Jornal Estado de Minas

FORÇA, AMIGOS!

Comediante dos EUA se solidariza com o que o Brasil está 'prestes a passar'


Tradição da TV americana, a sátira política tem hoje como nome mais relevante nos Estados Unidos um britânico. Ok, um cidadão norte-americano desde 2020, mas ainda assim um britânico. O comediante John Oliver, de 44 anos, dá início à sua nona temporada à frente do “Last week tonight”, na HBO Max, neste domingo (20/2), nos Estados Unidos. A exibição no Brasil será sempre às terças, a partir do próximo dia 22.





Até outubro, ele irá, durante meia hora, apresentar histórias sobre o Afeganistão, imigração, desemprego, indústria das armas e... coelhos gigantes. Sim, porque desde 2021 de volta ao estúdio e novamente com plateia (ainda que reduzida), o programa de humor é capaz de falar de assuntos realmente relevantes em meio a idiotices como ursos de pelúcia jogados para o alto. 

A receita é a mesma ao longo de nove anos – a décima temporada já está confirmada para 2023: basicamente, a cada semana Oliver escolhe um tema de referência que transforma em um segmento de quarto de hora e em torno do qual faz girar os demais componentes do programa.

O que não quer dizer que seja fácil. Com piadas mordazes, Oliver busca apresentar histórias que o público não viu. Ou se já viu, é apresentada por ângulos diferentes. Com uma plateia cada vez mais global graças à internet (o canal do programa no YouTube, alimentado constantemente, está beirando os 9 milhões de inscritos) e ao streaming, ele não se furta a grandes histórias que saiam das fronteiras americanas.  

Em entrevista a um grupo de jornalistas estrangeiros da qual o Estado de Minas participou, Oliver falou sobre seu processo de produção, a dificuldade de trabalhar em meio à pandemia e as “figuras políticas extravagantes” que não faltam hoje, mesmo na ausência de Donald Trump. 



“A menos que você seja muito cuidadoso, poderá passar todo o seu tempo dando atenção demasiada a coisas patéticas que estão falando em vez de dar atenção ao que estão fazendo”, afirmou. E, sim, assim como fez em 2018, ele deverá dedicar um programa à eleição presidencial no Brasil. “Sinto muito pelo que vocês estão prestes a passar.” 

“LAST WEEK TONIGHT” 

A nona temporada da série de John Oliver tem estreia prevista para esta terça (22/2), na HBO Max

ENTREVISTA


Em 7 de outubro de 2018, primeiro turno das eleições brasileiras, você dedicou seu programa ao pleito, criticando tanto o então candidato Jair Bolsonaro quanto a campanha do PT. Teremos neste ano novas eleições no Brasil. Podemos esperar a campanha novamente na pauta do programa?
Me parece muito improvável que não mencionemos as eleições brasileiras de alguma forma. Basicamente, tudo a respeito disso é extremamente interessante para mim. Então, sim. Não prometo, mas não consigo imaginar um mundo em que não cubramos as eleições brasileiras. E sinto muito pelo que vocês estão prestes a passar.

Assim como no Brasil, a França também terá uma eleição presidencial em 2022. Estará no programa?
Toda vez que alguém pede para falar sobre as eleições de algum país é porque as coisas não estão indo bem. Ninguém fala comigo: ‘Fale sobre as nossas eleições porque temos um bom elenco de candidatos’. Então, sim, vamos tentar encontrar espaço para mostrar a dor dos franceses também. 

O que motiva você a apresentar histórias de outros países?
É sobre encontrar o ângulo certo e a hora certa de falar a respeito para o público americano. Geralmente, são eleições. Por isso, falei sobre as eleições brasileiras, mostrei quem era o Bolsonaro. Achava que ele tinha chance de ganhar e as pessoas tinham que saber quem era este cara, o que a eleição poderia trazer de consequência. Tento apresentar outro olhar, dar uma perspectiva para o meu público sobre questões internacionais. Por isso, fizemos no ano passado uma grande história sobre Taiwan (mostrando como a ilha foi, historicamente, governada por outros países e falando de sua relação atual com a China). Tentamos mostrar o que os taiwaneses queriam para eles. Normalmente, uma eleição é a maneira mais comum de falar da situação de um país. Isso é mais prático do que falar muito de história de um lugar, coisa que não dá para ser feita em apenas um programa, mesmo com alguém de fala rápida como eu.





