No ano em que completa uma década de realização, o Artes Vertentes – Festival Internacional de Artes de Tiradentes começa nesta quinta-feira (10/2) retomando o fôlego, após um período de dificuldades e desafios impostos pela pandemia.
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“Adotamos esse tema em 2020, mas achamos uma pena que ele tenha sido abordado apenas de maneira remota”, diz. “Neste momento em que a gente convive com rios poluídos, barragens caindo, lama se espalhando pelo mundo, consideramos muito pertinente seguir com esse mote.”
Ela afirma que toda a programação foi montada em torno das representações e simbologias da água. A produtora cultural destaca, contudo, um outro eixo importante que orienta o evento deste ano: o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922.
ARTES VISUAIS
No âmbito das artes visuais, o festival recebe a exposição “Benjamina”, de Nelson Cruz, com as obras originais que deram origem ao livro homônimo, lançado em 2019; uma instalação in situ a partir do universo de Cobra Norato, personagem folclórico que habita o imaginário dos povos dos rios brasileiros; e a mostra “Entre costas duplicadas desce um rio”, que apresenta obras de Demóstenes Vargas, François Andes, Guilherme Gontijo Flores, Laura Belém, Mari Mael, Marlon de Paula, Nelson Ramirez de Arellano, Pedro Motta e Rick Rodrigues que têm a água como fio condutor.
Essa exposição coletiva reverbera também na seara literária do festival, já que será lançado um livro homônimo, resultado da residência artística realizada pelo poeta e escritor Guilherme Gontijo Flores em Tiradentes, a convite do Artes Vertentes. Ainda no campo da literatura, haverá o lançamento do livro “Arrastados”, de Daniela Arbex, com a presença da autora, e uma mesa-redonda virtual sobre o tema “A água como ponto de conflito no Brasil contemporâneo”, com as participações de Ailton Krenak e Eliane Brum.
A programação musical – um dos pontos fortes do festival – terá como destaques a presença de André Mehmari como compositor residente, e a execução de obras de Heitor Villa-Lobos, na esteira das celebrações do centenário da Semana de 22. Do compositor, que foi um dos pilares do movimento modernista, será apresentado o conjunto de suas canções, interpretado pela soprano Eliane Coelho, e a integral das “Sonatas para violino e piano”, interpretadas pelos violinistas Ara Harutyunyan e Stepan Yakovitch e pelos pianistas Jacob Katsnelson, Cristian Budu e Gustavo Carvalho.
ANDRÉ MEHMARI
Com uma programação tão vasta, Maria Vragova aponta que esses recortes musicais são alguns dos pontos altos desta 10ª edição do Artes Vertentes. Estreante no Festival, André Mehmari chegou à cidade histórica na última terça-feira (8/2) e iniciou ontem os ensaios para o concerto de abertura, que será realizado logo mais, às 21h, na Matriz de Santo Antônio, e para outras apresentações que fará ao longo da programação.
“Sou o compositor residente desta edição, então várias obras minhas serão executadas aqui no festival por diferentes formações e eu, inclusive, participarei como pianista em algumas delas. Além da abertura, com ‘Suíte brasileira’, a programação inclui vários outros temas de minha autoria”, diz, citando as obras “Choro breve”, “Viagem de verão”, “Sonata para viola” e as “Variações Villa-Lobos”. “Além disso, eu vou fazer um recital solo e também participo do encerramento com meu duo com a Mônica Salmaso”, diz.
Vragova destaca que, ao todo, serão 18 concertos de música clássica e popular. “Teremos oito concertos em que serão executadas obras de André Mehmari”, cita. Ela destaca a apresentação de encerramento. “A gente tem foco maior na música clássica, então é muito significativo ter dois nomes tão importantes representando esse espaço da música popular.”
ELIANE COELHO
Presença constante ao longo de toda a história do Festival Artes Vertentes, tendo participado de praticamente todas as edições, Eliane Coelho exalta a qualidade artística da programação para além da música. “É um evento que reúne artistas excelentes, ótimos instrumentistas, ótimos artistas plásticos, grandes escritores. O festival abrange muita coisa, tem muitas facetas, há um leque de possibilidades artísticas. A arte no Brasil é muitas vezes menosprezada ou tratada como se fosse algo para uma minoria, quando na verdade deveria ser para todo mundo. A organização do festival tem isso em mente e maneja a programação de forma muito aberta, para que tenha alcance”, aponta.
