Jornal Estado de Minas

CINEMA

No documentário "Grade", presos se tornam atores das próprias cenas


Não fosse a Mostra de Cinema de Tiradentes, o filme “Grade”, último dos sete longas da Mostra Aurora a estrear na 25ª edição do evento, poderia ter sido outro. Em 2019, o diretor pernambucano Lucas Andrade esteve no festival. Tinha a ideia de que seu primeiro longa seria realizado em uma Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), com a participação dos próprios presos na criação do filme.





Na época, estava em contato com a Apac de Pouso Alegre, no Sul do Estado. Mas, uma vez em Tiradentes, ele foi conhecer a associação de São João del-Rei. E se sentiu tão bem recebido que resolveu realizar ali “Grade”, que estreia nesta sexta (28/1), às 22h, na Mostra. 

Existem 35 unidades da Apac em Minas Gerais. A recuperação e a reintegração de condenados é a meta da associação. A principal diferença entre a Apac e o sistema prisional comum é que os recuperandos (como os presos são chamados) têm suas próprias responsabilidades. Não há vigilância armada nem tampouco a presença de policiais – a lógica é que os recuperandos cuidem de si próprios e dos outros. Eles têm as chaves dos portões e devem trabalhar e estudar.

OFICINAS 

Tais questões são apresentadas em “Grade”, mas de forma nada convencional. O longa vagueia entre o documentário e a ficção, pois coloca os recuperandos literalmente em ação. Eles se tornam atores de esquetes que eles próprios criaram durante oficinas devolvidas por Andrade e sua equipe no local, entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020. Entremeando estes momentos há sequências da vida no local.





“Se você não aprender aqui dentro, será um fracasso lá fora!”, diz uma das muitas frases emolduradas nos ambientes da instituição. Deixar um presídio convencional e chegar a uma Apac é um ganho para o condenado – mas, uma vez lá dentro, são muitas regras a seguir. Quem não consegue (ou não quer) se adaptar é mandado de volta “lá pra cima”, como eles se referem à penitenciária.

 “Queria mostrar a possibilidade do encontro deles com o cinema e colocar o cinema no espaço da privação”, comenta Andrade. No processo, foram realizadas  oficinas de apresentação do cinema, técnicas e práticas. Em um momento posterior, os recuperandos começaram a roteirizar as cenas – tanto que nos créditos de roteiro e elenco estão enumerados 35 nomes.

Nas cenas, há momentos do cotidiano, como a leitura da carta de uma amiga também presa, e as dificuldades de um novo recuperando para se adaptar ao ambiente. Mas há outros de pura ficção, como quando um deles se torna dentista e recebe um “paciente”. Um terceiro momento ainda levou os “atores” para longe das paredes – com uso de cromaqui, os vemos em cenas fantásticas, voando num tapete ou numa dramática viagem de barco.





O envolvimento foi tamanho que até o presidente da Apac, Antônio Fuzatto, participou de uma esquete, interpretando a si mesmo e a própria irmã, Desidéria, em uma divertida conversa telefônica. A intenção inicial, diz Andrade, era que os recuperandos participassem também do processo da montagem, que seria realizada no local. Só que, com a pandemia, a edição teve que ser realizada remotamente.  

“GRADE”

O filme ficará disponível desta sexta (28/1), às 22h, até as 22h de sábado (29/1), no site mostratiradentes.com.br

Secult anuncia edital de R$ 2,6 milhões

No debate on-line “Políticas públicas para o audiovisual em Minas Gerais”, realizado na última quarta-feira (26/1) na Mostra de Cinema de Tiradentes, foi anunciado o lançamento do edital Fundo Estadual de Cultura 01/2022 – Exibe Minas – Premiação Pessoa Física. Publicado ontem (27/1) no Diário Oficial, o edital vai destinar R$ 2,6 milhões em recursos diretos do Fundo Estadual de Cultura (FEC) a 40 projetos – cada premiado receberá o valor bruto de R$ 65 mil.

Tal edital é uma reformulação do edital FEC 04 – Arte Salva Exibe Minas, de agosto de 2020, que após um erro de valores da própria Secretaria de Estado de Cultura e Turismo, foi, em sua maior parte, cancelado, em dezembro. 





Vinte e sete proponentes dos projetos premiados nas categorias 1 e 3 (mostras e festivais e atividades de formação) foram informados, no fim de 2021, que não receberiam os valores acordados, de cerca de R$ 43 mil. O caso está no Ministério Público de Minas Gerais, acionado pela deputada federal Áurea Carolina (PSOL/MG) e pelo Sindicato da Indústria do Audiovisual de Minas Gerais (Sindav-MG).

Recém-chegado ao posto, Igor Arci, subsecretário de Estado de Cultura de Minas Gerais, afirmou no debate que o novo edital “será de fato viabilizado” e que os valores serão pagos neste semestre, “por volta de maio e junho”.

Também ontem veio a público a “Carta do audiovisual mineiro”, assinada por 373 profissionais do setor. O texto, que denuncia “o descaso e a ineficiência do Governo do Estado” com o audiovisual, elencou “promessas não cumpridas” da Secult. 

Além do imbróglio do edital supracitado, a carta cita a não aplicação da lei do audiovisual do estado (Lei nº 23.160/2018) e a perda dos recursos investidos pela Codemge (Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais) no Funcine, no valor de R$ 20 milhões. O texto afirma que “este foi um compromisso assumido diretamente pelo Secretário de Cultura e Turismo, Sr. Leônidas Oliveira, com o setor audiovisual e nunca cumprido. Os recursos não voltaram para o setor”.