Quais foram os desafios em retornar para o estúdio na temporada passada e o que você espera desta?
Em termos de produção, o grande desafio foi não estar lá. Então, foi um alívio enorme retornar ao estúdio no ano passado, basicamente porque tivemos, em 2020, que fazer o programa de nossas casas em Nova York, o que não é o ideal. Foi muito difícil fazer o programa sem material algum, além da sua cabeça, em um quarto com uma parede branca. Na época em que estava tudo reduzido, até conseguir colocar o programa no ar era um desafio. É excitante voltar ao estúdio, fazer coisas em grande escala, estar apto a gravar fora de novo. Estamos bem animados em retornar agora porque há coisas espetaculares e idiotas, como jogar um urso de pelúcia no teto, o que se pode fazer em um estúdio e não em um apartamento, com pessoas vivendo acima e abaixo de você. 

O seu programa teria a mesma estrutura se estivéssemos em 1999, por exemplo, onde não havia essa proliferação de fake news?
Acho que sim. Trabalhamos muito, sobretudo nas histórias principais de cada programa, pois queremos ter certeza de que tudo foi apurado. Geralmente, trabalhamos em seis grandes histórias ao mesmo tempo. Checamos, com rigor, todas elas para que não possam ser questionadas. Não consigo me imaginar trabalhando de outra maneira, independentemente da época. Poderia trabalhar de outro jeito, mas seria ruim, haveria erros e eu seria cobrado por eles. Fazemos assim por duas razões: porque queremos fazer da maneira correta e porque, se errarmos, poderemos ser processados. Não é que nunca tenhamos sido processados, já fomos, mas nunca perdemos. A intenção não é não ser processado: se formos, queremos ganhar a ação.

Trey Parker, criador de “South Park”, disse certa vez que Donald Trump dificultou a sátira. Trump se foi do poder, mas o mundo continua absurdo. Isso de alguma forma dificultou para os comediantes?
Acho que no geral, sim. Na maioria das vezes, na sátira você pega coisas importantes e encontra uma maneira de fazê-las ridículas. Com Donald Trump, as coisas que ele fazia eram tão ridículas que você tinha que arrumar uma maneira de mostrar ao público que aquilo era importante. Então era uma maneira diferente de processar o que estava acontecendo. Há tão pouco o que aproveitar de figuras políticas ridículas que, a menos que você seja muito cuidadoso, poderá passar todo o seu tempo dando atenção demasiada a coisas patéticas que estão falando, em vez de dar atenção ao que estão fazendo. Esse é o desafio quando você se depara com figuras extravagantes como (o premiê britânico) Boris Johnson, (o ex-presidente dos EUA) Donald Trump, (o premiê húngaro) Viktor Orbán. Tem que ter certeza de que não está trabalhando a favor deles, focando sua atenção nas coisas que menos importam. Esse foi o desafio durante a gestão Trump. Acabou, por ora, mas talvez possa voltar.





Notícias ruins, em geral, são melhores para o programa do que as boas?
Nossas histórias principais não são notícias per se. Trabalhamos mais com histórias que têm diferentes lados. Mas provavelmente somos atraídos por coisas complicadas. Em geral, tentamos mostrar às pessoas coisas que elas ainda não viram. Por isso tentamos fugir das notícias que elas acompanharam a semana toda. No entanto, adoramos ter a habilidade para trabalhar histórias negativas, desafiando as pessoas a olha- rem para o outro lado. É como apresentar uma boa sobremesa depois de um jantar em que o prato principal era só de vegetais.