Jornal Estado de Minas

ARTES CÊNICAS

Artistas da Campanha de Popularização contam como é a vida na corda bamba


O Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais (Sinparc) emitiu uma nota, na última quarta-feira (2/2),  informando que entrou com um pedido liminar na Justiça, solicitando o aceite do novo decreto da Prefeitura de Belo Horizonte que exige o cartão de vacinação para a entrada nos teatros. 





Esse pedido foi feito porque a 47ª Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, realizada pelo Sinparc desde o último dia 13 e com previsão de duração até o próximo dia 27, é viabilizada com recursos da Lei Rouanet, de âmbito federal. A gestão Bolsonaro proibiu a exigência de passaporte de vacinação, por meio da Portaria SECULT/MTUR Nº44, de 5 de novembro passado, para o acesso a eventos culturais realizados com o benefício da lei. 

O Sinparc informou ainda que, enquanto o pedido estivesse tramitando, as apresentações das peças da Campanha - esta edição 2022 conta com 87 espetáculos adultos e infantis -  permaneceriam suspensas. A decisão favorável ao Sinparc saiu na noite de sexta (4/2). 

Diante do impasse causado pelas determinações conflitantes nos âmbitos municipal e federal, quem fica no prejuízo, perdidos em meio a um fogo cruzado, são os produtores, atores e diretores que têm na Campanha um suporte fundamental para a manutenção de seus projetos e, em última instância, de seu ofício. 





A reportagem ouviu dois dos mais atuantes nomes da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança sobre seus desafios nesse cenário de tanta incerteza. A atriz, produtora e diretora Kayete tem três peças na programação – “Café com Jandira”, que dirige; “Guara-pa-rir”, em que atua e assina a produção, e “Aperte o play e só... Ria”, na qual também atua e assina a coprodução, ao lado de Carlos Nunes.

“Café com Jandira” cumpriu temporada entre 14 e 30 de janeiro; “Guara-pa-rir” estava em cartaz no Teatro de Câmara do Cine Theatro Brasil Vallourec; e “Aperte o play e só... Ria” foi apresentada em meados de janeiro e tem previsão de retornar na reta final da Campanha.


ESTRESSE MENTAL

“Toda essa situação tem sido muito difícil. A gente ficou dois anos sem trabalhar. No início, com a chegada da pandemia, não havia solução paliativa, ficamos parados. Voltamos aos palcos com a Campanha deste ano e agora, com a expansão da variante ômicron, estamos de novo nesse cenário de incertezas, com um estresse mental muito grande. Com essa questão da exigência do cartão de vacina, estamos no meio de um fogo cruzado. A gente quer e precisa trabalhar”, diz Kayete.




Ela lembra que não só a Campanha, mas também alguns teatros da cidade que recebem a programação são mantidos com recursos obtidos via Lei Rouanet e estão, portanto, no mesmo limbo entre a exigência do passaporte vacinal por parte da prefeitura e a dispensa do mesmo por parte da Secretaria Especial da Cultura do Governo Federal.

Ela se diz totalmente a favor da vacinação, acha justa a cobrança do passaporte vacinal para a entrada em teatros e endossa o pedido liminar feito pelo Sinparc. No dia 27 de janeiro, a Prefeitura determinou que, dali a quatro dias, a entrada nos teatros só seria permitida mediante a apresentação do cartão de vacina e do teste negativo para a COVID-19. A classe artística entendeu que isso inviabilizaria a Campanha, já que, além do ingresso a preços populares, R$ 20, o público teria que pagar o teste de detecção da COVID-19, que custa a partir de R$ 120.

PROTESTO NA PORTA DA PBH

Na última segunda-feira (31/1), dia em que a determinação municipal começaria a vigorar, uma mobilização reuniu mais de uma centena de profissionais das artes cênicas na porta da prefeitura, que acatou o pedido da categoria e voltou atrás na exigência do teste negativo para plateias de até 500 pessoas, mantendo nesses casos apenas a necessidade da apresentação do cartão de vacina. Para públicos superiores a 500 espectadores, ficou mantida a exigência do teste negativo de COVID-19, feito até no máximo 72 horas antes do ingresso. “Foi uma pequena vitória nossa, mas seguimos numa situação de completa incerteza”, aponta Kayete.





“Tudo na vida do artista é muito difícil, a cultura neste país vive um momento muito complicado, está sucateada, mas a gente carrega nas costas, então acho que, mesmo com todos os problemas, a gente vai conseguir fechar essa Campanha. Precisamos trabalhar, queremos levar entretenimento para esse povo que também anda tão sofrido”, afirma.

Kayete pisou num palco pela primeira vez com o espetáculo de formação da Escola de Teatro da PUC-Minas, “Longa jornada noite adentro”, em 2006. No ano seguinte, estrelou sua primeira montagem profissional, “As barbeiras”, de Wesley Marchiori, que já em 2008 passou a integrar a Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, mantendo lugar cativo na programação ao longo dos anos seguintes.

