Quando entrou em estúdio para gravar um novo álbum pela Odeon, que seria lançado em 1972, Milton Nascimento já vinha amparado em sucessos como “Travessia”, “Morro velho” e “Canção do sal”, que havia emplacado nos álbuns que lançou anteriormente, a partir de 1967.
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"Nós nos transformamos num movimento musical famoso no mundo inteiro com o seguinte lema: primeiro a amizade, depois a música. A amizade foi o combustível, a vontade de estarmos juntos e fazer as coisas juntos, ser irmãos de criação e de criatividade"
Márcio Borges, compositor e curador da exposição
O álbum “Clube da Esquina”, marco que inaugurou oficialmente o movimento homônimo, chega aos 50 anos de sua criação na qualidade de um símbolo de mineiridade e mantendo a sua força revolucionária. Foi a partir dessa constatação que Márcio Borges, um dos artífices dessa obra, que nasceu grande e se avolumou com o tempo, concebeu a exposição “Viagem de ventania – Trilha sonora dos tempos”, aberta em 3 de fevereiro, que será encerrada neste domingo (6/3), na galeria de arte do Centro Cultural Unimed-BH Minas.
Com tantas memórias que o movimento guarda e tantos desdobramentos que teve, ele optou por centrar foco no que considera o mais importante do Clube da Esquina, por mais óbvio que pareça: a música. “Quando recebi o convite do Minas Tênis Clube para pensar essa exposição, minha primeira ideia foi fazer algo diferente do que foram as celebrações pelos 40 ou pelos 30 anos do movimento, com mostras de fotos ampliadas ou outros registros históricos. Não gostaria de repetir essa fórmula agora, até porque tudo o que existe de imagem já está disponível na internet”, aponta.
“Vamos viajar naquilo que fez a fama do Clube, que são as canções. Vamos chamar o visitante para ouvir as músicas com o mesmo ouvido que a gente ouvia na época, como se fosse a primeira vez”, acrescenta. Com essa premissa, ele selecionou 12 temas emblemáticos do Clube da Esquina – não apenas do disco, mas também o que veio à luz depois – e propôs ambientações em torno delas. “É uma exposição mais para ouvir do que para ver”, diz.
IMERSÃO
“Viagem na ventania” convida, dessa forma, a uma imersão nas 12 canções selecionadas por meio de objetos, projeções, luzes e cores que se relacionam com cada uma. Em cada nicho dedicado a uma música, será possível viajar nas sensações que sons e palavra podem evocar. “Projeções, videomappings e jogo de luzes, fatos históricos e atualidades construirão o pano de fundo visual em que cada tema abordado irá se enquadrar”, explica Márcio.
Entre as canções selecionadas – não sem alguma dose de sofrimento, conforme o compositor, dado o volume da obra – estão “Paixão e fé”, “Canção do novo mundo”, “Clube da esquina nº 2”, “Nuvem cigana”, “Beijo partido” e “Planeta sonho”, entre outras.
O desenho arquitetônico dos espaços da mostra – que tem produção artística assinada por Cláudia Brandão e produção executiva de Danusa Carvalho – foi construído por Gustavo Penna e Gustavo Grecco. As projeções foram desenvolvidas por Ricardo e Rafael Cançado, responsáveis pelo Darklight Studio. “Tudo partiu de uma ideia inicial de reproduzir uma ambientação, um clima de audição que havia entre nós quando lançávamos discos novos. Daí a criatividade da equipe foi posta em movimento”, diz Márcio.
ESSÊNCIA
Ele conta que, depois de mudar “centenas de vezes” a lista com as 12 músicas que seriam os pilares da exposição, resolveu relaxar. Entendeu que quaisquer canções que escolhesse, nascidas no bojo do movimento, seriam representativas do Clube da Esquina.
“Diante de uma obra tão vasta, como fazer uma viagem dessas? Saquei o seguinte: a essência do Clube, a sonoridade, o trabalho coletivo, a poesia, tudo isso estaria em quaisquer das 12 canções que eu resolvesse eleger. Escolhi, quase que aleatoriamente, aquelas que me falavam mais ao coração e que, imagino, também falem ao coração de quem gosta da música do Clube”, destaca.
“Diante de uma obra tão vasta, como fazer uma viagem dessas? Saquei o seguinte: a essência do Clube, a sonoridade, o trabalho coletivo, a poesia, tudo isso estaria em quaisquer das 12 canções que eu resolvesse eleger. Escolhi, quase que aleatoriamente, aquelas que me falavam mais ao coração e que, imagino, também falem ao coração de quem gosta da música do Clube”, destaca.
Márcio diz que acabou se guiando pelas temáticas. Compõem essa “exposição em formato de LP” canções que falam de amizade, amor, religiosidade, paixão e, claro, de Minas Gerais, conforme ele aponta. “Quantas músicas fizemos falando de Minas, de latinidade, de fé? Foi a partir desses temas genéricos que escolhi as 12 que estão na mostra”, aponta.
“Conseguimos uma reprodução das músicas com ótima qualidade, então a ideia é o visitante ouvir a canção atento ao que tem por trás dela, a sonoridade, os versos, as palavras, as harmonias, as orquestrações, com as dezenas de músicos que estão ali tocando. A exposição propõe um retorno à nossa essência, que é o som, com cenas, objetos e outras coisas que remetam o visitante ao clima das canções”, ressalta.
ORIGINALIDADE
Pensando no álbum cinquentenário ora celebrado, Márcio considera que sua principal marca é a originalidade das faixas nele registradas. “Ninguém fazia aquilo que a gente fez”, observa. Em relação ao movimento como um todo, incluindo seus desdobramentos, ele acredita que a singularidade reside no fato de um grupo de jovens amigos músicos terem, despretensiosamente, movidos apenas pela paixão pelo que faziam, alcançado uma audiência planetária.
“Nós nos transformamos num movimento musical famoso no mundo inteiro com o seguinte lema: primeiro a amizade, depois a música. A amizade foi o combustível, a vontade de estarmos juntos e fazer as coisas juntos, ser irmãos de criação e de criatividade”, aponta. Ele observa que tanto o álbum inaugural do movimento quanto todos os outros títulos que se seguiram, assinados por Milton ou pelos outros “sócios” do Clube, revelam esse sentimento de coletividade.
“Cada um foi mestre de sua própria obra e os outros entravam como coadjuvantes. No disco do Lô, o Milton entrava como coadjuvante; no disco do Beto, o Lô entrava como coadjuvante; no disco do Milton, entrava o Ronaldo Bastos como coadjuvante. Isso é fruto dessa ideia de amizade. Um menino de 15 anos pode não conhecer o Clube, mas se ouve um verso de uma música, aquilo reverbera nele. O Milton, às vésperas de fazer 80 anos, tem um milhão de seguidores. Por que isso? Porque a gente fez uma coisa que realmente importava.”
“VIAGEM DE VENTANIA – TRILHA SONORA DOS TEMPOS”
Exposição comemorativa aos 50 anos do Clube da Esquina. Até este domingo (6/3), das 11h às 18h. Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Entrada franca. Classificação: livre. Capacidade: 30 pessoas