À margem da esfera midiática, grupos e artistas dos mais variados gêneros musicais espalhados pelos quatro cantos de Belo Horizonte desenvolvem, de forma diligente, um trabalho de formiguinha em busca de espaço e visibilidade.
Realizado com o intuito de atender a uma parcela desse contingente e fomentar a cena, o Circuito do Rock vai promover uma votação popular por meio da qual uma banda será escolhida para ganhar a gravação de um videoclipe profissional, a ser roteirizado, dirigido e gravado pela Babilonya Filmes, produtora independente que já assinou trabalhos para Djonga, Rosa Neon e Hot & Oreia.
A votação on-line estava prevista para ocorrer entre esta quarta-feira (23/2) e a próxima sexta (25/2), mas problema técnico em uma das músicas escolhidas para concorrer obrigou ao adiamento do pleito para a próxima semana, em 3 e 4 de março, informam os organizadores.
A iniciativa é fruto da parceria entre o Circuito Municipal de Cultura e os Centros Culturais em Rede, que abarca os 17 equipamentos públicos espalhados pelas nove regionais de BH. Fazem parte do calendário anual de alguns deles festivais de rock já estabelecidos entre suas respectivas comunidades.
O Rock da Regina, do Centro Cultural Lindéia-Regina, no Barreiro; o Independência e Rock, do Centro Cultural Venda Nova; e o Rock da Pampulha, do Centro Cultural Pampulha, foram os responsáveis por projetar as três bandas que disputam a votação do público no Circuito do Rock.
Os grupos Plan B, representando a Regional Barreiro; Saulo Wolf and the Gang, defendendo a Regional Pampulha; e Tiocapone, pela Regional Venda Nova, foram os escolhidos por uma comissão curatorial do Circuito Municipal de Cultura, a partir dos cadastros nos bancos de dados de cada centro cultural. Cada uma das bandas indicou uma música para concorrer e, com o suporte do Circuito, ganhou uma sessão em estúdio para o registro audiovisual do trabalho.
EVENTOS TRADICIONAIS
“Eventos como Rock da Regina, Periférico Rock, Pampulha Rock ou Independência e Rock, entre outros, realizados nos centros culturais, são tradicionais no calendário da cidade e têm um registro crescente de grupos e artistas locais que veem nas políticas públicas e nesses equipamentos descentralizados um lugar potente para o fluxo de suas produções.
O Centro Cultural Lindeia-Regina, por exemplo, tem um cadastro com cerca de 25 grupos do Barreiro, fato que se repete em diversos outros territórios”, aponta a diretora de promoção dos direitos culturais da Fundação Municipal de Cultural, Bárbara Boff.
Ela explica que o Circuito do Rock foi criado com o intuito de iluminar as ações em torno do gênero musical que já ocorrem nos centros culturais, para potencializar o trabalho e dar visibilidade aos artistas e bandas locais. Bárbara diz que a escolha de Lindeia-Regina, Venda Nova e Pampulha se deveu a uma vocação natural que os respectivos centros culturais têm para abrigar eventos de rock, o que reflete uma dinâmica da própria comunidade.
“A gente achou estratégico focar esses três festivais, o que não exclui a importância de todas as outras iniciativas similares realizadas em outros centros culturais”, diz. “Temos um cadastro grande de artistas de rock nesses três territórios. Os eventos neles realizados contribuem muito para fomentar esses trabalhos. Nós, como agentes públicos, damos atenção. As ações são construídas a partir da escuta, da demanda pelos gestores desses equipamentos”, afirma.
VOCAÇÕES REGIONAIS
Ela ressalva que cada um dos centros culturais tem suas vocações e especificidades, mas, cada vez mais, se articulam num pensamento de rede. “As individualidades são respeitadas, mas a rede trabalha numa perspectiva de vários projetos, de ações de formação, de difusão e de promoção da leitura, por exemplo. É uma lógica de tentar equalizar esse funcionamento para que todas e todos possam acessar todas as formas de fruição cultural.”
Com relação ao Rock da Regina, o Independência ou Rock e o Rock da Pampulha, ela aponta que são festivais que nasceram de uma construção atenta às demandas e à presença dos artistas em seus respectivos territórios. “Em todas as nossas atividades, a gente busca sempre trabalhar com cadastros atualizados. O que observamos é que cada vez mais esses artistas estão presentes nos editais realizados pela Fundação, o que tem a ver com um crescimento profissional dessas bandas”, diz.
A gestora observa que, com o impacto causado pela chegada da pandemia, tornou-se ainda mais necessário olhar atentamente para essa cena, que gira distante das ribaltas consagradas da cultura, de forma a garantir a presença e a continuidade do trabalho. “A gente tem buscado formas de manter cada vez mais próximo esse vínculo e esse diálogo”, diz.
