O rock produzido no Brasil existe desde os anos 1950. Foi tomando corpo nas décadas seguintes, de acordo com o contexto de cada período. Mas somente a partir dos anos 1980 se formou como movimento – até então, o que havia eram artistas de rock, caso dos Mutantes, Som Imaginário e Raul Seixas, o maior dos roqueiros.
“O rock não admite nenhum tipo de censura, então ele só explodiu como movimento com o fim da ditadura”, comenta o jornalista, produtor e escritor Nelson Motta. O período de redemocratização, iniciado em 1975, que culminou com o fim da ditadura uma década mais tarde (com a eleição, indireta, de Tancredo Neves à presidência), está na gênese do rock enquanto movimento. “E incluía não só música, como teatro, artes gráficas, o Circo Voador...”, comenta Motta.
Rock Brasil, BRock, Rock 80, chame do que quiser. Não há como ter vivido no país nos últimos 40 anos sem saber o que ele significou. E significa até hoje, pois vários de seus representantes continuam na ativa. Com início nesta quarta-feira (26/1), no Centro Cultural Banco do Brasil, em Belo Horizonte, o projeto Rock Brasil 40 anos pretende mostrar vários lados desta história nas próximas quatro semanas.
PROGRAMAÇÃO MULTIMÍDIA
Caso não sejam implementadas novas medidas restritivas para conter a disseminação da COVID-19 na capital mineira, o evento vai promover shows, espetáculos teatrais, exposições (duas com fotos da época feitas por Cristina Granato, e outra com obras de Luiz Stein e Zé Carratu, artistas que emergiram nos anos 1980, assinando capas de discos e cenários de vários artistas), sessões de cinema e palestras, até 21 de fevereiro.
A programação prevê ocupar os dois teatros do CCBB e o foyer. “Só vamos realizar o projeto porque é possível realizá-lo de forma segura. Temos protocolos a seguir, e os lugares do teatro só poderão ser ocupados com aqueles que estão em dia com a vacina”, comenta Péricles Mecenas, da Peck Produções, criador do festival.
Será quase um ano de projeto – começou no Rio, em outubro, chega agora a BH, e em março vai para São Paulo (CCBB e Memorial da América Latina). No final de abril, volta ao Rio (Marina da Glória), e entre maio e junho estará em Brasília (CCBB). Mecenas acrescenta que, se "porventura artistas e suas equipes testarem positivo e não puderem ser substituídos, o show precisará ser adiado”.
A programação vai até a área externa, onde será montado o quiosque Arpoador, cujo cardápio foi inspirado na Barraca do Pepê, criada em 1979, na Praia do Pepino, em São Conrado (tendo migrado mais tarde para a Barra da Tijuca) pelo campeão de surfe e voo livre Pedro Paulo Guise Carneiro Lopes (1957-1991).
A extensa agenda de shows terá dois formatos. Os de sábado e domingo, no Teatro 1 do CCBB, serão um show completo, com banda. No fim de semana de abertura, as atrações são Fernanda Abreu (29/1) e Evandro Mesquita (30/1), integrantes da formação original da Blitz, a primeira banda do rock nacional a estourar – em junho de 1982, foi lançado o compacto com “Você não soube me amar” de um lado e, no outro, Mesquita falando “nada, nada, nada, nada...”.
Os chamados pocket shows, alguns no Teatro 1 e outros no 2, terão artistas acompanhados apenas de seu violão ou de poucos músicos. Algumas dessas atrações dividirão o palco com Nelson Motta, que fará, antes dos shows, palestras sobre o período. Serão quatro ao todo, desta sexta (28/1) até 18 de fevereiro. Dois dias depois da última palestra, Motta se muda, de armas e bagagens, para Lisboa – a previsão é passar ao menos um ano na capital portuguesa.
“Eu tenho umas notas básicas, mas muita coisa vou improvisando, conforme o público. A parte de que mais gosto é a das perguntas”, comenta ele, que entre 1980 e 1990 esteve à frente, no Morro da Urca, da boate Noites Cariocas. “Todas as bandas do rock passaram lá pelo menos uma vez.”
Também nesta sexta, na sequência do bate-papo com Motta, a banda Hanói Hanói faz o primeiro show do evento. Será a terceira apresentação do cantor, compositor e baixista Arnaldo Brandão desde o início da pandemia. O grupo, formado em 1985, conta com Ricardo Bacelar (guitarra e teclado), Sérgio Vulcanis (guitarra) e Marcelo da Costa (bateria).