“A partir de 2008, participei de todas as Campanhas”, diz, dando a dimensão da importância da mostra para sua trajetória. “Quando a gente estreia uma peça ao longo do ano, alcança um determinado público, mas a Campanha potencializa isso muito, porque é todo mundo em cartaz ao mesmo tempo, há um leque de opções de teatro, dança e circo que é muito atraente. A Campanha faz com que a arte transpire, é o momento em que você leva sua peça para as massas. Ela é de suma importância tanto na minha vida quanto na dos outros artistas, porque é um divulgando o outro, é o momento em que a gente se assiste e se prestigia”, afirma.






O ator e produtor Thiago Comédia cogitou excluir seu espetáculo ''Como se livrar das dívidas em 12 hilárias prestações'' da programação da Campanha, para poder seguir em cartaz (foto: Felipe Sodré/Divulgação)

LINHA DE FRENTE

Outro “operário” da Campanha, Thiago Comédia esteve na linha de frente da mobilização que cobrou da Prefeitura que voltasse atrás na exigência do teste de COVID-19 para acesso aos teatros. Ele apresentou o monólogo “Como se livrar das dívidas em 12 hilárias prestações”, que produz e no qual atua, nos dias 28 e 29 de janeiro, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas, e tem a volta ao cartaz agendada para este e o próximo fim de semana, no Teatro do Pátio Savassi.

“Juntamos a classe artística, fomos para a porta da prefeitura e conseguimos derrubar a exigência de apresentação do teste de COVID19. Ficou valendo que, para espetáculos com público de até 500 pessoas sentadas, seria necessário apenas o passaporte vacinal, o que acho justo, porque é uma coisa simples, sem custo, mas aí surgiu esse impasse com a Lei Rouanet. Tanto o público quanto nós, artistas, estamos num momento de absoluta incerteza”, comenta.

Ele considera que o simples fato de a programação ter sido interrompida já representa um prejuízo enorme, porque desmobiliza a população. “Já não é fácil levar as pessoas ao teatro; se elas estão confusas, em dúvida se vai ter ou não, aí complica muito. Para levar uma peça ao palco a gente tem um gasto com equipe, com divulgação, com várias coisas. Se eu chego para me apresentar no próximo fim de semana e tem só 15 pessoas na plateia, eu tenho um prejuízo alto, e essa palavra, prejuízo, não cabe neste momento, depois de a gente ficar dois anos sem trabalhar”, aponta.





Thiago observa que o Teatro do Pátio Savassi não depende de recursos da Lei Rouanet, mas a Campanha, sim. Pensando nisso, ele chegou a cogitar um “plano B”, que seria simplesmente desembarcar da Campanha. “Se eu quiser apresentar minha peça no Pátio Savassi, eu posso, mas aí tenho que cancelar minhas vendas por meio da Campanha e abri-las por outros sites, fazer um esquema paralelo, mas isso significa começar do zero”, diz. Ele destaca que sua peça estreou bem, com um público superior a 700 pessoas, contabilizando os dois dias em que foi apresentada, o que apontava para uma temporada de sucesso, movida pela boa repercussão.

Ator, produtor e diretor, Thiago Comédia conta que vive de teatro há 15 anos e que há 10 participa de todas as edições da Campanha. O artista considera que o evento representou um esteio importante para a sua carreira. “A Campanha é muito potente por causa de seu nome e de sua história. Sempre quando chega janeiro, a população da cidade já está atenta, com a predisposição de ir ao teatro. Com certeza nossa força seria menor um pouco sem a Campanha, que gera mídia e permite que alcancemos um público maior.”

Ele pondera que quem depende do trabalho nas artes cênicas não pode se limitar ao período da Campanha, mas entende que ela é a porta de entrada para o calendário anual de produções. “É a minha profissão. O cara que vive disso tem que participar da Campanha e continuar lançando coisas ao longo do ano. Eu vivo disso. Participo agora da programação, a peça gera um burburinho, volto com ela ao cartaz lá para março ou abril, produzo montagens de outros autores e assim vai. A cada ano a Campanha se coloca como um ponto de partida; ela, de certa forma, te dá um direcionamento.”





Essa observação enseja também uma crítica. Thiago acredita que a Campanha estabelece parâmetros que condicionam os espetáculos que serão produzidos a partir do período de sua realização. “A coisa dos preços populares é muito boa para atrair público, mas gera um certo vício. Se lá para o meio do ano eu vou estrear uma nova montagem e ponho o preço do ingresso a R$ 30, o público acha ruim, porque está acostumado a pagar R$ 20. A Campanha te joga para cima, mas você tem que trabalhar sempre numa mesma faixa de preço, e aí, às vezes, as contas não fecham”, diz. “Mas, claro, eu tenho mais elogios do que críticas. Ela é uma vitrine importantíssima e temos, sim, que lutar pela Campanha, ainda mais neste momento.”