As bandas no páreo do Circuito do Rock
Tiocapone
A banda foi formada em 2018, por iniciativa de Junio Martins, e concorre no Circuito do Rock com a música “Meu cabelo é bom”. Fundador de uma ONG onde dá aulas de música para jovens da região, Martins define o som de seu grupo como “rock de preto”, por tratar de forma recorrente em suas letras de questões sociais e raciais. Elementos de funk, rap, reggae e outros gêneros dentro do universo da black music incorporados à estética roqueira do grupo reforçam essa chancela.
“Nessa música que vai concorrer, trato do empoderamento do cabelo e dos corpos afro. O jovem negro e periférico aqui da região se identifica demais”, diz, acrescentando que ele próprio, na tentativa de adotar o estilo de cabelo black power, sofreu muito preconceito na infância e na adolescência.
“Sofria bullying na escola e, na adolescência, quando quis deixar o cabelo crescer de novo, tive que cortar para trabalhar numa rede de farmácias. Na ONG, tem meninos que vêm falar comigo de abordagem violenta, discriminatória da polícia por causa do cabelo”, afirma.
Ele conta que há muito tempo vinha tentando montar uma banda, mas só em 2018 chegou à formação ideal, com o guitarrista Brunão, o baixista Mistão e a baterista Bielo. O grupo tem dois EPs lançados, “O rock é vida, o resto é sobrevivência”, de 2019, e “Fake news”, de 2020. Com a chegada da pandemia, o Tiocapone se limitou a fazer webclipes caseiros, “alguns muito engraçados”, segundo Junio.
Ele aponta que uma carência de sua região é de espaços para bandas autorais tocarem, já que a maioria dos bares e casas noturnas se abre apenas – ou preferencialmente – para trabalhos cover. O grupo, no entanto, já se apresentou em festivais, como o Independência e Rock e Rock Halloween, e também fez show na antiga Rota 85, no bairro Santa Amélia.
“Também produzimos, em abril do ano passado, o Festival Polo Norte, misturando gêneros como rock, funk e rap, com uma transmissão on-line que alcançou mais de mil visualizações”, diz.
Plan B
Caçula entre as concorrentes, a Plan B, formada em Ibirité em 2019, participa do Circuito do Rock representando a região do Barreiro com a música “Eu sei”.
A vocalista, Daiana Umbelina, diz que, devido à chegada da pandemia, o grupo tem pouca estrada rodada em termos de shows, e algumas músicas gravadas que, no entanto, ainda não chegaram a ser lançadas em nenhuma plataforma.
Ela diz, no entanto, que a Plan B já se apresentou no Centro Cultural Lindeia-Regina, na Mostra Periférica de Música, no ano passado, e em alguns bares e pubs de sua região. Apesar da proximidade que todos os integrantes do grupo mantêm com o Centro Cultural, a Plan B só vai estrear no Rock da Regina este ano, quando será realizada a 28ª edição, na segunda quinzena de março. “Acompanhamos de perto as outras edições, é um evento grande, que fortalece as bandas locais, porque o público chega junto mesmo”, diz.
Ela destaca, a propósito, que a região do Barreiro abriga um grande número de grupos que apostam na música autoral, mas, assim como em Venda Nova, a maioria dos bares e casas de show privilegiam os trabalhos cover. “Mas acontecem muitos eventos que abrem espaço para bandas autorais, como o Som de Rua, a Rádio Rock e o Ensaio Aberto”, cita.
Daiana define o som da Plan B como um pop rock dançante, que se vincula com o pós-punk. “A gente gosta muito de The Cure e de Red Hot Chili Peppers, são nossas principais influências, então a música que a gente faz passa muito por aí”, salienta.
Sobre a música escolhida para concorrer no Circuito Rock, ela diz que “Eu sei” tem uma pegada dançante com uma letra que fala de amor. “A gente acha que as notas se casam em perfeita harmonia com as palavras. E também tem a resposta do nosso público; acho que é a música que faz mais sucesso”, diz.
Saulo Wolf and the Gang
Saulo Wolf milita na seara do rock desde o início dos anos 2000, mas está a bordo de seu atual projeto há dois anos. Além de já ter tocado com diversas bandas e artistas,
ele manteve, durante um bom tempo, um veículo de divulgação on-line voltado para o gênero, o portal Tempo do Rock, e também atuou como produtor.
Ele conta que, com a Saulo Wolf and the Gang concorre representando a Regional Pampulha com a música “Powerkill”, que, na verdade, é uma composição autoral que remonta a um de seus primeiros trabalhos, com a banda homônima, que, conforme diz, tinha uma pegada mais heavy metal. “Acabamos de lançar com a atual formação a música ‘Dream again’, que é uma power balada, então quis, para o Circuito do Rock, entrar com uma coisa diferente, uma música mais vigorosa”, afirma.
Ele diz que a região que representa tem espaços interessantes para os trabalhos autorais, como os centros culturais Lagoa do Nado e Pampulha, e uma cena pujante, com interação entre as bandas locais e apresentações constantes. “No estúdio onde gravamos ‘Dream again’ mesmo é possível ver uma circulação grande de bandas, todas aqui da região”, conta.