Lá pelos idos de 2012, os irmãos Wallace Laender, Peterson Carlos e Vinny Soares mais o amigo Leo Brito resolveram iniciar uma série de encontros gastronômicos caseiros, temperados com música, como forma de unir esses dois talentos que eles compartilhavam.
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A banda já vislumbra no horizonte um registro ao vivo dos shows decorrentes do lançamento de “Minha preta”, cujo primeiro single, “Vou te namorar”, já está disponível nas principais plataformas desde o fim do ano passado.
Cair no radar de uma gravadora multinacional não foi exatamente um golpe de sorte ou um passe de mágica. Ao longo dos últimos 10 anos, o Bistrô vem construindo paulatinamente sua trajetória. Tanto é assim que, antes de “Minha preta”, o grupo já contabilizava alguns registros fonográficos: o álbum “Por que não?”, de 2018, os EPs “Eternos namorados” e “Bistrô de Natal”, ambos de 2020, e alguns singles dispersos, apresentados ao público a partir de 2017.
PRODUÇÃO AUTORAL
“A gente já está na música há muito tempo, desde pequenos eu e meu irmão já tocávamos na igreja. Depois começamos a fazer shows amadores, tocando cover de sucessos da MPB”, diz o vocalista Wallace, acrescentando que, certo dia, um dos integrantes disse que tinha feito uma música. Foi o início da produção autoral do Bistrô.
E foi graças a ela que a banda viu seu raio de alcance se ampliar. Wallace conta que, em 2017, compôs a música “Te amando calado”, que estourou na internet, chegando, conforme diz, a receber comentários elogiosos de atores da Rede Globo.
“Ali a gente começou, de fato, a acreditar na banda como um projeto profissional. Eu já tinha noção de que o trabalho que vínhamos fazendo tinha qualidade, mas quando essa percepção vem de fora, é um reforço muito importante”, diz o vocalista.
“Te amando calado”, que traz uma letra romântica conduzida por violão, violoncelo e a voz suave de Wallace, está disponível no Spotify, tem um clipe muito bem produzido no YouTube e, agora, foi incorporada ao repertório do EP “Minha preta”.
Outro ponto de virada determinante na trajetória do Bistrô veio no final de 2020, com o lançamento de “Bistrô de Natal”. Com o repertório disponibilizado nas plataformas, uma das faixas do EP, intitulada “Vida”, chegou aos ouvidos do produtor Renato Freire, que foi responsável pela reunião dos Novos Baianos e atualmente está radicado na Europa.
“A partir dessa música, ele conheceu melhor nosso trabalho, fez contato conosco e foi isso que desembocou nesse contrato com a Sony”, explica Wallace. Ele diz que Freire se encarregou de montar uma equipe de experientes profissionais ligados ao mercado fonográfico – como a assessora de imprensa Gilda Mattoso e o fotógrafo Marcos Hermes – e levou a banda para uma audição ao vivo com executivos da Sony em São Paulo.
CONVITES
“A gente já tinha o grupo e vinha fazendo shows desde 2013, recebendo convites para tocar em cidades do interior de Minas, tentando adequar isso com a vida de cada um, porque todo mundo trabalha. Era um negócio conduzido de forma totalmente independente, com a ideia de um dia se tornar profissional, mas ainda tinha uma distância entre sonho e realidade. Com a chegada do Renato na história é que veio a possibilidade efetiva de isso acontecer”, destaca.
Wallace acredita que o potencial que Freire identificou no Bistrô se lastreia também no público que a banda cativou ao longo de sua caminhada, sobretudo a partir do sucesso de “Te amando calado”. “As plataformas dão a oportunidade de artistas independentes se mostrarem. Quando o Renato nos procurou, já tínhamos mais de 60 mil seguidores e músicas com 2 milhões de visualizações, quer dizer, a coisa já acontecia, mas não tínhamos uma orientação profissional para chegar a um lugar de maior visibilidade e nos inserir de fato no mercado”, aponta.
Apesar do pouco tempo da assinatura do contrato com a Sony, ele diz que a rotina dos integrantes do grupo já mudou. “Estamos mais envolvidos com as questões artísticas, produção das músicas, contatos com as pessoas que estão no mercado, nos fazendo enxergar como as coisas funcionam, dando orientações. Mas o principal foi a gente ter a certificação e a chance de fazer um trabalho relevante para o cenário musical brasileiro. Desde que comecei com o Bistrô, eu esperava por essa certificação”, diz.
