A 25ª Mostra de Cinema de Tiradentes, encerrada no último sábado (29/1), premiou um longa mineiro (“Sessão bruta”) e outro capixaba (“Os primeiros soldados”), respectivamente com os troféus Barroco, destinado ao melhor filme da Mostra Aurora, e Carlos Reichenbach, que reconhece a melhor produção da seção Olhos Livres.
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A companhia da qual Pink faz parte não acredita em uma estrutura hierarquizada do cinema, no qual geralmente as funções de comando, como a direção, ficam a cargo de pessoas brancas. Em “Sessão bruta”, os créditos se repetem constantemente em diferentes funções, como figurino, maquiagem, atuação e direção. "Todas nós fizemos todas as funções, dentro dessa possibilidade do filme", comenta.
"Eu acredito muito neste trabalho. É um trabalho incrível de ruptura. Essa questão do cinema em transição, da nossa transição enquanto artistas, enquanto pessoas, enquanto sujeitas pretas desta cidade. De onde parte e por onde transiciona o nosso pensamento. A gente quer levar essa nova forma de fazer cinema, esse pulo na construção imagética e audiovisual do nosso país para todo mundo ver, para ser discutido", diz.
POTÊNCIA
Premiado justamente no dia da visibilidade trans, 29 de janeiro, o filme acompanha um grupo de travestis da capital mineira e representa, na visão da artista, "o cru da produção artística, de artistas pretas, reais, da cidade e do país".
"Ali, a gente está trazendo toda a potência e toda a força que a gente tem de construção de imaginários dentro de toda a precariedade e falta de acesso que a gente experimenta. Imagina se a gente tivesse acesso à produção de um filme, o que não seria esse longa-metragem. 'Sessão bruta' eu acho que é sobre a capacidade e o delírio também", afirma.
"Os primeiros soldados", o outro destaque da edição 2022 da Mostra de Tiradentes, é dirigido por Rodrigo de Oliveira e tem Johnny Massaro no papel do protagonista, Suzano. A trama é sobre as primeiras pessoas impactadas pela epidemia de HIV/AIDS na década de 1980 em Vitória (ES).
Renata Carvalho, Vítor Camilo, Clara Choveaux, Alex Bonini e Higor Campagnaro estão no elenco de uma história que procura abordar frontalmente, mas de modo sutil, a realidade da comunidade LGBTQIA + à época da eclosão do vírus HIV. Além de lidar com a doença e a falta de tratamento, os primeiros infectados tinham também de enfrentar o estigma e a falta de informações.
Gravado pouco antes da pandemia da COVID-19, "Os primeiros soldados" teve seu processo de montagem e finalização feito durante o período de isolamento social. Para o diretor, o surgimento e recrudescimento da pandemia do novo coronavírus, em suas ondas de variantes, acabou trazendo novos sentidos para o filme.
ATUAL
"Ele se tornou ainda mais atual, em vários sentidos. Muitas proximidades e muitas diferenças entre essa epidemia do começo dos anos 80 e a pandemia que a gente vive agora são percebidas no filme", afirma.
Rodrigo de Oliveira avalia que seu filme supre uma lacuna de produções feitas por pessoas LGBTQIA , com atores LGBTQIA , que fala e toca diretamente a própria comunidade. “Na frente e atrás da câmera, o filme defende essa comunidade. E a gente precisa falar sobre a nossa história, contar as nossas histórias. Digo que esse filme é um pouco a imaginação da nossa árvore genealógica. Nós, pessoas dessa comunidade, os nossos ancestrais, todos morreram por causa dessa epidemia. Se hoje é possível que a gente tenha um tratamento eficiente, remédios disponíveis, é por causa dessas primeiras pessoas, desses primeiros soldados, que estavam lá, no começo, lutando para que o mundo soubesse, e o sistema nos respeitasse."
O prêmio da Mostra de Tiradentes tem um lugar especial e significativo para o diretor por carregar o nome de Carlos Reichenbach (1945-2012) e o peso extra de honrar a memória do cineasta, uma das inspirações de sua carreira.
A expectativa é que os dois longas continuem circulando por festivais no Brasil e no exterior e possam estrear comercialmente ainda neste ano.
*Estagiário sob supervisão da editora Silvana Arantes