Sobre o conjunto das canções de Villa-Lobos que vai interpretar, também no concerto de abertura, precedendo a apresentação de Mehmari, a soprano diz que foi o passo mais evidente do compositor rumo às proposições modernistas. “Ali já não tem mais tanto a coisa folclorista da ‘Floresta amazônica’. Villa-Lobos parte para experimentar harmonias mais modernas. Gosto muito de poder mostrar esse lado dele”, diz. Ela volta a se apresentar no sábado e no domingo, quando encerra sua participação interpretando “O pastor na montanha”, de Schubert.
"CARNAVAL DOS ANIMAIS"
Outro destaque da programação musical do 10º Festival Artes Vertentes de Tiradentes, segundo Vragova, é a apresentação, no próximo domingo (13/2), do concerto “Carnaval dos animais”, de Saint-Saëns, dedicado ao público infantil e no qual convergem as diferentes linguagens propostas pelo evento. Ela ressalta que o cenário do concerto foi criado pelas crianças que participam da Ação Cultural Artes Vertentes, promovida semanalmente entre os meses de março e dezembro, e que se constitui numa iniciativa contínua e permanente da organização do evento, com cursos de artes visuais e música, entre outros.
“Também para essa apresentação do ‘Carnaval dos animais’, fizemos uma encomenda à premiada escritora Maria Valéria Rezende, que fez uns pequenos haicais que serão lidos durante o concerto. Esse espetáculo é, para mim, a alma do festival, por mostrar essa interação entre diferentes expressões, com a música, a literatura e as artes visuais. A característica marcante do Artes Vertentes é justamente esse trânsito entre diversas áreas. Acredito que não haja outro festival do gênero no Brasil”, aponta.
TEATRO E CINEMA
As artes cênicas e o cinema também estão contemplados nesta 10ª edição do Festival Artes Vertentes. No próximo dia 18, será apresentado o espetáculo “Velejando desertos remotos”, no Centro Cultural Yves Alves. A peça é livremente inspirada no livro “As cidades invisíveis”, de Ítalo Calvino. Seguindo os caminhos do viajante Marco Polo, personagem central da obra, o percurso realizado pelos personagens em cena e o deserto servem de metáfora para a descoberta da vastidão existente dentro de cada um.
No campo do audiovisual, oito filmes de ficção, não ficção e animação enriquecem as reflexões em torno da água na programação do festival. Entre os destaques figuram “Lavra”, de Lucas Bambozzi, e “O adeus”, da cineasta russa Larissa Shepitko, além do clássico “Morte em Veneza”, de Luchino Visconti, e “A lenda do pianista do mar”, de Giuseppe Tornatore.
Toda a programação, conforme explica Vragova, se espraia pela cidade histórica, ocupando as igrejas com as apresentações musicais, casarões históricos com as exposições de artes visuais, e espaços públicos com as obras resultantes das residências artísticas previamente promovidas pela organização do festival.
BALANÇO DE 10 ANOS
No aniversário de 10 anos do Artes Vertentes, ela avalia que uma trajetória vitoriosa foi cumprida desde sua criação. “O festival foi o vencedor do prêmio da revista Concerto, a única dedicada à música clássica no Brasil, que destaca os principais eventos do cenário no país. Para nós é um mérito muito grande, que mostra a importância dessa iniciativa. A gente se manter vivo e relevante durante 10 anos, apesar de tantos obstáculos colocados no caminho da cultura ao longo dos últimos tempos, é algo quase surreal”, afirma.
Todos os protocolos sanitários contra a COVID-19 são seguidos, como a obrigatoriedade do uso de máscara, distanciamento de 1,5m, uso de álcool em gel e medição de temperatura. A programação completa do 10º Festival Artes Vertentes, com locais e valores dos ingressos para as atrações cuja entrada é cobrada, pode ser conferida no site www.artesvertentes.com.