A Berlinale mostrou duas formas diferentes de narrar cinematograficamente a violência no México, com os longas "Manto de gemas", da boliviana radicada no México Natalia López Gallardo, que concorre ao Urso de Ouro, e "El Norte sobre el vacío", da mexicana Alejandra Márquez Abella, selecionado para a seção paralela Panorama.
"Manto de gemas" é o primeiro longa-metragem de López Gallardo, atriz e autora de curtas-metragens e montadora de filmes de diretores como o argentino Lisandro Alonso, o mexicano Carlos Reygadas e o catalão Amat Escalante. Filmado em Morelos (Centro), acompanha a trajetória de três mulheres cujas vidas são alteradas pela violência cotidiana do país.
Trata-se de um filme quase documental: não há trilha sonora, os diálogos são esparsos, luz natural o tempo todo e enquadramento sóbrio e austero. Os personagens (em sua maioria atores locais) falam quase em sussurros, um eufemismo em um México tomado pela violência, que explode em flashes de grande impacto visual. López Gallardo opta por não explicar uma história precisa, mas seus fragmentos.
Na trama, Isabel (Nailea Norvind), recém-divorciada, quer ajudar Maria (Antonia Olivares), que está procurando sua irmã desaparecida, mesmo que isso possa colocar em risco sua própria vida. Nesse percurso, ela se depara com uma policial que luta para evitar que seu filho caia nas garras dos traficantes de drogas.
"Para mim, foi muito difícil colocar palavras na boca de Maria ou da policial. Então, depositei toda a minha confiança na linguagem cinematográfica", explicou a diretora. Seus personagens optam por enfrentar o perigo, mas López Gallardo (que também assina o roteiro de "Manto de gemas") se recusa voluntariamente a explicá-lo com um fio condutor.
"Encontrei uma linha muito tênue entre vítimas e agressores", explicou. "O México é um país complexo. É preciso abordá-lo de forma abstrata", disse.
FAZENDA "El Norte sobre el vacío" se passa, como o título indica, no Norte rural do país, onde um fazendeiro decadente, Don Reynaldo, recebe a visita de dois criminosos que lhe oferecem "proteção" em troca de dinheiro. Isolado e com pouco apoio da família, ele deve tomar uma decisão: enfrentar ou abaixar a cabeça?.
Também mostra personagens obscuros, nem totalmente culpados nem inocentes, presos em um emaranhado de medos, necessidades, desejos. "O filme é inspirado em um caso real, de um homem que defendeu seu rancho de um grupo criminoso. Ele os atacou de pijama", explicou a diretora. Don Reynaldo beira o despotismo com os trabalhadores de sua fazenda e não consegue demonstrar ao filho o amor que tem por ele.
Como em um filme de faroeste da era clássica de Hollywood, o drama se constrói aos poucos, até o desfecho. Algo incomum num festival, ambos os filmes compartilham um ator em papéis muito semelhantes: o jovem Juan Daniel García Treviño.
Alejandra Márquez Abella se diz fã da nouvelle vague francesa, mas admite que seu filme está mais próximo de uma linguagem de gênero. "Sinto que é um pouco mais solto do que eu imaginava. Comecei dizendo que era um 'western vegano', mas agora estou dizendo que é um 'western emocional'", brinca.
Este é o terceiro longa-metragem de Alejandra Márquez Abella (“Semana Santa”, “Las niñas bien”), que tem trabalhos também para a TV, incluindo a direção de episódios da série “Narcos”.(France-Presse)