Depois de mudar de endereço no ano passado e entregar à capital mineira novas e monumentais obras a céu aberto na região da Praça Raul Soares, o Cura – Circuito Urbano de Arte volta à carga a partir desta segunda-feira (14/2), com a nova etapa de sua sexta edição, promovendo intervenções naquele mesmo espaço.
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As dificuldades enfrentadas durante a primeira etapa desta 6ª edição do Cura estiveram relacionadas com os impasses vividos pela cultura no atual cenário político brasileiro, especialmente, conforme aponta Juliana Flores, com a atuação em âmbito federal no sentido de enfraquecer e mesmo boicotar o setor, atrasando processos, autorizações, homologações e liberação de recursos.
Priscila Amoni explica que o Cura é realizado com recursos obtidos por meio das leis municipal, estadual e federal de incentivo à cultura. “Os trabalhos foram interrompidos porque não tivemos o repasse do dinheiro pela instância federal, o que consideramos um boicote. Estamos na expectativa de concluir esse ciclo dando o melhor de nós, apesar dos prejuízos que tivemos, porque você faz um planejamento pensando na realização do evento dentro de um prazo determinado”, diz.
Ritual de ativação
Ela destaca que as novas obras que vão integrar o Circuito são muito importantes para fechar o conceito desta edição, o que se relaciona com a chegada à Praça Raul Soares. “O Giramundo vai fazer uma espécie de ritual de ativação ali, em torno da fonte. Vamos entrar em 2022 com uma nova energia, para que seja um ano de renovação cultural e política, porque o que estamos vivendo como cidadãos e agentes da cultura é um pesadelo”, observa.
Priscila diz que a aproximação com o Giramundo se deu de forma natural e espontânea. “A gente brinca que nem é preciso fazer curadoria, os artistas é que chegam aqui no nosso campo mental. O Giramundo chegou e se encaixou perfeitamente.”
A equipe do Cura pensou numa instalação em volta da praça que prestasse homenagem a Belo Horizonte, o que suscitou o desejo de uma parceria com algum artista ou grupo tradicional da cidade, que tivesse uma relação pregressa com o espaço urbano.
“O Giramundo está às voltas com as comemorações de seu cinquentenário e eles queriam resgatar as ações no espaço público, na rua, resgatar um público jovem, então foi um casamento perfeito”, afirma a curadora. Batizada “Gira de novo”, a instalação faz referência tanto às crianças quanto aos ciclos do universo, os movimentos do sol e as fases da vida humana como símbolo de recomeço.
“Foi uma construção coletiva. Tivemos a ideia a partir de uma foto de crianças, provavelmente moradoras de rua, nadando no chafariz da Raul Soares. Queríamos expressar essa energia da infância, da brincadeira. Como nós, do Cura, e o pessoal do Giramundo temos ligação com uma cultura de terreiro, de religiões afro-indígenas, trabalhamos com essa ideia do erê. Quando falamos de erê e de criança brincando no chafariz, estamos dialogando com a cidade, com os moradores de rua e com os povos de terreiro”, aponta.
Cosmograma bakongo
Neto dos fundadores do Giramundo, Álvaro Apocalypse e Terezinha Veloso, Hot Apocalypse diz que, a partir dessa imagem sugerida pelo Cura, idealizou a obra, cuja confecção envolveu membros do grupo. “É um trabalho inspirado no cosmograma bakongo, que foi trazido ao Brasil pelo congolês Bunseki Fu’Kiau. Pensamos a instalação em função do formato da praça. O cosmograma é um círculo com quadrantes. Na instalação, em cada quadrante vai ter um erê, o que traduz um pouco a coisa dos primeiros passos, do começo e do recomeço, inserindo isso na vida cotidiana, na rua”, comenta.
Ele destaca que, internamente, “Gira de novo” também tem um significado especial para o Giramundo, já que representa uma volta ao espaço urbano. “Na Praça do Peixe, na Lagoinha, tem uns peixes que são uma instalação antiga do Giramundo. Os últimos anos foram difíceis para nós, assim como para todo mundo, e ao mesmo tempo estamos num momento de comemoração pelo nosso cinquentenário, então esse trabalho na Raul Soares representa uma volta para a rua. É bastante simbólico”, afirma.
Hot explica que chegou ao cosmograma bakongo por meio de pesquisas que o Giramundo já vinha realizando com vistas a um novo filme – o segundo na trajetória do grupo, que no ano passado realizou a adaptação para o cinema da montagem “O pirotécnico Zacarias”. Ele diz que, para essa produção, focada na história do Brasil, o grupo estudou a cultura bantu, que chegou ao país no primeiro período da colonização.
