Cataguases.
 
“Mário dizia que ‘A revista’ foi importante porque deu pelo menos um grande nome ao cenário cultural brasileiro, o Drummond, mas que a ‘Verde’ foi um espaço democrático de movimentação de ideias. Isso ficou um pouco esquecido na historiografia brasileira. Muitas pessoas não dão muita importância para a ‘Verde’, mas ela foi muito relevante. Se não deu grandes nomes para a literatura brasileira, foi um espaço muito rico para a discussão de ideias”, aponta Luiz Ruffato.




 

LANÇAMENTOS

(foto: Autêntica/reprodução)
 

» A REVISTA VERDE, DE CATAGUASES: CONTRIBUIÇÃO À  HISTÓRIA DO MODERNISMO
 
. De Luiz Ruffato
. Editora Autêntica
. 176 páginas
. R$ 49,80
. Lançamento em 11/2

 
 
 
 
 
(foto: Cia das Letras/reprodução)
 
» DIÁRIO CONFESSIONAL
 
. De Oswald de Andrade
. Cia. das Letras
. 560 páginas
. R$ 99,90
. R$ 39,90 (e-book)
. Lançamento em 28/1

 
 
 
 
 
(foto: Cia das Letras/reprodução)
 
» MODERNIDADE EM PRETO EM BRANCO
 
. De Rafael Cardoso
. Cia. das Letras
. 356 páginas
. R$ 99,90




. R$ 39,90 (e-book)
. Lançamento em 28/1

 
 
 
 
 
 
(foto: Cia das Letras/reprodução)
 
» MODERNISMOS 1922-2022
 
. Organização: Gênese Andrade
. Cia. das Letras
. 880 páginas
. R$ 159,90
. R$ 49,90 (e-book)
. Lançamento em 28/1

 
 
 
 
 
 
(foto: Cia das Letras/reprodução)
 
» PARQUE INDUSTRIAL
 
. De Pagu
. Cia. das Letras
. 112 páginas
. R$ 49,90
. R$ 29,90 (e-book)
. Relançamento em 28/1

 
 
 
 
 
(foto: Cia das Letras/reprodução)
 
» SERAFIM PONTE GRANDE
 
. De Oswald de Andrade
. Cia. das Letras
. 216 páginas
. R$ 74,90




. R$ 39,90 (e-book)
. Relançamento em 28/1

 
 
 
 
(foto: Cia das Letras/reprodução)
 
» OSWALD DE ANDRADE – OBRA INCOMPLETA

. Organização: Jorge Schwarcz
. Dois tomos
. Edusp
. 1.656 páginas
. R$ 224
. Lançamento em fevereiro