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Estado de Minas CINEMA

Saiba como são os filmes vencedores da edição 2022 da Mostra de Tiradentes

Longas premiados nas mostras Aurora e Olhos Livres são realizados por integrantes da comunidade LGBTQIA + e tematizam questões atuais e históricas


03/02/2022 04:00 - atualizado 03/02/2022 03:07

Integrantes dos coletivos Talavistas e ela.LTDA de pé, usando vestidos coloridos em local semelhante a um galpão
Assinado pelos coletivos As Talavistas e ela.LTDA, "Sessão bruta" foi o vencedor do troféu Barroco, como melhor filme da Mostra Aurora (foto: Divulgação)

A 25ª Mostra de Cinema de Tiradentes, encerrada no último sábado (29/1), premiou um longa mineiro (“Sessão bruta”) e outro capixaba (“Os primeiros soldados”), respectivamente com os troféus Barroco, destinado ao melhor filme da Mostra Aurora, e Carlos Reichenbach, que reconhece a melhor produção da seção Olhos Livres.

Com direção conjunta dos coletivos As Talavistas e ela.LTDA, “Sessão bruta” é "uma enorme sucessão de prólogos de um filme sempre por fazer", na definição das idealizadoras do projeto, como Pink Molotov. Rodado desde 2018, sem subsídio de editais de cultura, com uma câmera mini-DV, o filme é fruto da experimentação do grupo, passou e continuará passando por alterações, segundo ela. O processo inclui adições e descartes de cenas, um filme sobre fazer filme que nunca está pronto em si, algo que Pink Molotov caracteriza como uma "nova forma de fazer cinema". 

A realizadora credita essa iniciativa de ruptura de padrões a uma influência da Semana de Arte Moderna de 1922. A premiação do filme acabou coincidindo com o ano em que se comemora um século do movimento que rompeu com as tradições artísticas vigentes à época, tal qual "Sessão bruta" tenta fazer hoje. 

A companhia da qual Pink faz parte não acredita em uma estrutura hierarquizada do cinema, no qual geralmente as funções de comando, como a direção, ficam a cargo de pessoas brancas. Em “Sessão bruta”, os créditos se repetem constantemente em diferentes funções, como figurino, maquiagem, atuação e direção. "Todas nós fizemos todas as funções, dentro dessa possibilidade do filme", comenta.

"Eu acredito muito neste trabalho. É um trabalho incrível de ruptura. Essa questão do cinema em transição, da nossa transição enquanto artistas, enquanto pessoas, enquanto sujeitas pretas desta cidade. De onde parte e por onde transiciona o nosso pensamento. A gente quer levar essa nova forma de fazer cinema, esse pulo na construção imagética e audiovisual do nosso país para todo mundo ver, para ser discutido", diz.
de camisa azul, o ator Johnny Massaro ergue um cigarro com a mão direita
"Os primeiros soldados", ganhador do troféu Carlos Reichenbach, tem Johnny Massaro como o protagonista Suzano (foto: Felipe Amarelo/Divulgação)

POTÊNCIA 

Premiado justamente no dia da visibilidade trans, 29 de janeiro, o filme acompanha um grupo de travestis da capital mineira e representa, na visão da artista, "o cru da produção artística, de artistas pretas, reais, da cidade e do país".

"Ali, a gente está trazendo toda a potência e toda a força que a gente tem de construção de imaginários dentro de toda a precariedade e falta de acesso que a gente experimenta. Imagina se a gente tivesse acesso à produção de um filme, o que não seria esse longa-metragem. 'Sessão bruta' eu acho que é sobre a capacidade e o delírio também", afirma. 

"Os primeiros soldados", o outro destaque da edição 2022 da Mostra de Tiradentes, é dirigido por Rodrigo de Oliveira e tem Johnny Massaro no papel do protagonista, Suzano. A trama é sobre as primeiras pessoas impactadas pela epidemia de HIV/AIDS na década de 1980 em Vitória (ES).

Renata Carvalho, Vítor Camilo, Clara Choveaux, Alex Bonini e Higor Campagnaro estão no elenco de uma história que procura abordar frontalmente, mas de modo sutil, a realidade da comunidade LGBTQIA + à época da eclosão do vírus HIV. Além de lidar com a doença e a falta de tratamento, os primeiros infectados tinham também de enfrentar o estigma e a falta de informações.

Gravado pouco antes da pandemia da COVID-19, "Os primeiros soldados" teve seu processo de montagem e finalização feito durante o período de isolamento social. Para o diretor, o surgimento e recrudescimento da pandemia do novo coronavírus, em suas ondas de variantes, acabou trazendo novos sentidos para o filme.

ATUAL 

"Ele se tornou ainda mais atual, em vários sentidos. Muitas proximidades e muitas diferenças entre essa epidemia do começo dos anos 80 e a pandemia que a gente vive agora são percebidas no filme", afirma.

Rodrigo de Oliveira avalia que seu filme supre uma lacuna de produções feitas por pessoas LGBTQIA , com atores LGBTQIA , que fala e toca diretamente a própria comunidade. “Na frente e atrás da câmera, o filme defende essa comunidade. E a gente precisa falar sobre a nossa história, contar as nossas histórias. Digo que esse filme é um pouco a imaginação da nossa árvore genealógica. Nós, pessoas dessa comunidade, os nossos ancestrais, todos morreram por causa dessa epidemia. Se hoje é possível que a gente tenha um tratamento eficiente, remédios disponíveis, é por causa dessas primeiras pessoas, desses primeiros soldados, que estavam lá, no começo, lutando para que o mundo soubesse, e o sistema nos respeitasse."

O prêmio da Mostra de Tiradentes tem um lugar especial e significativo para o diretor por carregar o nome de Carlos Reichenbach (1945-2012) e o peso extra de honrar a memória do cineasta, uma das inspirações de sua carreira.

A expectativa é que os dois longas continuem circulando por festivais no Brasil e no exterior e possam estrear comercialmente ainda neste ano.

*Estagiário sob supervisão da editora Silvana Arantes


 



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