Sucesso da Netflix, o documentário “O golpista do Tinder” vem gerando polêmica nas redes sociais desde 2 de fevereiro, quando foi lançado na plataforma de streaming. Já se fala em transformá-lo em filme de ficção. Dirigido por Felicity Morris, conta a história do israelense Shimon Hayut, envolvido em fraudes e autor de golpes, que somaram US$ 10 milhões, contra mulheres que atraiu por meio do aplicativo de relacionamentos.
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Leviev se aproximava das mulheres por meio do Tinder, conquistava a confiança delas e exibia sua vida de luxo. Apaixonadas, as vítimas acreditavam em promessas de casamento, viajavam com o “herdeiro” e eram “alertadas” para o fato de estarem envolvidas com alguém do ramo de diamantes.O golpe de Leviev é digno de filmes de Hollywood. O vigarista enviava às mulheres fotos em que ele e o seu suposto guarda-costas apareciam feridos, dizendo-se perseguidos por máfias e inimigos de sua família. Pedia às vítimas para usarem os cartões de crédito delas, pois dessa forma ele não seria rastreado por supostos inimigos.
Leviev também as induzia a tomarem empréstimos e usava o dinheiro para pagar cartões de crédito das outras vítimas, montando um esquema parecido com a pirâmide financeira, girando milhares de dólares.
Para não ser flagrado, o golpista evitava ficar muito tempo em apenas um local. Procurado pela polícia de sete países, foi condenado na Finlândia e libertado após cumprir 15 meses de prisão.
Para não ser flagrado, o golpista evitava ficar muito tempo em apenas um local. Procurado pela polícia de sete países, foi condenado na Finlândia e libertado após cumprir 15 meses de prisão.
O esquema veio a público graças a Cecilie Fjellhoy, norueguesa radicada em Londres que teve a coragem de revelar ao tabloide VG seu relacionamento com o estelionatário, entregando aos jornalistas quase 500 páginas de trocas de mensagens, fotos, vídeos e áudios com Leviev.
A verdadeira identidade do golpista foi descoberta com a ajuda da operadora de cartões de crédito American Express. Jornalistas do VG foram a Telavive, no endereço registrado em processo de fraude envolvendo Hayut datado de 2011. Encontraram a mãe dele, que revelou não ter contato com o filho desde aquela época.
Repórteres também chegaram à sueca Pernilla Sjoholm, que aparecia em muitas fotos no Instagram oficial do golpista. Ela revelou ter se tornado amiga dele, sem envolvimento romântico, e contou ter emprestado ao vigarista todas as suas economias.
INGENUIDADE E CULPA
Cecilie e Pernilla ajudaram a desmascarar Shimon Hayut, mas tiveram de lidar com xingamentos nas redes sociais quando a reportagem foi publicada, em 2019. As vítimas foram “condenadas” por não desconfiarem dele. Essa discussão sobre a ingenuidade das mulheres recrudesceu quando o documentário de Felicity Morris foi lançado este mês.Apresentadora do podcast Não Inviabilize, que aborda casos envolvendo amor, golpes e “micos”, a psicóloga Déia Freitas diz que é comum ela receber notícias dessa natureza envolvendo mulheres que nem de longe se enquadram no perfil de carência e fragilidade que se pode esperar de vítimas de casos assim.
Na opinião de Déia, pessoas bem-estabelecidas na vida, com instrução e emprego estável, estão sujeitas a golpes dessa natureza.
A psicóloga destaca o contexto de sedução e luxo criado para seduzir e enganar. “Todo mundo quer ser amado. Então, é muito cruel você colocar a culpa nas vítimas. Aparece um cara muito legal, que está ali fazendo tudo o que você quer, dizendo que te ama... Demora tempo até ligar o primeiro alerta”, defende.
“Há homens que conseguem que as mulheres financiem carros e motos, paguem faculdades. Os valores são menores, mas é o mesmo tipo de golpe. É o cara sedutor que blinda você, não lhe dá tempo de pensar e meio que isola você (de amigos e família). Fala o que você quer ouvir. Se ele não consegue o que quer, fica até agressivo né?”, observa.
A apresentadora do podcast Não Inviabilize conta que, recentemente, houve um golpe em que a mulher nem sequer pôde registrar boletim de ocorrência, pois como havia se casado com o vigarista, o roubo não configura crime.
A advogada Sara Ribeiro afirma que, no Brasil, a questão afetiva e emocional serve de condicionante para o crime de estelionato. Nesse caso, as vítimas devem denunciar e recolher provas no prazo máximo de seis meses, o que acaba dificultando a investigação e a punição do criminoso.
Toda a questão do estelionato reside na prova, explica Sara. “Se a vítima perceber a situação e for capaz de comprovar que foi induzida a erro em tudo – inclusive no casamento –, ela não perde o direito, até porque continua sendo vítima do estelionato. Ela pode pedir a anulação do casamento por erro ou vício de vontade”, detalha.
Impunidade chama a atenção
A sensação que fica do “caso do Tinder” é a impunidade. Shimon Hayut, ou Simon Leviev, foi detido na Grécia, deportado, preso em Israel por cinco meses por um outro golpe e solto graças a um programa de desocupação de cadeias durante a pandemia.
A única de suas vítimas que conseguiu reverter parte do prejuízo foi a holandesa Ayleen Charlotte, responsável por denunciá-lo à polícia grega.
Após a repercussão do documentário, o Tinder afirma ter banido Hayut/Leviev da plataforma. No Instagram, ele se apresenta como Simon Leviev (simonleviev_.official), continua ostentando vida de luxo e exibe presentes que afirma ter recebido de fãs. Inclusive, diz que está em um relacionamento com modelo israelense. Há vídeos dele fumando charutos, fazendo selfies em jatinhos, posando em belos quartos de hotel.
Na última segunda-feira (7/2), o israelense publicou, no stories, o aviso de que dará a própria versão sobre o escândalo nesta sexta-feira (11/2). “Se eu fosse uma fraude, por que iria aparecer na Netflix? Quero dizer, eles deveriam ter me prendido quando ainda estavam filmando. É hora de as senhoras começarem a dizer a verdade”, escreveu. E ainda se apresenta como o dono de um site especializado em “conselhos comerciais” voltado para empreendedores.
* Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria
* Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria