Muito da atmosfera libertária presente nas faixas de “Clube da Esquina” deve-se ao processo de gestação do projeto, uma história que desceu das montanhas de Minas Gerais, acomodou-se ao som das ondas do mar em terras fluminenses e merece um capítulo à parte neste capítulo da série de reportagens que o Estado de Minas publica para homenagear os 50 anos do disco.
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Nada foi como antes depois do 'Clube da Esquina', que completa 50 anos'Clube da Esquina' é fruto da amizade de jovens na BH dos anos 1960Foi assim que Santa Tereza entrou para a história da MPBWagner Tiso lança songbook de 100 partituras e comemora 60 anos de carreiraPodcast 'Nada foi como antes' celebra os 50 anos do Clube da EsquinaMinas Tênis inaugura salas de cinema com homenagem ao Clube da Esquina"Clube da Esquina": sonho vira realidade nos estúdios da OdeonFestival de teatro em Ouro Preto abre inscrições; veja como participarMostra dedicada aos 50 anos do movimento armorial se despede hoje de BH“Meu pai era mais liberal, mas minha mãe disse que eu não ia morar no Rio em plena ditadura militar, com apenas 18 anos – e com o Bituca, que morava sozinho”, detalha Lô Borges, cujo nome é Salomão, herdado do pai.
Após convencer a matriarca, Lô impôs uma condição: disse a Bituca que não iria sozinho com ele para o Rio por achar que ficaria muito deslocado entre a turma “jazzística” que o acompanhava. Referia-se aos músicos Wagner Tiso, Luiz Alves e Robertinho Silva. “Meu negócio é Beatles”, teria dito Lô, que sugeriu levar o grande cúmplice Beto Guedes. Na casa do mineiro de Montes Claros, a mãe, dona Júlia, liberou o jovem, mas fez o adendo: “Cuidado com Beto na hora de atravessar a rua, ele é muito avoado”. Coisas de mãe.
Bituca, Lô e Beto moraram em diversos apartamentos no Rio de Janeiro, mas não se adaptaram. “Fomos expulsos de um prédio porque éramos cabeludos, porque bebíamos. E a gente nem fazia barulho nem nada”, diz Lô. Juntamente com um primo de Milton, Helson Romero, chamado de Jacaré, partiram então para a cidade de Niterói, no litoral fluminense, onde alugaram um casarão na isolada praia de Mar Azul, em Piratininga.
Enquanto davam início às composições das músicas que viriam a integrar o álbum “Clube da Esquina”, trocavam telefonemas com a turma de BH. “Diziam que havia um clima ótimo para criar”, recorda-se Márcio Borges. “Sabe que, algumas semanas atrás, Beto e Lô vieram aqui em casa e juntos relembramos muitas histórias de nossa temporada em Mar Azul. E uma coisa que a gente concluiu é que esse disco veio através do resultado direto da nossa imersão naquela casa, e uma vontade gigante de fazer música”, conta Milton ao EM.
Enquanto davam início às composições das músicas que viriam a integrar o álbum “Clube da Esquina”, trocavam telefonemas com a turma de BH. “Diziam que havia um clima ótimo para criar”, recorda-se Márcio Borges. “Sabe que, algumas semanas atrás, Beto e Lô vieram aqui em casa e juntos relembramos muitas histórias de nossa temporada em Mar Azul. E uma coisa que a gente concluiu é que esse disco veio através do resultado direto da nossa imersão naquela casa, e uma vontade gigante de fazer música”, conta Milton ao EM.
Em um quarto, estava Bituca com seu violão. Noutro, Lô Borges compunha. E Beto Guedes zanzava pelos cômodos dando seus pitacos. Lô diz que ter ido para Mar Azul foi um grande alívio após a temporada conturbada no Rio. “Tivemos vários meses para compor em um lugar paradisíaco. Lá não tinha vizinho, não tinha síndico, era só a gente por conta da criação”, recorda-se o compositor.
Autores de algumas das letras do disco, Márcio Borges e Fernando Brant moravam em BH, mas visitaram os amigos em Mar Azul. Eventualmente, a turma de Niterói também se deslocava para a capital mineira, onde apresentava as melodias para os letristas e dava as coordenadas. “Ronaldo disse que a ideia era fazer algo na linha do (disco) ‘Sgt. Pepper’s’, dos Beatles, em que uma música se conecta a outra, com começo, meio e fim”, revela Márcio. “Meio aos trancos e barrancos, enchemos o disco de referências beatlemaníacas e esse parentesco meio intencional foi mais que identificado.”
Nascido e criado em Niterói, Ronaldo Bastos ia com frequência ao refúgio de Mar Azul. “Ele passava o dia com os caras e acabou tendo um papel de preponderância na hora de escolher as canções e dividir quem iria fazer o quê, pois testemunhou o nascimento delas”, opina Márcio.
Ronaldo conta que o conceito do disco era muito aberto, mas o apanhado de composições o fazia enxergar certa unidade. Ronaldo, Fernando e Márcio assinam seis letras cada um em “Clube da Esquina”. Os versos de “Paisagem da janela”, “Saídas e bandeiras” e “San Vicente” couberam a Fernando Brant, morto em 2015.