Brandão já tocava muito antes de formar o grupo. “A ditadura estava caindo de podre, as portas estavam meio arrombadas, e a Blitz deu o pontapé de tudo”, conta. Brandão acompanhava Caetano Veloso no final dos anos 1970; depois formou, com Cláudio Zoli, a banda Brylho, que estourou com “Noite do prazer”. “Naquela época não dava para fazer três trabalhos ao mesmo tempo. Por causa do sucesso, parei com o Caetano e fiquei com o Brylho. Aí, quando a banda brigou, montei o Hanói.”
Belo Horizonte, segundo Brandão conta, é essencial para a existência do grupo até hoje – a formação original, vale dizer, contava com Affonsinho na guitarra.
“A gravadora a que a gente pertencia, RCA (depois BMG), nunca nos deu a menor importância. Lançamos o primeiro disco em 1986, e ‘Totalmente demais’ estourou nas rádios de BH e de São Paulo. Em Belo Horizonte, foi um divulgador, Abraão, e o Fernando Furtado (empresário do Skank), que era estudante da PUC, que levaram a música para as rádios tocarem. Nossa gravadora nunca pagou para tocar, aparecer no Chacrinha, no ‘Fantástico’. Tanto que hoje somos praticamente desconhecidos no Rio de Janeiro, e temos um público muito fiel em Minas Gerais.”
Tal fidelidade foi reconhecida – em 2017, o Hanói gravou em Nova Lima, numa festa da Insanidade, um DVD ao vivo, comemorativo dos 30 anos. Um imbróglio jurídico, que está em vias de ser finalizado, impediu o lançamento do projeto.
Para a realização do evento, alguns nomes foram tirados da cartola. Os quatro espetáculos teatrais que serão apresentados – o primeiro deles, “Cássia Eller, o musical”, terá sessões nesta quarta (26/1) e quinta (27/1) – voltaram a ser montados exclusivamente para o evento.
“O João Penca também voltou para o projeto. O convite foi feito por meio do Leo Jaime (que também fará um show). Foi ele quem nos trouxe a boa notícia de que a banda voltaria para o projeto”, diz Péricles Mecenas.
ROCK BRASIL 40 ANOS
Desta quarta (26/1) a 21 de fevereiro, no Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400). Programação completa: bb.com.br/cultura. Ingressos (teatro, shows e palestras + pocket shows): R$ 30 e R$ 15 (meia). Filmes e exposições gratuitos. Vendas pelo site Eventim. Para as sessões de cinema é necessária a retirada de ingresso.
ALTO E BOM SOM
Confira a programação do projeto
» SHOWS (sábados e domingos, às 20h, no Teatro 1, com 262 lugares)
29/1 – FERNANDA ABREU
30/1 – EVANDRO MESQUITA
5/2 – BARÃO VERMELHO
6/2 – NANDO REIS
12/2 – KIKO ZAMBIANCHI
13/2 – DINHO OURO PRETO
19/2 – LEO JAIME
20/2 – ROGÉRIO FLAUSINO E WILSON SIDERAL
» PEÇAS (quartas e quintas, às 20h, no Teatro 1)
26 e 27/1 – “CÁSSIA ELLER, O MUSICAL”
2 e 3/2 – “CABEÇA, UM DOCUMENTÁRIO CÊNICO”
9 e 10/2 – “RENATO RUSSO, O MUSICAL”
16 e 17/2 – “CASAS DE CAZUZA”
» PALESTRAS NELSON MOTTA POCKET SHOWS (sextas, às 20h, no Teatro 2, com 80 lugares)
28/1 – HANÓI HANÓI
4/2 – IRA! FOLK
11/2 – ANDRÉ FRATESCHI
18/2 – CLÁUDIO ZOLI
» POCKET SHOWS (segundas, no Teatro 1, e sextas no Teatro 2)
28/1 – RODRIGO SANTOS (19h)
31/1 – PAULINHO MOSKA (20h)
4/2 – GEORGE ISRAEL (19h)
7/2 – ARNALDO ANTUNES (20h)
11/2 – HUMBERTO EFFE (19h)
14/2 – PAULO RICARDO (20h)
18/2 – TONI PLATÃO (19h)
21/2 – JOÃO PENCA (20h)
» FILMES (diariamente, às 13h e 17h, no Teatro 2)
.“BARÃO VERMELHO: POR QUE A GENTE É ASSIM?” (2017, de Mini Kerti)
.“FAROESTE CABOCLO” (2013, de René Sampaio)
.“BLITZ, O FILME” (2019, de Paulo Fontenelle)
.“TITÃS: A VIDA ATÉ PARECE UMA FESTA” (2008, de Oscar Rodrigues Alves e Branco Mello)
.“SOMOS TÃO JOVENS” (2013, de Antônio Carlos da Fontoura)
.“CAZUZA: O TEMPO NÃO PARA” (2004, de Walter Carvalho e Sandra Werneck)
.“OS QUATRO PARALAMAS” (2020, de Roberto Berliner e Paschoal Samora)