Encruzilhada viária
“O cosmograma foi a ideia que melhor casou com o que as meninas do Cura queriam para a praça, por ser circular, por ser a maior encruzilhada viária de Belo Horizonte. O ‘Gira de novo’ é uma estrutura bem grande, que toma conta da praça, com cabeças gigantes. É um chamado mesmo para a gente voltar a conviver na rua, na medida em que o cenário da pandemia for melhorando”, diz o artista.
Ele ressalta que é gratificante para o Giramundo poder participar do Cura, porque, de certa forma, representa uma reconexão com a história do próprio grupo. “A arte urbana pulsa em Belo Horizonte há muito tempo, e as meninas do Cura tiveram a visão de engrandecer esse panorama. É um festival que tem trazido muralistas urbanos muito importantes para a cidade e tem dado o devido reconhecimento aos artistas locais”, aponta.
“É uma iniciativa que tem muito a ver com o Giramundo, no sentido de que busca sempre se reinventar, que é o que o nosso grupo está fazendo agora. A gente vê isso nas meninas. Mesmo com a pouca idade do Cura, ele demonstra essa intenção de se reinventar sempre e reinventar o espaço urbano”, acrescenta.
Referência do grafite
Sobre a participação de Mag Magrela na segunda etapa desta 6ª edição do Cura, Priscila Amoni diz que é uma grande distinção para o festival, já que Mag Magrela é uma referência do grafite no Brasil, um “ícone” que, a despeito de seu pioneirismo e trajetória, se submeteu ao edital.
“Ela está nas ruas há 15 anos, é das primeiras grafiteiras de São Paulo, desde que me entendo por artista e muralista, conheço o trabalho dela. Mesmo sendo esse monstro do grafite brasileiro, ela se inscreveu no edital como qualquer outro artista, estava buscando um espaço no Cura ao lado de outros nomes, iniciantes inclusive”, diz, acrescentando que a convocatória recebeu mais de 300 propostas. “A Magrela mantém a humildade, o corriqueiro do trabalho”, aponta.
Ela destaca que um traço distintivo do Cura em relação a outros festivais de arte é precisamente o compromisso com a história da linguagem que ele abarca. “É um festival que já se tornou relevante no Brasil porque virou uma referência nesse lugar de apontar caminhos, revelar novos talentos, mas também consagrar os que já estão na cena há mais tempo. A gente está sempre em busca do diálogo. O Cura se permite escutar, aprender, propor e se transformar”, diz.
Priscila explica uma das razões de sua admiração pela artista paulista: “Ela é convidada para fazer mural em Nova York, mas não deixa de ir para a rua em São Paulo com recursos próprios. Magrela tem essa característica da artista de rua mesmo, da grafiteira que segue fazendo sua arte por prazer”.
Empoderamento feminino
Outro aspecto que ela aponta no trabalho de Magrela são as formas femininas singulares que compõem sua obra. “Ela tem um conceito que dialoga com o empoderamento feminino. Seu trabalho traz muito as figuras de mulheres abraçadas, que se fortalecem, que catam pedras e fazem delas uma muralha.”
Desde a primeira edição, a realização do Cura é norteada pela ideia do encontro, com atividades e ações conexas que acontecem em paralelo à feitura das obras. Priscila diz que, desta vez, optou-se por não desenvolver nenhuma iniciativa nesse sentido, devido ao atual cenário epidemiológico.
No entanto, uma ação on-line será conduzida pela artista Silvia Herval, ao longo dos próximos 13 dias. Ela fará, diariamente, uma simpatia que remete à trezena de Santo Antônio, com postagens em seu Instagram e no Cura. “A ideia é dizer que está todo mundo trabalhando com magia. Pretendemos, com essa atividade, superar mesmo essa questão da discriminação religiosa, dialogando e incorporando a dimensão do catolicismo popular”, aponta Priscila.
Mais Raul Soares
Segundo a curadora, uma vez encerrada esta etapa, a intenção é trabalhar pelo menos mais duas edições do Cura na Praça Raul Soares, para que se possa aprofundar naquele ecossistema, pesquisar os hábitos e a história da região e encorpar o novo “mirante”.
O Circuito Urbano de Arte realizou sua quinta edição em 2020, completando 18 obras de arte em fachadas e empenas, sendo 14 na região do Hipercentro da capital mineira e quatro na região da Lagoinha.
CURA – CIRCUITO URBANO DE ARTE
Segunda etapa da sexta edição. A partir desta segunda-feira (14/2) até o próximo dia 25, na Praça Raul Soares. Mais informações no Instagram e no site do projeto.