Ele ressalva que os integrantes da banda ainda não estão vivendo de música. O irmão Peterson e o amigo Leo, por exemplo, seguem trabalhando no ramo da gastronomia. “O Peterson está no restaurante Fazendinha, no Santa Lúcia, onde já foi chef e agora está como gerente. Foi ele quem montou os pratos e a carta de vinhos. De vez em quando ele ainda assume a cozinha, para não perder a mão, e também dá consultoria para outros restaurantes de Belo Horizonte”, conta, destacando que a vocação para a culinária é uma herança paterna. “Nosso pai gostava muito de cozinhar, fazia muitos pratos na nossa casa”, recorda.
“Minha preta” traz seis faixas, sendo cinco autorais – “Menina dos olhos puxados”, “Hora de partir”, “Te amando calado”, o single “Vou te namorar” e a que dá título ao EP – e uma versão, para “Tatuagem”, de Chico Buarque. Sobre a visita à obra do icônico compositor, Wallace diz que ela remonta a 2009, quando ganhou de presente de sua esposa a discografia completa dele. O casal mergulhou na audição de Chico e, eventualmente, ele tirava alguma música ao violão.
CHICO BUARQUE
“Aprendi a tocar ‘Tatuagem’ e a gente sempre cantava. Foi uma música que deu liga, o arranjo que fizemos, nossas vozes, minha e da minha esposa, tudo encaixou. Agora, quando o pessoal da Sony veio e perguntou se tinha alguma música de outro autor que a gente gostava, sugeri ‘Tatuagem’. Até 2009 eu ainda não tinha me aprofundado na obra do Chico, não tinha sacado o letrista genial que ele é; eu era mais ligado em Caetano e Gil”, conta.
Ele ressalta que “Tatuagem” é uma música de amor que dialoga bem com outras letras de mesmo teor do repertório autoral do Bistrô, por isso entrou no EP. O registro da canção – uma versão, não apenas um cover, conforme aponta – feito para “Minha preta” conta com a participação da esposa, Simone, dividindo os vocais. “Ela tem uma voz linda, canta muito bem. Temos uma outra música que a gente canta juntos, muito bonito, ‘Tchunderundê’. Ela não tem vontade de ser artista, mas topou gravar ‘Tatuagem’ comigo”, diz.
Ao citar Chico Buarque, Caetano e Gil, Wallace entrega um pouco das referências presentes no trabalho do Bistrô, mas ele pondera que o grupo busca não se ater a um gênero específico e que seu caldeirão sonoro abarca muitos outros ingredientes. “Fomos criados numa família cristã, então tem muita música religiosa na base da nossa formação. Na juventude você vai descobrindo outras coisas. A MTV nos trouxe muito pop rock, Michael Jackson, o pagode daquela época, o samba”, diz.
“Sem bandeira nem panfletagem, mas pelo fato de sermos negros, tem também uma herança africana no nosso som, um suingue natural, que é nosso. Da MPB, a gente bebe em Djavan, Caetano, Chico, mas também nas bandas de pop rock. A gente não liga muito para rótulo, mas tem um pouco de tudo, rock, pop, MPB, black music, sem preconceito nenhum. Queremos conversar com todas as tribos na nossa caminhada, mas mantendo a identidade”, afirma.
Wallace é o principal compositor do grupo – posto a que foi alçado a partir do sucesso de “Te amando calado” –, mas ele frisa que seus irmãos também têm a verve lírica e melódica afiada. A faixa-título do EP que chega ao público hoje é assinada pelos três.
“Nosso processo sempre foi muito coletivo. Desde o início, todo mundo compunha, e o que passava no crivo dos quatro era levado para os shows e para o estúdio. Temos sintonia para compor, falamos do que nossa música carrega: ela é sonhadora, tem esperança, tem dor, tem sofrimento, mas também é alegre, aceita todo mundo”, comenta.
Ele diz que, com o lançamento do EP “Minha preta”, o grupo se permite ser ambicioso em relação ao que projeta para o futuro. “O que a gente quer hoje é colocar o Bistrô na história da música popular brasileira. Existe a realização musical, o êxito financeiro e mercadológico, mas o propósito primeiro é simplesmente mostrar nossa música. Já temos mais de 50 canções pré-produzidas”, diz, deixando claro que a entrega dos 48 fonogramas prevista no contrato com a Sony está longe de ser um problema ou um desafio.
“Queremos um lugar na história da MPB, e para isso vamos lançar tudo o que a gente tem e considera que seja bom. Tem tantos artistas que passaram por nossa vida e nos deixaram tanta coisa com sua obra. São exemplos que ficam e embalam nossa história”, observa.
Ele adianta que, para além do trabalho autoral, virão novidades relacionadas à lavra alheia. “O Renato trabalhou com os Novos Baianos. Ele nos disse que Moraes Moreira deixou algumas músicas pré-produzidas, que não foram lançadas, permanecem inéditas. Ele está querendo que a gente lance isso”, revela.