O documentarista franco-suíço Georges Gachot tem 59 anos de vida. “Sou muito jovem, pois minha idade brasileira é 19 anos”, diz ele de seu escritório, em Zurique. Foi em 2003 que Gachot desembarcou no Brasil. Apaixonado pela música clássica e pelo jazz, descobriu a MPB por meio de Maria Bethânia, durante um show, no final dos anos 1990, no Festival de Montreaux.
Com a obra dedicada à música, ele já fez quatro filmes sobre a produção brasileira. Três deles estão sendo lançados neste mês pela plataforma Reserva Imovision: “Onde está você, João Gilberto?” (2018), seu longa mais recente, acrescentado ao catálogo na semana passada; “Maria Bethânia: Música é perfume” (2005), que estreia nesta quarta-feira (9/2); e “Rio sonata: Nana Caymmi” (2010), que será disponibilizado no próximo dia 16. O pacote de lançamentos vai até o dia 23, quando ficará disponível o documentário “Martha Argerich, conversas noturnas” (2003), sobre a pianista argentina.
Todos os quatro são artistas de reconhecida excelência – e de personalidade forte. Gachot conta que foi com o filme sobre Argerich que ele conseguiu convencer Bethânia a se deixar filmar por ele. “Eu me lembro da emoção que senti durante o show dela. Quando decidi fazer um documentário sobre ela, mandei uma cópia do filme da Martha. Só por isso ela aceitou”, relembra ele.
CONVERSA COM BETHÂNIA
Filme que lhe abriu as portas da música brasileira, “Música é perfume” registra a fase do álbum “Brasileirinho” (2003), com os ensaios em estúdio e a ida do show para o palco. Traz também uma conversa do diretor com a cantora, além do registro da vida em família, com uma viagem a Santo Amaro da Purificação e vários depoimentos, incluindo o de dona Canô.O documentário tem 80 minutos – Gachot registrou 120 horas, material que ele digitalizou durante a pandemia. “Em um show de ‘Brasileirinho’ no Canecão, encontrei a Nana Caymmi”, conta.
Decidido a documentar a vida dela, comenta que foi um processo diferente. “A qualidade da arte das pessoas é uma coisa; a vida delas, outra. No caso da Bethânia, tínhamos a família, uma grande festa. Com a Nana foi um pouco mais complicado. Ela perdeu parentes durante as filmagens, então não estava tão aberta. Por isso utilizamos muito mais coisa de arquivo.”
Com os dois filmes prontos e lançados, Gachot chegou a João Gilberto. Já havia conversado muito com Miúcha sobre ele, falando de sua vontade de conversar com o pai da bossa nova sobre música clássica, uma paixão de ambos. “Ela me dizia que gostava da ideia, que tinha falado de mim para o João.” Os dois nunca se encontraram.
LIVRO SOBRE JOÃO
Até que houve o lançamento do livro “Ho-ba-la-lá – À procura de João Gilberto” (2011), do jornalista alemão Marc Fischer, que veio ao Brasil em 2010 com a missão de se encontrar com o recluso cantor e compositor baiano. Tampouco se encontraram, e o autor relata, com detalhes, sua passagem pelo Rio e por Diamantina, assim como os encontros com várias pessoas que conviveram com João. Fischer se suicidou pouco após o lançamento da obra. Para fazer o filme, Gachot se colocou dentro da narrativa, refazendo os passos de Fischer no Brasil. “Foi uma grande novidade para mim, pois estou dentro do filme. Foi complicado; eu tinha também a responsabilidade de contar a história do Marc Fischer de forma correta.” “Onde está você, João Gilberto?” fez sucesso aqui e lá fora – Gachot foi ao Japão para lançar o filme, que vendeu 17 mil ingressos nos cinemas do país asiático.
Para o documentarista, fazer filmes é correr riscos. “É importante você fazer um filme com o mesmo risco que o artista tem dentro de sua vida. Às vezes, quando estou filmando, não sei o que vai acontecer no dia seguinte. Muitas vezes fico esperando o artista abrir as portas. É importante entender isso antes de filmar.”
Foi dessa maneira que ele conseguiu realizar um documentário sobre Martha Argerich. Foram anos e anos de tentativas de entrevistá-la. Reclusa, ela é conhecida pela genialidade (chamada de “A maior pianista do mundo”, era amiga de Nelson Freire desde a juventude, amizade que lhe rendeu parcerias em palco e discos) e pelo temperamento intempestivo. Tem fama de cancelar concertos em cima da hora.
“É uma longa história, pois na época ela não dava entrevista para a câmera. Foi difícil, mas eu, como ela, sou libriano também. Apresentei um filme que fiz sobre Debussy (um documentário de 1999 para a TV), até que um dia ela me disse: ‘Vou fazer um concerto de Schumann em Heilbronn, na Alemanha’.”
Gachot foi. Martha havia dito que faria uma única entrevista. “Durante o ensaio, ela começou a falar sobre Schumann. Depois de 10 minutos, vi que não tinha ficado muito interessante. Falei que ela precisava falar da experiência com a música clássica.” Depois do concerto e do jantar no restaurante do hotel, ele conseguiu pelo menos duas horas de conversa.
GEORGES GACHOT
• A plataforma Reserva Imovision disponibiliza neste mês quatro filmes do documentarista: “Onde está você, João Gilberto?” (já liberado); “Maria Bethânia: Música é perfume” (estreia nesta quarta, 9/2); “Rio sonata: Nana Caymmi” (estreia na próxima quarta, 16/2); e “Martha Argerich, conversas noturnas” (estreia em 23/2). Acesso para assinantes em www.reservaimovision.com.br