A Semana de 1922 é um dos marcos simbólicos mais importantes da cultura brasileira do século 20, mas não representa nem o começo nem o ápice de um movimento que atravessou décadas e até hoje provoca respingos. O evento que colocou o Modernismo na pauta do Brasil completa 100 anos. Em 2022, dezenas de livros, exposições e debates sobre a Semana de 22 se propõem a ajudar a compreender seu papel na história do país.
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REVISÃO GERAL
“Em primeira instância, a Semana significa um conjunto de ações favoráveis à revisão geral e à nova proposição daquilo que se conhecia com o nome de arte”, explica Carlos Silva. Ele está à frente da esposição “Rastros do Modernismo: 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922”, em cartaz em Brasília.
“O que se conhecia com o nome de arte é o que era ensinado na academia. O modernismo traz nova perspectiva, com a possibilidade de estilização maior, deformação mais categórica da figura naturalista, abandono da narrativa representacional”, afirma Carlos Silva, que é professor de história da arte.
O Modernismo pretendia romper com heranças europeias e valorizar o que seria a raiz brasileira na produção cultural. Porém, a ideia modernista já existia muito antes da Semana e do que tomou corpo depois, com o “Manifesto antropófago”, de Oswald de Andrade, publicado em 1928.
Nele, Oswald sugeria deglutir as ideias europeias e devolvê-las como arte brasileira. O movimento tinha caráter nacionalista, diferentemente dos modernismos europeus, mais globalistas.
A artista visual Yana Tamayo, doutora pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista pela Universidad Complutense de Madrid, lembra que a Semana de 22 nasceu no seio da elite recém-saída do século 19, num contexto em que a escravidão e o colonialismo eram realidades violentas. Herdeiros de fortunas provenientes do mundo rural, intelectuais à frente daquele movimento modernista tiveram apoio do Estado num cenário em que ideias nacionalistas poderiam ser bastante úteis.
“A necessidade de criar um marco histórico estratégico simbólico era uma estratégia intelectual para poder produzir uma independência cultural, interesse das elites. Havia tensão política, estávamos vendo o nascimento de estados-nações na Europa, houve a Primeira Guerra Mundial”, lembra Yana.
Colonialismo, escravidão, opressão dos indígenas e a violência que está na base da formação da sociedade brasileira não foram temas tratados pelos modernistas de 22, que se diziam contra o passado, o que, de certa forma, implicava em negação da violência que constitui a formação nacional.
“O desejo de modernização artística e cultural já estava implantado no Brasil quando o pessoal de 22 chegou e se apossou dessa ideia”, afirma Rafael Cardoso, autor do livro “Modernidade em preto e branco” (Companhia das Letras). “Artistas eruditos se apossaram de um processo francamente deflagrado na cultura midiática popular na década de 1910”, garante.
Cardoso lembra que a Semana foi declarada fracasso pelo próprio Mário de Andrade, que renegou o movimento. “Em 1942, a Semana estava morta e enterrada por ele, que era líder do movimento. A Semana foi reinventada a partir de 1945. E essa reinvenção não tem nada a ver com 1922, mas tem tudo a ver com o Estado Novo, com a redemocratização”, observa.
A CRIAÇÃO DO "MITO"
O “mito” da Semana de Arte Moderna de 1922, segundo Cardoso, foi criado entre 1945 e 1972, quando se celebrou o cinquentenário do evento.
“Virou verdade inquestionável. As pessoas passaram a tratar a Semana como o fenômeno que transformou a história do Brasil. Mas ela mal repercutiu na imprensa fora de São Paulo, não teve o impacto que a historiografia lhe atribui. Ela foi resgatada imediatamente após a morte de Mário de Andrade”, afirma Rafael Cardoso.
“Virou verdade inquestionável. As pessoas passaram a tratar a Semana como o fenômeno que transformou a história do Brasil. Mas ela mal repercutiu na imprensa fora de São Paulo, não teve o impacto que a historiografia lhe atribui. Ela foi resgatada imediatamente após a morte de Mário de Andrade”, afirma Rafael Cardoso.