Jornal Estado de Minas

PROTESTO

Neil Young ganha adesão em convocação de boicote ao Spotify


O ultimato de Neil Young ao Spotify para que a plataforma escolhesse entre sua música e o famoso e controverso podcaster Joe Rogan se tornou um ponto crítico no debate sobre desinformação digital e a responsabilidade corporativa de moderá-la.





Na semana passada, o roqueiro canadense radicado nos Estados Unidos exigiu que o gigante do streaming retirasse suas músicas (com 2,4 milhões de seguidores e mais de 6 milhões de ouvintes mensais), a menos que o Spotify estivesse disposto a se livrar de Rogan, cujo programa (“The Joe Rogan Experience”) é o mais popular da plataforma, mas é repetidamente acusado de propagar teorias da conspiração.

Ator e comediante, Rogan, de 54, desaconselhou a vacinação em jovens, com o argumento de que a vacina pode provocar cardiopatia, e promoveu o uso não autorizado da Ivermectina, um medicamento antiparasitário, para tratar o coronavírus. O remédio não tem eficácia contra a COVID-19 e seu uso para esse fim não é recomendado pela medicina.

Na carta aberta em que apresentou seu ultimato, intitulada “Em nome da verdade”, Young observou que “os jovens acreditam que o Spotify nunca apresentaria informação grosseiramente falsa. Infelizmente, eles estão errados”. O artista escreveu ainda que “a maioria dos ouvintes que estão escutando informação deturpada, enganosa e falsa sobre COVID-19 no Spotify tem 24 anos, sendo facilmente impressionáveis e sujeitos a cair para o lado errado”. Ele acusou a plataforma de se tornar “uma casa para desinformação potencialmente fatal sobre COVID” e da prática de “vender mentiras por dinheiro”.  

Sua contestação veio após uma ação judicial apresentada por centenas de profissionais médicos pedindo ao Spotify que impedisse Rogan de promover "várias falsidades sobre as vacinas contra a COVID-19", que, segundo eles, estariam criando "um problema sociológico de proporções devastadoras".





Rogan, que tem um contrato de exclusividade assinado com o Spotify no valor estimado de US$ 100 milhões,  prevaleceu na decisão da plataforma.

A canadense Joni Mitchell seguiu o exemplo de Neil Young e anunciou a retirada de suas músicas do Spotify (foto: FREDERICK M. BROWN / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP )


SUCESSOS 

Na última quarta-feira (26/1), os sucessos de Young, incluindo "Heart of gold", "Harvest moon" e "Rockin' in the free world" foram retirados do Spotify. Na mesma quarta-feira, a empresa disse “lamentar a decisão de Young” e esperar que “ele volte logo”. O Spotify citou em seu comunicado a necessidade de equilibrar "tanto a segurança dos ouvintes quanto a liberdade dos criadores" e afirmou ter removido aproximadamente 20 mil episódios de podcasts relacionados à COVID-19 desde o início da pandemia. 

No ano passado, o CEO da plataforma, Daniel Ek, disse não achar que o Spotify, que recentemente começou a investir pesadamente em podcasts, tivesse responsabilidade editorial por Rogan.

Ek comparou o podcaster a "rappers realmente bem pagos", dizendo que "também não ditamos o que eles estão colocando em suas músicas".

O ator e comediante Joe Rogan conduz 'The Joe Rogan Experience', o podcast mais ouvido da plataforma (foto:  Douglas P. DeFelice/Getty Images/AFP )


APOIOS 

A atitude do Spotify de manter Rogan atraiu aplausos virtuais de organizações como o Rumble, uma plataforma de streaming de vídeo popular entre a direita, que elogiou a empresa sueca por "defender os criadores" e "a liberdade de expressão".





Mas Young também recebeu muitos elogios por se posicionar, inclusive do chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS). O músico pediu a outros artistas que sigam seu exemplo. E teve resposta.

A cantora canadense Joni Mitchell anunciou que vai retirar suas músicas do Spotify pelas "mentiras" que são transmitidas na plataforma sobre a COVID-19. Em um comunicado publicado em seu site, ela afirma que apoia Neil Young.

"Pessoas irresponsáveis estão espalhando mentiras que custam vidas. Sou solidária a Neil Young e às comunidades científicas e médicas globais nesta questão”, escreveu. O site de Mitchell também publicou uma cópia da carta aberta ao Spotify em que médicos e cientistas pedem medidas de combate à desinformação.

