Uma leitura simbólica e inovadora do sertão nordestino, assim é “Veneno bento”, novo trabalho do multiartista pernambucano Armando Lôbo. Também em formato audiovisual, esse é o quinto álbum solo do compositor, que aborda a cultura regional, como a religiosidade, a música dos cantadores e as feiras, em duas playlists – uma popular e outra com música contemporânea de concerto.
As canções se inspiram em estilos regionais, como aboio, xote e baião, entre outros. Lôbo explica que o material musical de influência popular não é usado de forma previsível em nenhum arranjo, pois a sua técnica composicional é diversificada em nuances polifônicas e timbrísticas.
A playlist erudita fecha o álbum com quatro peças de formação contrastante, todas fazendo referência ao universo nordestino. “Veneno bento” conta com cenas colhidas na zona rural de Bezerros, no agreste pernambucano, tendo como maior ponto de referência a figura humana e estética do vaqueiro.
Lôbo garante que o álbum audiovisual tem um formato inédito, pois contém videoclipes, lyric vídeos, videopartituras e uma obra eletrovisual (“Alquimia da zabumba”), cuja edição videográfica segue o modelo especulativo da composição eletroacústica.
“Tenho carreira dupla de música de concerto e popular. Esse álbum é fruto de uma imersão no sertão nordestino, procurando ver o que há de fertilidade e não o que há de aridez. E vi mais fertilidade do que aridez lá, nessas minhas pesquisas que, parcialmente, são musicais e emocionais.”
BALAIO DE GÊNEROS
O músico revela que se identifica com a estética sertaneja e o espírito do sertão. “Quis fazer um álbum que fosse ‘inclassificável’ esteticamente, tanto que ele não tem limite de gênero. Além de ter duas playlists, sendo uma popular e outra erudita, acho que elas se misturam e uma ecoa na outra. E há xote, baião, música de câmara e eletroacústica, peça para orquestra de cordas, enfim, é muito diversificado instrumentalmente. E tem orquestra de cordas russa, sanfona, viola caipira, pífano e guitarra elétrica.”
Lôbo explica que “Veneno bento” é uma referência a um termo grego, do qual se origina a palavra farmácia. “Ele é ambíguo, podendo significar tanto veneno quanto remédio, e também como sacrifício humano. Então, juntei tudo isso no caldo poético do álbum. É como se fosse assim: toda a real dificuldade que vemos no sertão, como a questão climática e geográfica, na pobreza e tudo. Há coisas que são medicinais para o espírito. Há tanta beleza, quanto dor.”
O artista ressalta que essa ambiguidade de “Veneno bento” é muito para dizer o que maltrata e o que redime. “Esse é o termo mais poético do álbum. A playlist dois que é de música de concerto é toda minha. No álbum audiovisual, a novidade é que ele é lançado como vídeo também. Todas as 11 faixas têm uma versão em vídeo.”
Para Lôbo, “Veneno bento” tem um grau de pluralidade e formato inédito. “As pessoas falam muito de diversidade, mas cada um está muito dentro do seu nicho, geralmente. Esse álbum não tem um gênero específico.”
FORMATO AUDIOVISUAL
O músico afirma que não pretende lançar o disco no formado físico no momento. “Isso porque acaba sendo um investimento sem retorno, além de ser muito caro para prensar. Hoje, as pessoas ouvem música no celular. Pensei tanto nos formatos atuais de contemplação de música que fiz o álbum também em audiovisual. Todo mundo hoje, quando está ouvindo música, vê o que está passando na tela do telefone. Por isso, pensei em fazer tudo em vídeo.”
Lôbo conta que teve orçamento somente para o áudio. “Porém, fiz o vídeo com pouco dinheiro. Isso é um recado que dou para outros artistas: sejam ousados, procurem se virar sozinhos também, não dependam apenas de incentivo público ou de um grande patrocínio privado. Tenham uma boa ideia e sigam em frente.”
O músico ressalta o resultado artístico e poético de “Veneno bento”, mesmo com nível de investimento baixo para a parte audiovisual. “O vídeo foi uma decisão na raça mesmo. Ele é interessante porque coloca figuras da mística hindu no meio do sertão, junto com o vaqueiro. Também não é um sertão clichê em que as pessoas esperam ver, do tipo realista tradicional ou contemporâneo. Não é o realismo que busco. Para mim, a arte não deve buscar o realismo, mas outro sentido, que é o poético.”
A produção musical e a direção artística ficaram a cargo do próprio Armando Lôbo. O álbum audiovisual traz as participações das dançarinas Marcela Rabelo e Isaac Souza.
“VENENO BENTO”
Álbum de Armando Lôbo
Disponível nas plataformas digitais