A primeira coisa que chama a atenção no filme “A ilha de Bergman”, da francesa Mia Hansen-Løve, que estreia nesta quinta-feira (24/2) no UNA Cine Belas Artes, é que existe uma espécie de Disneylândia em Faro. Ilha do Mar Báltico no Sudeste da Suécia, tem grandes formações rochosas, solo estéril, invernos dificílimos e, até a década de 1990, era proibida a estrangeiros por causa de uma instalação militar do governo, hoje desativada.
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TEMPORADA EM FARO
Em “A ilha de Bergman”, os cineastas e roteiristas Chris (Vicky Krieps, de “Trama fantasma”) e Tony (Tim Roth) vão passar uma temporada em Faro, durante a Semana Bergman, evento anual que ocorre em junho, com projeções e conferências sobre a obra do cineasta. Tony, um diretor respeitado, vai fazer uma palestra no local. Também vai aproveitar o momento para se dedicar ao seu novo roteiro.
O longa concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes no ano passado. Muitos críticos apontaram um provável paralelo entre a trama do longa e a trajetória particular da diretora, que foi casada com o cineasta francês Olivier Assayas até 2016. Ela estreou no cinema como atriz, aos 18 anos, num filme de Assayas (“Fin août, début septembre”, 1998).
No filme de Mia, o casal se hospeda em uma casa que serviu de locação para produções de Bergman. Chris se incomoda já na primeira noite. Como vai dormir na mesma cama onde foi rodada “Cenas de um casamento”, série que contribuiu para divórcios mundo afora?
O incômodo dela é maior, na verdade. Em meio a um bloqueio criativo, ela também se aborrece ao saber detalhes da vida de Bergman. Pergunta-se se a sociedade aceitaria com naturalidade que ela tivesse nove filhos de seis parceiros diferentes, como o cineasta fez em seu tempo.
Chris tampouco pensa em fazer uma imersão na trajetória do cineasta no local – deixa o marido na mão quando ele embarca num antigo ônibus amarelo para o “Safári Bergman”, um tour pelos lugares mais marcantes que é o campeão entre os turistas (e o passeio existe tal qual está no filme). Em vez do marido, ela prefere a companhia de um jovem estudante que conhece bem a região e a leva a lugares que não fazem parte do roteiro do safári.
REFERÊNCIAS
Mas é impossível ir a Faro e não ser dominado pelas referências do mais denso e angustiante dos cineastas. A partir de certo momento, “A ilha de Bergman” se torna quase que dois filmes em um. Chris finalmente supera o bloqueio e começa a dar vazão ao seu próprio filme. Pede sugestões para Tony, já que não sabe como terminá-lo.
Neste momento, “A ilha de Bergman” traz outra história, imaginada por Chris. Segue a jovem cineasta americana Amy (Mia Wasikowska), que chega a Faro para o casamento de uma amiga. O que ela quer, na verdade, é retomar um antigo romance com Joseph (Anders Danielsen Lie), que foi seu primeiro amor.
Ambientado ao longo de três dias, o conto incompleto de Chris se desenrola em torno de pequenos e grandes conflitos, como o vestido branco inadequado escolhido por Amy para uma festa de casamento e o breve caso dela com Joseph. É nesta segunda parte que o filme de Mia Hansen-Løve busca se desvencilhar do peso de rodar um longa na ilha de Ingmar Bergman.
Como uma grande ironia, a cineasta coloca a mais pop das referências suecas, a banda Abba, como o tema de uma longa sequência. Não há como imaginar “The winner takes it all” em uma história de Bergman. Mas tais liberdades – e também um terceiro movimento, na parte final, em que realidade e ficção se fundem – é que fazem com que a diretora francesa consiga ter voz própria em meio à influência de um dos mais importantes e prolíficos cineastas da história.
“A ILHA DE BERGMAN”
(França/Bélgica/Alemanha/Suécia/México, 2021, 112min, de Mia Hansen-Løve, com Vicky Krieps, Tim Roth e Mia Wasikowska) – Estreia às 18h30 na Sala 1 do UNA Belas Artes