Ronaldo conta que o conceito do disco era muito aberto, mas o apanhado de composições o fazia enxergar certa unidade. Ronaldo, Fernando e Márcio assinam seis letras cada um em “Clube da Esquina”. Os versos de “Paisagem da janela”, “Saídas e bandeiras” e “San Vicente” couberam a Fernando Brant, morto em 2015.
A atmosfera era de farra e confraternização em Mar Azul. Havia banhos de mar diários, sempre pela manhã, e muita garrafa de cerveja vazia pelos cantos da casa. “Fui algumas vezes para lá com Robertinho Silva e Luiz Alves para ver como estava o clima, e estava muito favorável, muita amizade e criação. Acho que isso desaguou no disco”, opina o pianista e compositor Wagner Tiso.
O percussionista Robertinho Silva conta que já era casado e, por isso, não podia ficar 24 horas no casarão. “Eu pegava a barca para lá e voltava no mesmo dia. O pessoal mergulhava no mar e eu não podia, porque nunca aprendi a nadar”, conta ele.
O percussionista Robertinho Silva conta que já era casado e, por isso, não podia ficar 24 horas no casarão. “Eu pegava a barca para lá e voltava no mesmo dia. O pessoal mergulhava no mar e eu não podia, porque nunca aprendi a nadar”, conta ele.
Com as composições prontas, a próxima parada foram os estúdios da gravadora Odeon, na avenida Rio Branco, centro do Rio de Janeiro. E, além de um time de músicos tarimbados, o disco teria uma participação muito especial (leia matéria ao lado).
Alaíde Costa: a única mulher do "Clube da Esquina"
A única voz feminina em “Clube da Esquina” é a da cantora carioca Alaíde Costa, que divide com Milton os vocais de “Me deixa em paz”, canção de Monsueto Menezes e Ayrton Amorim. Juntamente com “Dos cruces”, de Carmelo Larrea, são as únicas das 21 faixas do álbum que não são de autoria de Milton, Lô e companhia.
Intérprete tarimbada, de timbre especial e repertório sofisticado, Alaíde participava de um programa na TV Tupi, “Almoço com as estrelas”, no mesmo dia em que Milton se apresentou. Os dois já se conheciam das noites paulistanas, quando frequentavam o João Sebastião Bar, onde Bituca dava canja – mas, ali, nos bastidores da Tupi, os dois intérpretes plantaram a semente da gravação que faria história em 1972.
Intérprete tarimbada, de timbre especial e repertório sofisticado, Alaíde participava de um programa na TV Tupi, “Almoço com as estrelas”, no mesmo dia em que Milton se apresentou. Os dois já se conheciam das noites paulistanas, quando frequentavam o João Sebastião Bar, onde Bituca dava canja – mas, ali, nos bastidores da Tupi, os dois intérpretes plantaram a semente da gravação que faria história em 1972.
Linda Batista havia gravado “Me deixa em paz” como um samba carnavalesco em 1952, mas Alaíde a cantava de um modo bem diferente da versão original, com o andamento lento que configurava praticamente uma nova canção. “Eu nunca fui do sambão”, observa ela, em entrevista por telefone. Milton ouviu, se encantou pela interpretação e convidou Lalá, apelido da cantora, para gravar a bela música com ele.
“O tempo passou, passou, e eu até achei que ele tinha esquecido do convite”, conta Alaíde, que vive em São Paulo e tem 86 anos. Foi então que, em 1971, ela recebeu uma ligação da gravadora Odeon pedindo que fosse ao estúdio.
Alaíde viajou para o Rio de Janeiro e, quando adentrou os estúdios da gravadora, a parte instrumental já estava pronta. Ela se emocionou com o arranjo. Coube a ela juntar-se a Milton e soltar a voz de afinação comovente.
“Eles eram meninos e eu não os conhecia (à exceção de Milton). Todos maravilhosos, faziam música que a gente não estava acostumada a ouvir”, diz ela sobre a trupe. “Para minha surpresa, essa faixa fez bastante sucesso”, orgulha-se a artista.
Segundo Alaíde, a gravação com Milton abriu as portas do mercado fonográfico para ela, rendendo um contrato com a mesma Odeon em que havia gravado pela primeira vez,15 anos antes.
“Eles eram meninos e eu não os conhecia (à exceção de Milton). Todos maravilhosos, faziam música que a gente não estava acostumada a ouvir”, diz ela sobre a trupe. “Para minha surpresa, essa faixa fez bastante sucesso”, orgulha-se a artista.
Segundo Alaíde, a gravação com Milton abriu as portas do mercado fonográfico para ela, rendendo um contrato com a mesma Odeon em que havia gravado pela primeira vez,15 anos antes.
Milton conta que era fã de Alaíde desde os tempos em que morava em Três Pontas. “Pra mim, ela é uma das maiores cantoras do mundo. Sempre tive o sonho de cantar com a Alaíde”, comenta. “Aquele dueto em ‘Me deixa em paz’ foi um dos grandes momentos não só do disco, mas da minha carreira”, revela Bituca, em entrevista ao Estado de Minas.
Leia na terça-feira (8/3): Toninho Horta, Robertinho Silva, Nelson Angelo e Wagner Tiso contam como ocorreram as gravações de “Clube da Esquina” nos estúdios da Odeon