Durante a semana, as redes sociais foram tomadas com a notícia de que o britânico Peter Frampton e o estadunidense Barry Manilow haviam seguido o exemplo de Neil Young e decidido retirar suas músicas do Spotify. 





No caso de Frampton, ele postou uma mensagem de apoio a Young em seu Twitter e aderiu às críticas a Joe Rogan. “Boa, Neil. Em se tratando de streaming, eu sempre fui um cara da Apple. Nada de Joe Rogan pra mim, obrigado”, escreveu, marcando tanto Young quanto a conta oficial do Spotify. No entanto, seu catálogo permaneceu na plataforma. 

Já Barry Manilow negou que tenha decidido aderir ao boicote convocado por Young. Na sexta-feira, ele escreveu em sua conta oficial no Twitter: “Recentemente ouvi rumores sobre mim e o Spotify. Não sei onde isso começou, mas não começou comigo nem com ninguém que me representa”. 

A polêmica teve um efeito nas ações do Spotify, que sofreram queda de 12% na última sexta-feira (28/1) em relação à semana anterior. Estima-se uma perda de US$ 4 bilhões para a plataforma com esse resultado. Segundo os dados mais recentes do Spotify, a empresa tem 318 milhões de ouvintes mensais ao redor do mundo e 172 milhões de assinantes. 





De acordo com Neil Young, o Spotify representava 60% do total de sua receita com streaming, algo que ele está “perdendo em nome da verdade”. Em 2015, com reclamações sobre a qualidade do som, o roqueiro retirou suas músicas do Spotify e de sua maior concorrente, a Apple Music, mas voltou atrás pouco depois. 

MUDANÇAS 

No último domingo (30/1), Daniel Ek divulgou um comunicado no qual abordou diretamente as críticas ao Spotify pela divulgação de desinformação sobre a COVID-19 e anunciou um conjunto de medidas para tentar melhorar a imagem da plataforma. 

“Com base na repercussão das últimas semanas, ficou claro para mim que temos a obrigação de fazer mais para prover equilíbrio e acesso a informações das comunidades médica e científica largamente aceitas, que nos guiam nesses tempos sem precedentes. Esses assuntos são extraordinariamente complexos. Nós ouvimos vocês, especialmente vocês das comunidades médica e científica”, escreveu. 





A seguir, Ek anunciou que tomará medidas como a adoção de uma sugestão de conteúdo relacionado à COVID-19, a ser acrescentada em todos os podcasts que tratam do tema, direcionando o ouvinte para um “centro de informações baseadas em dados e fatos e com informação atualizada fornecida por médicos e cientistas”. 

Ele anunciou ainda a publicação das regras internas do Spotify para os criadores e a intenção de ampliar sua divulgação para “elevar a consciência do que é aceitável e ajudar os criadores a compreender a responsabilidade que têm pelo conteúdo que postam na plataforma”.

CONSPIRAÇÃO 

Nos últimos anos, titãs da mídia on-line, incluindo Facebook e YouTube, foram criticados por permitir que teóricos da conspiração divulgassem seus pontos de vista.





Mas, apesar de seu crescimento explosivo, o podcasting passou despercebido.

Valerie Wirtschafter, analista de dados sênior da Brookings Institution, que estuda a mídia contemporânea e o comportamento político, avalia que isso se deve principalmente ao fato de o podcasting ser "um espaço vasto e descentralizado".

No entanto, admite que o áudio é um meio particularmente poderoso para espalhar inverdades: "Há um tipo de experiência pessoal acontecendo lá". A intimidade do som combinada com o estilo conversacional dos podcasts permite que os ouvintes processem a informação de uma forma que "potencialmente a torna um meio mais forte para essas falsidades". 

“DELETE O SPOTIFY”

A banda de rock norte-americana Belly usou sua página no Spotify para protestar contra o Spotify no último sábado (29/1), inserindo nela a convocação “Delete o Spotify”. Em postagens nas redes sociais e declarações para a imprensa, a banda criticou a plataforma e seu “modelo de negócio que, desde o início, deprecia o trabalho criativo e achata a remuneração dos artistas”. Disseram ainda que “usar uma grande porção desse dinheiro que deveria ser distribuído aos artistas para fundar e proporcionar uma plataforma para a desinformação – desinformação que pode prolongar a pandemia e prejudicar ainda mais os artistas, ao limitar suas opções de apresentações ao vivo – por fim é demais”. Os membros da Belly disseram no Facebook que gostariam de retirar sua música do Spotify, mas o processo é “difícil” e “complicado demais”.